Especial: e agora, Brasil?

Com forte influência política, Evangélicos são um pote de ouro nas eleições

Correio preparou especial indicando as ações de políticos para fisgar os fiéis, a briga para liderar frente no Congresso e explicando como o discurso anticorrupção ainda atrai esta parcela da população

Tainá Andrade
postado em 24/12/2021 06:00
 (crédito: Editoria de ilustração)
(crédito: Editoria de ilustração)

Na corrida pela disputa ao cargo de presidente da República nas eleições de 2022, existe uma outra competição, mais segmentada, mas com alto impacto no resultado final: quem ganhará a simpatia da maioria do eleitorado evangélico no ano que vem?

Dos mais de 210 milhões de brasileiros, esse segmento representa aproximadamente 30% da população, segundo o Datafolha. Em 2018, na última escolha presidencial, em meio a um cenário de crises, principalmente relacionadas à moral política, esse eleitorado foi responsável por 70% da aprovação de Jair Bolsonaro (PL), um candidato conservador, que se autointitulava "fora do sistema" e com discurso anticorrupção.

O presidente continuou a nutrir a fidelidade do segmento. O gesto mais recente de Bolsonaro foi a indicação vitoriosa de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, a relação entre Bolsonaro e evangélicos já não é mais a mesma. A aprovação quase unânime de 2018 tem sido ameaçada para 2022.

Investidas de outros candidatos têm surtido efeito. Uma das comprovações nessa perda de público foi informada na pesquisa do Datafolha, publicada no último dia 20. Lula (PT) apareceu como o melhor presidente que o Brasil já teve, na opinião de 43% dos evangélicos, enquanto Bolsonaro ficou com 19%.

Força Eleitoral
Força Eleitoral (foto: Editoria de Arte do Correio)

"O que acontece é que antes o então deputado Jair Bolsonaro tinha promessas de como evitar essas crises naquele momento em que ele não podia se responsabilizar por elas, ele era um deputado. Agora, ele é o presidente, que foi responsável pela gestão dos últimos anos. Então o voto também é de avaliação do governo, sempre tem uma camada enorme de avaliação do governo. Então, é um presidente avaliado pelo seu governo, não é só o então deputado Bolsonaro fazendo promessas", avalia Ana Carolina Evangelista, cientista política e diretora do Instituto de Estudos da Religião (Iser).

O cenário eleitoral mudou drasticamente em três anos. O próximo presidente virá com o desafio de remediar um Brasil pós-pandêmico, no qual 19 milhões de pessoas passam fome, entre elas 55% das famílias estão em insegurança alimentar. Um a cada quatro brasileiros passou a viver abaixo da linha da pobreza no ano passado — esse número subiria se não fosse a ajuda de auxílios governamentais —, com uma inflação na faixa de 10%, em forte impacto principalmente nos alimentos consumidos pelos cidadãos de baixa renda.

Segundo Ana Carolina Evangelista, o olhar sobre o eleitorado evangélico, no próximo ano, não pode ser somente sob o aspecto da fé ou da defesa da agenda conservadora. Uma indagação comum desse eleitorado são as propostas dos pré-candidatos às demandas sociais. "Será uma eleição sobre demandas mínimas de sobrevivência da população. É sobre o combate à fome, acesso a emprego, acesso a renda, acesso a moradia", descreve Evangelista. "Se a gente olha o perfil da população de evangélicos, a gente está falando principalmente de uma eleição de diálogo, de priorização da classe mais empobrecida — na faixa de até dois, cinco salários mínimos", observa.

Na avaliação da especialista, grande parcela do eleitorado brasileiro é fortemente afetada pela crise da pandemia. E, nesse contexto, a mobilização evangélica é de importância fundamental. "Se a gente olha, 51% do eleitorado brasileiro é de baixa renda, e os números mostram que esse eleitorado está demandando respostas para crises que só se aprofundaram no Brasil. Isso tem uma correspondência e atinge também o segmento evangélico", contextualizou.

A especialista ainda definiu mais uma — grande — parcela desse eleitorado. De acordo com ela, o maior "recorte dos evangélicos no Brasil é uma maioria negra, feminina, de baixa renda, líderes de família e de regiões periféricas urbanas". Portanto, "antes de serem evangélicas, antes de se preocuparem com a tal agenda moral ou a falácia da ideologia de gênero propagada nas escolas, as mães evangélicas querem seus filhos dentro da escola, querem um emprego, têm três trabalhos ao mesmo tempo para sustentar as suas casas", conta.

