Não estou nem nunca estive dentre aqueles que acreditam que “só se aprende na dor”. Nestes dias tão tensos — e intensos —, em que a cisão social e familiar atinge níveis inéditos de estupidez, o olhar atento e aguçado sobre o cotidiano e a percepção da fragilidade e fugacidade da vida, merece e precisa estar mais afiado do que nunca.
Ontem passei um dia maravilhoso no, digamos, interior de Minas, ao lado de uma família não menos maravilhosa. Gente verdadeiramente do bem, acolhedora e capaz de transformar as horas em segundos. Para melhorar, um pé de jabuticaba do tamanho e quantidade de um Mineirão lotado de atleticanos.
Ao voltar para Belzonte, ainda tocado pela satisfação da experiência, me deparei com o trânsito interrompido à Avenida Raja Gabaglia. Já era noite e chovia muito, mas, ainda assim, um grupo de manifestantes insistia em se manter alheio à vida real, focado exclusivamente em seu mundo egoísta e egocêntrico, esquecendo-se, inclusive, do feriado.
Peguei-me pensando no que perderam aquelas pessoas, que deixaram de curtir o dia de folga ao lado dos amigos, da família, lendo livros ou assistindo à alguma série, enfim, dedicando o tempo vago ao lazer, ao desfrute e não somente ao exercício do ódio. Sim. Ninguém ali está fazendo outra coisa, senão odiar.
Eles odeiam Lula, odeiam nordestinos, odeiam “comunistas” (termo que abrange tudo que não idolatre o extremismo bolsonarista), odeiam, talvez, a própria existência.
Por que raios passar um feriado sob frio e chuva, para clamar golpe de Estado? Não seria muito melhor namorar, brincar com os filhos, beber com os amigos… comer jabuticaba em Itabirito?
Hoje pela manhã, participei do programa Conversa de Redação, da Rádio Itatiaia de Belo Horizonte, e debatemos temas sensíveis e atuais, como racismo, preconceito e pobreza. Poxa, tanta coisa complexa e verdadeiramente ruim acontecendo, e muitos de nós, privilegiados que somos, imunes a tudo isso, deixando de agradecer, para agredir?
Uma rápida passada de olhos nos senhores e senhoras que pedem o fim da democracia brasileira, mostra que ali está a parcela mais favorecida da sociedade: brancos, classe média ou alta, heterossexuais, com a saúde em dia. Têm tudo para serem felizes e estarem curtindo a vida, mas não, remoem o inconformismo e destilam a violência.
Ao final do programa, já em minha segunda atividade profissional do dia, que é cuidar dos meus negócios, entre uma tarefa e outra, recebo com extrema surpresa e pesar, a notícia da morte repentina da ex-atleta da seleção feminina de vôlei, Isabel Salgado. Aos 62 anos de idade, a ícone do esporte brasileiro e mundial foi acometida por uma bactéria mortal.
Há dois dias, Isabel fora convidada a participar da equipe de transição do novo governo eleito. Estava bem, feliz, com a saúde em dia. Em menos de 48 horas, o que parecia ser uma “vida privilegiada”, chegou ao fim de forma brutal. Não houve médico (dos melhores), hospital (dos maiores) e medicamentos (dos mais eficazes) capazes de evitar o pior.
Iniciei este texto falando da minha crença sobre “não aprender na dor”. Posso parecer paradoxal, ou contraditório, mas não há como eu não relacionar tão triste fato aos movimentos sociais e políticos que temos experimentado nos últimos meses. Se a vida é frágil e breve — e ela é! —, por que não vivê-la de forma e maneira mais úteis?
Por que interromper uma festa, brigando por política e políticos? Por que romper relações afetivas em nome de crenças e desejos unilaterais? Por que deixar para amanhã a troca de afeto, ou a reconciliação, de hoje? Por que infernizar a vida de moradores, estudantes e trabalhadores do Gutierrez e região, se “uma bactéria” nos levará para o mesmo lugar?
Saiam daí, meus caros! Há uma vida para ser vivida. Meus sentimentos aos amigos e familiares de Isabel Salgado, a nossa grande e eterna Isabel, do vôlei. Que sua passagem possa servir de alerta para tanta gente, hoje, necessitada de luz (não a de cunho espiritual, mas a de cunho terreno mesmo, no sentido de sabedoria). Para mim, já serviu.
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