Novo governo

Lula se compromete a respeitar regras fiscais

Presidente eleito afirma ter humildade para ouvir os conselhos que foram dados por economistas — apoiadores da sua candidatura — por meio de carta aberta ao país. Eles alertaram para os riscos do descontrole das contas públicas

VICENTE NUNES Correspondente
postado em 19/11/2022 00:01 / atualizado em 19/11/2022 07:35
 (crédito: Carlos Costa / AFP)
(crédito: Carlos Costa / AFP)

Lisboa — Depois de partir para o confronto com o mercado financeiro, ao não se comprometer com a responsabilidade fiscal, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva baixou o tom, ontem, e prometeu fazer uma gestão responsável das contas públicas. Ele afirmou que, assim como nos dois mandatos em que comandou o país, seguirá a receita de zelo com o Orçamento. Portanto, acrescentou, não há razão para se ter medo.

"Aprendi com a minha mãe, que era analfabeta, que a gente só pode gastar o que a gente tem ou o que a gente ganha. Mas se a gente tiver de fazer uma dívida para construir um ativo novo, que faça com responsabilidade, para que o país volte a crescer", afirmou. "Então, vou cuidar do povo brasileiro com muito respeito, com muita autoridade. Quero dizer, em alto e bom som, que tenho um compromisso com o povo brasileiro, e vou cuidar desse povo como ninguém jamais cuidou", acrescentou.

O líder brasileiro também disse ter humildade suficiente para ouvir os conselhos de economistas como Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, seus eleitores, que o alertaram, em carta aberta ao país, sobre os riscos de se acabar com o teto de gastos e não se comprometer com nenhuma política fiscal. Para os economistas, o desequilíbrio das finanças públicas resulta em mais inflação e baixo crescimento, sendo os mais pobres, que Lula promete proteger, os principais prejudicados. Responsabilidade fiscal e responsabilidade social andam juntas, enfatizaram.

"Eu ainda não li a carta, mas fiquei feliz quando companheiros me ligaram dizendo que tinham lido uma carta de pessoas importantes, inclusive de ex-ministros, me alertando sobre problemas econômicos e me aconselhando. Sou um cara muito humilde. Gosto de conselho e, se for bom, vocês podem ter certeza de que eu sigo", destacou.

O temor de um descontrole fiscal no terceiro mandato de Lula — que começará em janeiro — aumentou diante da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, elaborada para retirar do teto de gastos os recursos destinados ao Bolsa Família e a outras despesas, em um total de cerca de R$ 200 bilhões.

Chateação

As incertezas fizeram com que os preços do dólar disparassem e a Bolsa de Valores de São Paulo desabasse. Segundo os economistas, a moeda norte-americana mais cara resulta em mais inflação e uma bolsa de valores desvalorizada dificulta o financiamento de empresas, fundamental para o crescimento econômico, a criação de emprego e a distribuição de renda.

"Vou contar apenas uma coisa: quando venci as eleições, em 2003, tinha uma inflação de 12%, desemprego de 12%, dívida interna de 70,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Ao terminar meu governo, a inflação estava em 4,5%, e a dívida, caído para 37,7% do PIB. O Brasil pagou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e fez reservas de US$ 370 bilhões", frisou.

Lula admitiu incômodo ao ver questionamentos sobre o que será a política fiscal em seu governo. "Fico meio chateado, mas tenho dito que ninguém tem autoridade para falar em política fiscal comigo, porque, durante todo o meu período de governo, o Brasil foi o único país do G20 — grupo que reúne as 19 economias mais ricas do planeta e a União Europeia — que fez superavit primário", assinalou.

"Portanto, não há nenhuma razão neste momento para essa flutuação da Bolsa. É importante que a gente apenas tome cuidado para não ser vítima da especulação. É importante que a gente saiba disso", destacou. "Vamos ter responsabilidade, mas sem atender tudo o que quer o sistema financeiro. Vou voltar a aumentar o salário mínimo todo ano, vou voltar a gerar emprego. Fui eleito para cuidar de 215 milhões de brasileiros e, sobretudo, das pessoas mais necessitadas."

Manifestações

As declarações de Lula foram dadas depois de um encontro com o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, no Palacete de São Bento, residência oficial do governante. Antes, o líder brasileiro havia conversado por uma hora e meia com o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, ao qual prometeu retomar as relações entre os dois países. Lula foi tratado com honras, mesmo sem ter assumido a Presidência do Brasil. O presidente Jair Bolsonaro nunca esteve em Portugal e fez uma série de desfeitas a Rebelo de Sousa.

O futuro chefe de Estado desembarcou em Lisboa no fim da manhã de ontem. Almoçou no Cícero Bistrô, restaurante de propriedade do ex-banqueiro Paulo Della Nora. Comeu camarão vermelho com robalo, molho de dendê, leite de coco e arroz com salsa. Além de parte de sua comitiva, que contava com a mulher dele, Rosângela Lula da Silva, a Janja, e o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, teve como companhia à mesa o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o economista José Roberto Afonso, um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Se na porta do restaurante Lula foi ovacionado, enfrentou protestos tanto na sua visita ao presidente português quanto no encontro com o primeiro-ministro. Apoiadores de Bolsonaro o chamavam de "ladrão" e diziam que ele não assumirá o mandato para o qual foi eleito. Um grupo de defensores do petista fazia o contraponto. Para evitar atos de violência, a polícia foi obrigada a reforçar a segurança. Houve momentos de tensão, logo contornados.

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  • O presidente eleito e a mulher dele, Janja, são recebidos no Palacete de São Bento pelo primeiro-ministro de Portugal, António Costa
    O presidente eleito e a mulher dele, Janja, são recebidos no Palacete de São Bento pelo primeiro-ministro de Portugal, António Costa Foto: Carlos Costa / AFP
  • Carlos Costa / AFP
    Carlos Costa / AFP Foto: Carlos Costa / AFP