SOBREPREÇO

'Tratoraço' recebeu verbas públicas destinadas por 30 parlamentares

Ministério celebrou 74 convênios classificados pela CGU, em relatório de auditoria recentemente divulgado, como tendo "risco alto ou extremo" de sobrepreço

Agência Estado
postado em 24/10/2021 18:09 / atualizado em 24/10/2021 18:09
 (crédito: Minervino J?nior/CB/D.A Press)
(crédito: Minervino J?nior/CB/D.A Press)

Pelo menos 30 parlamentares destinaram verbas públicas para compras de tratores e máquinas agrícolas sob suspeita de superfaturamento. Os nomes dos deputados e senadores por trás das emendas do "tratoraço" vinham sendo mantidos em sigilo graças a um acordo do Executivo com lideranças do Congresso para viabilizar o orçamento secreto e construir uma base de apoio parlamentar ao governo Jair Bolsonaro.

Uma investigação do Estadão, com base em planilha interna do Ministério do Desenvolvimento Regional e um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), rastreou, porém, os nomes de políticos que enviaram verbas federais para compras sob suspeita de sobrepreço. No grupo de 30 parlamentares identificados estão o líder do PSL na Câmara, deputado Vitor Hugo (GO); o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-presidente do Congresso; e o relator-geral do Orçamento de 2020, deputado Domingos Neto (PSD-CE).

A planilha do Desenvolvimento Regional, obtida pela reportagem, mostra que todos solicitaram repasses para prefeituras, aprovados em dezembro passado, com recursos de emendas do relator-geral, artifício do orçamento secreto. Resultado: o ministério celebrou 74 convênios classificados pela CGU, em relatório de auditoria recentemente divulgado, como tendo "risco alto ou extremo" de sobrepreço.

O Estadão chegou à lista dos 30 nomes cruzando dados da planilha e do relatório. A autoria continua sigilosa até para órgãos de controle e fiscalização. A não ser que haja um vazamento de informação, a sociedade não tem como saber quem impôs ao governo uma determinada compra com recursos do orçamento secreto. O anonimato garante que parlamentares não sejam associados a eventuais casos de corrupção no uso dessas verbas.

Os valores a mais identificados nos convênios ligados a esses políticos passam de R$ 6 milhões. Trata-se, porém, de apenas um pedaço dos R$ 142 milhões em sobrepreços identificados pela CGU em licitações e convênios do Desenvolvimento Regional, com recursos do orçamento secreto.

O relatório da CGU foi feito após o Estadão revelar, em maio, que o ministério comandado por Rogério Marinho foi o destino de R$ 3 bilhões em emendas de relator-geral e parte desse dinheiro foi para dezenas de convênios com indícios de irregularidades. Com base no relatório, a CGU notificou prefeituras apontando "suspeita de superfaturamento" nesses convênios para compra de maquinários.

DIFERENÇA

Somente em dois deles, propostos pelo vice-líder do governo na Câmara, deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO), as cifras a mais chegam a R$ 983 mil. As prefeituras de Ouro Preto do Oeste e Pimenta Bueno, em Rondônia, preveem a compra de duas motoniveladoras e três pás carregadeiras por R$ 3,24 milhões. A auditoria da CGU destacou, no entanto, que o valor de referência seria de R$ 2,25 milhões. A diferença é de 47%.

A prática está longe de ser isolada. Ex-líder do governo Bolsonaro na Câmara, Vitor Hugo indicou nove convênios para a compra de máquinas em municípios goianos que, pelos cálculos da CGU, registram R$ 938,1 mil em sobrepreços. Quatro motoniveladoras, duas retroescavadeiras, dois tratores e uma pá carregadeira tiveram repasses aprovados para compra, somando R$ 4,86 milhões. O valor estimado, porém, seria de R$ 3,92 milhões.

O cálculo do preço de referência feito pela CGU levou em conta o que os demais órgãos públicos usaram recentemente para aquisição de equipamentos semelhantes. Os convênios do Desenvolvimento Regional com prefeituras, por sua vez, tiveram como base propostas apresentadas por empresas, o que, na avaliação da controladoria, deu margem para riscos de sobrepreço.

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre - que hoje dá dor de cabeça ao governo por não marcar a sabatina de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal - apresentou quatro propostas de convênios para compras de máquinas a municípios do Paraná, todas com sobrepreço. No primeiro, a aquisição de tratores para Godoy Moreira, a CGU concluiu que o custo previsto, de R$ 255 mil, está R$ 100 mil acima do valor de referência. Uma diferença de 65%.

As emendas de relator-geral vêm sendo usadas pelo governo Bolsonaro para distribuir bilhões de reais a parlamentares em troca de apoio no Congresso, como revelou o Estadão. Em audiência na Câmara, no último dia 7, o ministro da CGU, Wagner Rosário, disse "não ter dúvidas de que há corrupção na ponta".

No esquema do orçamento secreto, além de indicar a cidade beneficiada, os políticos receberam o aval do governo Bolsonaro para determinar o que deveria ser comprado e até o valor dos produtos, em conversas por WhatsApp com ministros, pessoalmente ou por ofícios que não são públicos.

O governo tem se recusado a fornecer informações nos casos envolvendo compras com cifras a mais. Dessa forma, mantém o sigilo sobre o tipo de exigência feita pelos 30 parlamentares que indicaram compras em convênios que registraram sobrepreço. Os congressistas também preservaram essas informações.

Procurados, os deputados Lúcio Mosquini e Vitor Hugo disseram que, se houve uso irregular do dinheiro público, a responsabilidade é da prefeitura. Mosquini também discordou da avaliação de sobrepreço. "Equívoco. Hoje você não compra máquina nem pelo dobro", disse. Davi Alcolumbre e Domingos Neto não responderam.

O ex-ministro da CGU Valdir Simão observou que é tarefa do parlamentar "zelar para que o processo de compra seja eficiente e transparente". A opinião é compartilhada por Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas. "As motivações do sobrepreço devem ser investigadas. Eventualmente, poderão existir relações entre a empresa, o prefeito e o parlamentar."

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. 

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