Democracia

STF não permitirá nada fora do que prevê a Constituição, diz Barroso

Barroso e Lewandowski participaram da 10ª edição do Fórum Jurídico de Lisboa e fizeram questão, em seus discursos, de destacarem a importância da democracia

Vicente Nunes - Correspondente
postado em 27/06/2022 18:55 / atualizado em 27/06/2022 19:32
Na avaliação de Barroso, vive-se hoje, no Brasil e no mundo, o que se pode chamar de recessão democrática -  (crédito: Nelson Jr./SCO/STF)
Na avaliação de Barroso, vive-se hoje, no Brasil e no mundo, o que se pode chamar de recessão democrática - (crédito: Nelson Jr./SCO/STF)

Lisboa, Portugal — A proximidade das eleições presidenciais tem levado ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a indicarem que a Corte será um grande foco de resistência a qualquer movimento que não esteja previsto na Constituição. Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, não se considera, na instituição, qualquer possibilidade diferente disso, como um golpe por parte do presidente Jair Bolsonaro (PL) para se manter no poder caso derrotado nas urnas. O ministro Ricardo Lewandowski reforçou que todos os votos do pleito de outubro serão contabilizados, os resultados, respeitados, e os vencedores, empossados.


Os dois magistrados participaram da 10ª edição do Fórum Jurídico de Lisboa e fizeram questão, em seus discursos, de destacarem a importância da democracia. Barroso reconheceu que o país vive um momento muito complicado, de ataques constantes às instituições democráticas, mas enfatizou que a sociedade e o Congresso estão prontos para garantir os direitos constitucionais, ainda que políticos autoritários tentem demolir, tijolo por tijolo, as conquistas do voto direto e a liberdade de escolha. “Valores constitucionais são imunes e, numa democracia, há lugar para liberais, progressistas e para conservadores, só não tem para os que queiram destruir a democracia”, destacou.

Na avaliação de Barroso, vive-se hoje, no Brasil e no mundo, o que se pode chamar de recessão democrática. “Há uma onda mundial em que líderes políticos eleitos pelo voto popular têm, muitas vezes, descontruído, não por golpe, mas por medidas paliativas e progressivas, tijolo por tijolo, os pilares da democracia, num momento que tem sido identificado como populismo autoritário”, afirmou. Esse movimento, acredita ele, atingiu até mesmo as democracias mais consolidadas, como o Reino Unido, com o Brexit (saída da União Europeia), e os Estados Unidos, com o uso das redes sociais para as campanhas de ódio e desinformação. Para o ministro, teorias conspiratórias são um fenômeno mundial.


“Governos populistas e autoritários são hostis aos valores constitucionais, porque defendem apenas os interesses das maiorias políticas. Mas o constitucionalismo e a democracia não são só para o governo da maioria. É necessário que sejam respeitadas as regras do jogo democrático e respeitados os direitos fundamentais. E quem assegura as regras do jogo e os direitos fundamentais são as cortes e os tribunais constitucionais”, frisou Barroso. Ele chamou a atenção para o fato de que, em algumas partes do mundo, os tribunais constitucionais têm sido capazes de oferecer a resistência necessária e adequada ao avanço do populismo autoritário.


O ministro reconheceu, porém, que vários líderes populistas autoritários, como na Hungria, têm tentado capturar as cortes constitucionais por meio de duas linhas de providências. A primeira, empacotando os tribunais superiores por meio da nomeação de juízes submissos. A segunda, reduzindo os poderes das cortes constitucionais para colocar os tribunais a serviço do governo e, dessa forma legitimá-lo. “No Brasil, até agora, temos tido uma história de sucesso na resistência democrática. O STF derrubou diversas normas que contrariavam a Constituição. Protegeu a liberdade de expressão, protegeu os conselhos da sociedade civil, os direitos dos povos indígenas, os direitos fundamentais e salvou milhares de vidas durante a pandemia.”

Oposição forte

Dadas as claras tentativas de destruição das instituições, Barroso assinalou que, às vezes, as Supremas Cortes salvam as democracias, às vezes, se tornam instrumentos das autocracias. “Quando uma Corte resiste? Quando há uma sociedade civil organizada, quando há partidos políticos de oposição fortes, quando há uma impressa livre. Por isso, tenho a convicção de que assim será no Brasil. Tribunais constitucionais que atuam em sintonia com a sociedade civil e com o apoio do Congresso, conseguem conter movimentos autoritários”, acrescentou.