Líder nas pesquisas de intenção de voto, Lula está atento aos sentimentos do eleitorado evangélico. No jantar organizado pelo Grupo Prerrogativas, que tornou públicas as articulações entre o candidato do PT e Alckmin (Sem Partido) como uma chapa para o pleito do ano que vem, houve, também, houve espaço para a campanha "Tem Gente com Fome".

O projeto, coordenado pelo grupo Coalizão Negra por Direitos, busca doações para entregar 223 mil cestas básicas para famílias carentes neste Natal. A prioridade da Coalizão tem sido levar alimentos às mães negras e famílias que recebem o auxílio emergencial em 18 estados e no Distrito Federal. Desta vez, a organização começará a distribuição pelo Norte — onde há a maior concentração de evangélicos no país — e pelo Nordeste.

Eleitorado pulverizado

Alexandre Landim, sociólogo e cientista social pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorando na Universidade Federal do Ceará (UFCE), escritor da tese “Atores de temas religiosos em eleições presidenciais nas eleições de 2010 e 2018”, aponta que não há unanimidade no voto evangélico.

“Se a gente pegar as últimas pesquisas, o eleitorado evangélico está dividido. O que a gente pode dizer, a partir dos dados, é que o apoio do eleitorado evangélico (a Bolsonaro) vem caindo, mas em uma menor velocidade em relação à população em geral. Vai depender do jogo eleitoral, de quem vai sair candidato, de como vão se estabelecer essas alianças, quais são as negociações, as exigências por apoio”, alertou Landim.

Fora da polarização Lula-Bolsonaro, novos candidatos que participarão da competição pelo apoio do eleitorado da fé devem estar atentos não só às demandas, mas também à capilaridade que existe dentro do segmento. Landim ressalta que a divisão crescente entre direita e esquerda também existe entre os evangélicos.

De acordo com o especialista, os fiéis de esquerda acreditam que os problemas sociais são oriundos de problemas estruturais. Porém essa linha ainda é recém-formada no segmento, portanto ainda não tem força para definir uma eleição.

Já para a direita organizada desde 1980, há uma maior musculatura. Espelhados no movimento americano do neoconservadorismo, os evangélicos conversadores prezam pautas do liberalismo econômico, morais, contrárias ao aborto, casamento do mesmo sexo. Acreditam, ainda, que questões sociais se resolvem com iniciativas individuais.

Foi nesse segundo cenário que Bolsonaro — mesmo não sendo evangélico —, se firmou. “[Ele] percebeu nesse grupo afinidade, pautas em comum. Bolsonaro tem uma performance de persona evangélica, assim, ele se aproxima do grupo. Representa uma pauta neoconservadora ou ultraliberal”, analisa o especialista.

Ações específicas para fisgar os fiéis

A pouco mais de nove meses para as eleições, os concorrentes ao Palácio do Planalto mantêm estratégias específicas para o eleitorado evangélico. Segundo analistas ouvidos pelo Correio, será bem sucedido aquele que tiver melhores propostas de cunho social.

No fim de novembro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou de um encontro nacional virtual, que reuniu 800 evangélicos, entre pastores e fiéis. Ao lado da ex-governadora do Rio de Janeiro e evangélica Benedita da Silva (PT), Lula creditou sua chegada à presidência “à mão de Deus”. Além de lembrar aos participantes que “governou para todos”.

De acordo com Geter Borges de Souza, um dos coordenadores do núcleo evangélico do PT, o tema central do ex-presidente para o plano de governo tem sido o combate à fome. “O foco dele é que o PT tenha um projeto democrático popular, por isso todo mundo que quiser contribuir e somar será bem-vindo. Os evangélicos passam fome, querem comer e querem que o PT volte com o programa fome zero, geração de emprego e renda”, detalhou.

Bolsonaro também tem se movimentado. O trunfo de maior evidência é a chegada de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal. Pastor batista licenciado, Mendonça se tornou ministro após meses de intensos embates entre evangélicos e o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Nesse período, Bolsonaro sempre deixou público seu apoio ao ex-colaborador do governo. O episódio Mendonça reforça a boa relação entre o presidente e as lideranças evangélicas e serve de trunfo na manga do presidente para a reeleição.

Cezinha de Madureira (PSD-SP), apoiador de Bolsonaro na Câmara dos Deputados, vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica e pastor da Assembleia de Deus, avalia que o conceito de Bolsonaro entre evangélicos continua em alta. “Para as pautas mais conservadoras, ele tem tido muita coragem. Pegue, ainda, os dois anos de pandemia, nos quais os governadores seguiram João Doria, que virou ditador, fechando templos”, compara o deputado.

