Novo Governo

Futuro ministro das Relações Exteriores deve recuperar imagem da pasta

Diplomacia da futura gestão de Lula não poderá se restringir a restaurar a credibilidade do Brasil no cenário internacional. Além da retomada de protagonismo em algumas agendas, terá de buscar novos rumos comerciais

Rosana Hessel
postado em 19/12/2022 06:00
 (crédito: Fayez Nureldine/AFP)
(crédito: Fayez Nureldine/AFP)

O futuro ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, recebeu uma importante missão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT): reconstruir pontes e recolocar o Brasil no cenário internacional — e quebrar o legado da política externa do governo Bolsonaro. O futuro chanceler terá como missão, também, reestruturar o Itamaraty, reconstruir pontes com interlocutores e resgatar iniciativas dos governos do PT, "com perspectiva atualizada".

"Bolsonaro não deu atenção nenhuma a isso. E na época do Ernesto (Araújo), aparecia pela excentricidade e bizarrice das posições ideológicas, até a mudança de ministério. Depois, a política externa passou quase invisível. Com Lula, a diplomacia não é apenas um instrumento externo, mas também interno. Ele a usa com duplo sentido e sempre a utilizou para ganhar prestígio", salienta o professor, advogado, diplomata e ex-ministro Rubens Ricúpero, que ressalta a necessidade de aproximação com a Ásia, cujos países crescem em ritmo acelerado.

Ele cita Cingapura, Índia, Vietnã, Indonésia e Bangladesh como mercados emergentes e de interesse direto para o Brasil — além da China. No caso indonésio, Ricúpero prevê que ultrapasse a Rússia, e destaca Bangladesh — que "importa mais itens do Brasil do que os países nórdicos somados".

José Alfredo Graça Lima, diplomata aposentado e vice-presidente do Conselho Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), avalia que, com relação a alguns temas da agenda internacional — acesso a mercados, desarmamento, defesa do multilateralismo, integração regional —, a política externa do novo governo não será muito diferente da dos anteriores. "Quanto a outros temas, dependendo do que for ou deixar de ser feito domesticamente, como em temas de sustentabilidade macroeconômica, proteção do meio ambiente, processo de acessão à Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), liberalização do comércio, poderá ser diferente", observa.

"É prematuro especular sobre os rumos da política externa de um país como o Brasil, sobretudo em um mundo em que as principais economias estão mais voltadas para o atendimento de seus interesses nacionais do que para o fortalecimento da cooperação multilateral", frisa.

O especialista em relações internacionais Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados, alerta para o fato de o mundo estar cada vez mais instável. Dessa maneira, segundo ele, será preciso que o país adote uma nova abordagem tanto com os BRICS — bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — quanto com os Estados Unidos.

"Mas a pauta regional continua relevante, com necessidade de garantir a liderança do Brasil na América Latina. Isso traz de volta algumas idiossincrasias. Por exemplo: reatar relações mais próximas com Venezuela é polêmico internamente, mas pode ser estratégico para a relação com os Estados Unidos", destaca.

Parente lembra que Washington não tem um parceiro relevante para facilitar o diálogo com o presidente venezuelano Nicolás Maduro. "Acho que vai existir vontade para voltar a fortalecer um bloco mais amplo na América do Sul, mas algumas prioridades na agenda externa tendem a tomar tempo do novo ministro", afirma ele, não descartando a reaproximação do país com EUA, Europa e China.

Valorização

Para a maioria dos pouco mais de três mil servidores do Ministério das Relações Exteriores (MRE), a expectativa é positiva com a troca de governo. Como prova da perspectiva otimista que se enxerga no Palácio do Itamaraty, são citadas nos bastidores histórias de desprezo pela diplomacia protagonizadas por vários personagens do primeiro escalão do governo Bolsonaro.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um dos mais citados como exemplo de alguém que obrigou o corpo diplomático a atuar como bombeiro para evitar crises por causa de declarações grosseiras — como a de setembro de 2019, ao dizer que Brigitte, mulher do presidente da França, Emmanuel Macron, "é feia mesmo". Ou as palavras que usou para classificar a China, na reunião ministerial de 2020 — evento no qual, em vários momentos, Guedes recorreu a palavrões para defender suas posições. "Os chineses, infelizmente, sabem dos impropérios de Guedes sobre a China", recorda Ricúpero.

Também são lembrados os atritos provocados pelo próprio responsável pelas relações exteriores brasileiras, o ex-ministro Ernesto Araújo, que fez várias acusações à China. Chegou a dizer que o governo de Pequim estava tentando comprar o Brasil e não "do Brasil". Ou quando disse que o novo coronvírus fazia parte de um plano internacional de dominação promovido pelos chineses.

Ainda em relação à covid-19, o ex-chanceler se omitiu em relação a um tuíte do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que acusou a China de desenvolver o novo coronavírus em laboratório e de esconder da comunidade mundial que perdera o controle sobre o agente que criara. desenvolvera.

Pessoal de menos no MRE

A troca de governo é vista com otimismo pelos servidores da área diplomática. Para o presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty), João Marcelo Melo, a partir da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva pode se esperar não apenas a reconstrução da imagem do país junto à comunidade internacional, mas as revitalização do corpo da diplomacia brasileira.

Segundo João Marcelo, há um deficit de 961 servidores no quadro atual do Ministério das Relações Exteriores (MRE) para conseguir implementar a abertura das novas embaixadas e consulados prometidas por Lula. Desses cargos não ocupados, 214 são de oficiais de chancelaria (ofchan) e 747 de auxiliares.

Apesar de o quadro de diplomatas no Itamaraty ter renovação anual garantida, as demais carreiras estão sem concurso desde 2008, para ofchan, e 2015, para auxiliares. Na administração federal, há mais de 240 mil cargos públicos desocupados, de um total de 730 mil vagas aprovadas por lei, de acordo com o Sinditamaraty.

"Nos últimos 10 anos, houve uma redução de 3,5 mil para pouco mais de 3 mil servidores, entre aposentadorias e pessoal que morreu ou deixou a carreira rumo à iniciativa privada. É um número muito baixo para os 200 postos de representação fora do país", destaca João Marcelo.

O presidente do Sinditamaraty ressalta, ainda, que falta regulamentar 893 vagas de ofchan, algo que está previsto desde 2012. "Há 10 anos estamos esperando a regulamentação, o que trava, inclusive, as promoções", lamenta.

Conforme o último levantamento do MRE, realizado em 2021, o total de servidores da pasta era de 3.043 trabalhadores ativos, sendo 1.537 diplomatas, 801 ofchans, 428 assistentes de chancelaria e 277 integrantes de categorias funcionais do ministério. Desse total, 57,2% estavam, na época, no exterior.

"Esses números poderiam mais do que dobrar se houvesse autorização para mais concurso. Mas as remunerações, devido à falta de reajustes, estão entre as mais baixas entre as carreiras típicas de Estado", destaca o presidente do Sinditamaraty (RH).

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