X- Fórum Jurídico de Lisboa
X- Fórum Jurídico de Lisboa (foto: Vicente Nunes/CB)


Para o ministro, não há sistema de governo melhor do que a democracia. Ele lembrou que essa foi a ideologia vitoriosa do século 20, tendo derrotado todas as alternativas que se apresentaram: comunismo, nazismo, fascismo, regimes militares e fundamentalismos religiosos. “Democracia constitucional significa, em essência, soberania popular, eleições livres, governo da maioria, poder limitado, estado de direito e respeito aos direitos fundamentais. Portanto, este é o cenário como qual todos nós trabalhamos”, assinalou.


No entender de Barroso, no arranjo institucional das democracias, como regra, existe ou uma Suprema Corte ou um Tribunal Constitucional, cujo papel é arbitrar as tensões que, às vezes, surgem entre democracia e constitucionalismo: vontade da maioria de um lado e respeito ao Estado de direito e aos direitos fundamentais, de outro. Ele explicou que, em todos os países do mundo democrático, existe algum grau de tensão entre quem exerce o poder político majoritário e o tribunal constitucional, cujo papel é interpretar a constituição e limitar o poder.


“Entre quem exerce o poder político majoritário e quem tem o papel de limitar esse poder, sempre vai existir esse grau de tensão. Nas democracias, essa tensão é absorvida de maneira institucional e civilizada”, disse o ministro. Ele foi além: “O que o mundo vive hoje é um quadro identificado como recessão democrática, retrocesso democrático, constitucionalismo abusivo, legalismo autocrático, autoritarismo competitivo. Há muitos nomes para identificar esse momento atual, com exemplos que se multiplicam pelo mundo: Hungria, Polônia, Turquia, Rússia, Filipinas, Venezuela, Nicarágua, El Salvador”.

Ativismo jurídico

Barroso aproveitou o discurso para rebater críticas de que o Supremo Tribunal Federal faça ativismo judicial. “O ativismo é uma maneira pró-ativa e expansão de interpretar a Constituição. São raríssimos os casos de ativismo judicial no Brasil. O que existe no país é um certo protagonismo do poder Judiciário e do Supremo Tribunal Federal. Por uma razão singela: tudo no Brasil chega ao STF, e em algum momento, por alguma razão”. A primeira delas é o fato de o país ter uma constituição abrangente e detalhada, que cuida não apenas de matérias constitucionais, como separação e organização dos Poderes e definição dos direitos fundamentais, mas que trata, também, do sistema tributário, do sistema previdenciário, da intervenção do Estado no domínio econômico, da política ambiental, da proteção dos índios, da educação, da cultura, da saúde, da criança e do adolescente, da família.


Outra razão é o arranjo constitucional brasileiro, com um conjunto amplo de ações diretas, que permite que quase tudo seja levado imediatamente ao STF. O Brasil tem ainda um grande número de legitimados com direito de propositura de ações constitucionais: presidente da República, procurador-geral da República, Mesa da Câmara, Mesa do Senado, todos os governadores, assembleias legislativas, todos os partidos políticos com representação no Congresso, Ordem dos Advogados do Brasil, todas as entidades de classe e todas as confederações sindicais. “É preciso que os interesses no Brasil sejam muito chinfrins para que não tenha uma entidade que não queira levar matéria imediatamente ao Supremo”, disse.


Sendo assim, destacou Barroso, não é fácil no Brasil traçar a linha divisória entre o que seja direito e o que seja política. “A gente está sempre perdendo, porque tem uma quantidade relevante de interesses na sociedade que são contrariados, de modo que não dá para julgar a qualidade do Supremo em pesquisa de opinião pública. A gente está sempre desagradando algum lado. Todo mundo que é juiz está acostumado a desagradar uma das partes. Geralmente, a gente desagrada metade do país, que está polarizado”, afirmou. “As pessoas pensam que é ativismo, mas é a Constituição brasileira que manda, proteger mulheres, gays, índios, meio ambiente, saúde pública.”

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