“[Bolsonaro] Já tinha [apoio] e consolidou um pouco mais agora, com o cumprimento da palavra com o André Mendonça. Classifico, hoje, com a pacificação muito grande, de 80 a 90% [do eleitorado] com o Bolsonaro”, apostou. O culto de ação de graças, realizado em seguida à posse de Mendonça no Supremo, reuniu ao menos mil pessoas em uma igreja evangélica na Asa Sul.

Ana Carolina Evangelista define a ocasião de apoio a Bolsonaro com um comportamento que tem se tornado comum entre os evangélicos. “São espaços institucionais que querem ter influência na política, como qualquer outro grupo de interesse souberam se organizar dentro do sistema político brasileiro. Desde a Constituinte de 1986 os evangélicos elegem os chamados candidatos oficiais das igrejas, tendo uma entrada mais sistemática na política. Continuarão fazendo isso, com aliados, inclusive, do campo não religioso”, detalhou a especialista.

Em campanha

Moro traçou uma estratégia na qual começará, após a virada do ano, a priorizar a aproximação com as igrejas históricas ou protestantes tradicionais, pentecostais, mórmons, os pastores influenciadores e as escolas confessionais. Tentativas de encontros com líderes da Igreja Internacional da Graça de Deus, dirigida por RR Soares, e da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, estão na lista também. Outra estratégia será atrair neopentecostais, atualmente aliados a Bolsonaro.

Já o presidente da República continua apostando em aparições e discursos em cultos, como no culto de ação de graças dedicado ao novo ministro André Mendonça. Lula, por sua vez, tem feito visitas a antigos aliados religiosos do seu governo, com o intuito de resgatar as alianças. Um exemplo foi o encontro com o bispo primaz Manoel Ferreira, também do ministério Madureira, congregação criada na região da Central do Brasil, no Rio de Janeiro.

Nessa relação com os possíveis candidatos, os evangélicos atuam como outros eleitorados: buscam identificar caminhos para fazer prevalecer suas convicções. Essa preferência, portanto, pode mudar ao longo dos meses. “O jogo é a proximidade com o poder para fazer valer os seus interesses. Na falta de um representante evangélico, se voltam para o candidato que tenha mais chances de vitória. Ainda tem praticamente um ano de mandato [de Bolsonaro], então eles estão ‘presos’”, acredita Alexandre Landim, sociólogo e cientista social pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorando na Universidade Federal do Ceará (UFCE).

O especialista considera improvável que os evangélicos definam o voto com antecedência. “Na campanha eleitoral, eles vão levar até o último momento, não vão abandonar com muita antecedência, porque existem interesses econômicos, principalmente nos meios de comunicação. Mas, nas vésperas, se estiver mal nas pesquisas, pode ter certeza que vai ocorrer uma migração, com qualquer justificativa”, explica Landim.

Landim lembra que, em 2014, Silas Malafaia apoiava o Pastor Everaldo até acontecer o acidente aéreo que matou o pré-candidato a presidente Eduardo Campos. A partir disso, Malafaia seguiu publicamente com o voto em Everaldo, mas apenas no primeiro turno e por uma questão de honra. Ele dizia que sua candidata era Marina Silva, à época vice de Campos, portanto no segundo turno iria nela.

O especialista ressalta, porém, que essas mudanças de voto entre as lideranças não representa necessariamente o posicionamento dos fiéis. “As lideranças evangélicas nem sempre coincidem com o posicionamento dos fiéis, então, as lideranças podem ter candidatos favoritos e eles não se traduzirem nos votos”, apontou.

Discurso anticorrupção ainda atrai

A cientista política Ana Carolina Evangelista aponta outra forma de chamar a atenção do eleitorado evangélico: o discurso de combate à corrupção. “Essa resposta antissistema, fora do sistema, me parece uma camada importante de acesso à população. Um pouco dessa descrença na política ainda é forte, então que seja um candidato que consiga minimamente se identificar com o “eu sou fora desse sistema corrompido” tem uma responsabilidade importante”, acrescentou.

Um candidato que se destaca nesse sentido é o terceiro colocado nas pesquisas, Sergio Moro (Podemos), ex-juiz da Operação Lava Jato. Em seu discurso, como promessa da terceira via, ele tem buscado abocanhar o mesmo eleitorado — inclusive, evangélico — de Bolsonaro. Para isso, tem mantido diálogo com lideranças religiosas para colher informações e incorporar elementos em um futuro programa de governo, que está em montagem. “Uma coisa importante já conversada é que a forma como ele [Moro], no papel de presidenciável vai lidar com os fiéis, em geral, não será como alguns candidatos fazem — a coisa do toma lá, dá cá, ir a um culto pra fazer de palanque eleitoral. Será um relacionamento onde as pautas e parte do programa do governo seja democrático e com vistas ao bem comum”, definiu Uziel Santana, ex-presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) e convidado para ser coordenador do núcleo evangélico da campanha do ex-jurista.

O histórico da Anajure acumula uma atuação forte em fazer com que os evangélicos participem não só do poder Executivo e Legislativo, mas também do Judiciário. Segundo Uziel, as conversas com lideranças religiosas seguem no sentido de aumentar o apoio e a colaboração entre o poder público e as igrejas nas questões sociais. “O segmento evangélico se encontra em boa parte órfão, porque todos nós depositamos muita expectativa no governo Bolsonaro. Primeiro pelo anti-PT, depois pela pauta do combate à corrupção e pelo respeito às liberdades civis e fundamentais, incluindo as pautas morais. De repente, o governo abandona por completo a anticorrupção e promove todo o velho patrimonialismo e fisiologismo”, criticou Uziel.

“Vivemos um vácuo. No seu relacionamento conturbado com o Congresso e Judiciário, não ouve essas pautas [liberdade religiosa], só bravatas, disse me disse, quando olha para os indicadores não há o que ser apresentado. Tenho dito que o Moro, por ser mais moderado e equilibrado, é a possibilidade mais concreta para derrotar os outros dois”, destacou.

O advogado informou que a direção da campanha de Sergio Moro é pautar as questões sociais e o movimento de liberdade religiosa no país. Com esse objetivo, o pré-candidato do Podemos se reuniu, no mês passado, com congregações do grupo histórico, batistas, presbiterianas, adventistas, ligadas a Aliança Cristã Evangélica Brasileira, metodistas, congregações missionárias, como o Exército da Salvação e neopentecostais. Esse último segmento evangélico, de acordo com o coordenador Uziel Santana, é o mais preocupado com a volta do PT.

Briga para liderar frente no Congresso

O comando da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), uma das mais poderosas do Congresso Nacional, será motivo de mais um embate na base do governo Jair Bolsonaro. O atual presidente do grupo, deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), tem o aval de sua igreja para ficar por mais um ano na chefia da bancada, o que rompe com o acordo para um revezamento no cargo entre alas da Assembleia de Deus.

Cezinha, da Assembleia de Deus do Brás — Ministério de Madureira, foi eleito em dezembro do ano passado para o biênio 2021-2022. Porém, para chegar ao cargo, fez um acordo com o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, liderada pelo pastor Silas Malafaia. Conforme anunciaram à época, Cezinha permaneceria no comando da frente em 2021, e Sóstenes, eleito vice-presidente, assumiria a bancada em 2022, ano de eleição.

O bispo Samuel Ferreira, um dos líderes religiosos do Ministério de Madureira pretende fazer campanha para que Cezinha siga na presidência da frente parlamentar. “Ele hoje é presidente da frente. Vou fazer campanha para continuar mais um ano. É um rapaz que defende esse governo, defende a igreja e defende, acima de tudo, o Deus a quem servimos”, afirmou o bispo no dia 16, diante do presidente Bolsonaro, ministros e parlamentares, durante o culto de graças à posse do ministro André Mendonça no Supremo Tribunal Federal.

Malafaia reafirmou o acordo feito há um ano. “Vamos ver quem tem palavra ou não. Vamos aguardar para ver se eles têm caráter ou não, e vamos reagir conforme a decisão deles”, disse. “Não apenas tem um acordo como tem uma ata assinada por Cezinha e por toda a direção da frente.”

Além da disputa pelo poder na FPE, as alas de Madureira e da Vitória em Cristo protagonizaram um embate na semana passada, na votação que tratava do projeto de lei que libera cassinos, bingos e jogo do bicho. Historicamente, a bancada evangélica sempre rechaçou os jogos de azar. Nos bastidores, contudo, deputados de algumas denominações têm flexibilizado a posição contra a pauta.

Malafaia acusou Cezinha de firmar um acordo com o Centrão e o comando da Câmara para facilitar a liberação dos jogos. Cezinha negou o acordo.

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    cabeça e agora Brasil2 Foto: Valdo Virgo
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    Força Eleitoral Foto: Editoria de Arte do Correio