Entrevista

"Não tenho motivos para votar com o governo", diz Arthur Maia (União-BA)

Parlamentar do União Brasil diz que nem ele nem a bancada foram consultados para a definição das indicações ministeriais da sigla e sai em defesa de Juscelino Filho

Kelly Hekally - Especial para o Correio
postado em 09/03/2023 03:40
"É preciso que o presidente (Lula) diga aos seus amigos que quem se elegeu presidente foi ele e que as decisões cabem a ele", diz deputado - (crédito: Billy Boss/Câmara dos Deputados)

Deputado federal em quarto mandato, Arthur Maia (BA) está se despedindo da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara. O parlamentar integra o União Brasil, partido que vem provocando dores de cabeça no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas últimas semanas.

Embora faça parte do núcleo de poder decisório entre parlamentares, Maia é um dos que afirmam que eles não foram consultados para se chegar a um consenso sobre as indicações ministeriais da legenda.

Ao Correio, o deputado comenta o episódio, tece elogios e críticas a Lula, defende a retomada das comissões mistas e sai em defesa do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA) diante de falas de petistas.

O União tem como integrantes do governo, também, o ministro da Integração Nacional, Walder Góes (PDT), e a ministra do Turismo (Daniela do Waguinho).

Há um racha claro no seu partido após as indicações ministeriais. Como se chega a um equilíbrio?

Temos dentro do partido uma disputa como acontece em qualquer outro. No nosso caso, é uma divisão ainda mais clara porque as pessoas costumam fazer a separação dos deputados que vieram do DEM e do PSL, trazidos pelo Luciano (Bivar) e pelo ACM (Neto). A tendência natural é que isso acabe. Tenho uma ótima relação com o presidente Bivar. Não ouviram as bases para as indicações ministeriais. Eu, que sou deputado federal, que tenho um papel bastante longo dentro do partido e da Câmara, tomei conhecimento das indicações pelos jornais. Ninguém me consultou.

Qual é o peso do senador Davi Alcolumbre nessas escolhas?

De fato, as escolhas dos ministros não foram tratadas democraticamente. Agora, até que ponto o ex-presidente do Congresso e senador Davi Alcolumbre teve importância, francamente não sei. Não tenho conversado com o senador. Mas obviamente que as votações que vão acontecer daqui para frente vão dizer se os ministérios entregues ao partido vão render votos, ou não. Isso é uma discussão que vamos ver quando começarem as votações no plenário da Câmara.

Mas três ministérios não estão de bom tamanho?

Para mim, podia não ter nenhum, dois, três. O que estou dizendo é que não participei dessa discussão. Não tenho vinculação com o que está sendo tratado nos ministérios. O que me interessaria levar de benefício dos ministérios para o meu estado? Não conheço a pessoa do ministro da Integração Nacional e não vejo o que um ministério como os das Comunicações possa contribuir para o partido. O do Turismo assumiu uma ministra muito na base, mas eu, momento algum, fui chamado para tratar de qualquer tipo de participação que eventualmente o ministério possa ter para o meu estado. Não se trata quantidade e, sim, da forma como o diálogo foi feito e da qualidade dos ministérios. Não tenho motivos para votar com o governo pelos ministérios. Nem a favor, nem contra. Simplesmente estive alheio a toda e qualquer discussão a respeito de ministérios, e o mesmo acredito que vale para toda bancada do União Brasil.

Então, a conta é o que os mandatos vão ganhar?

A discussão é sobre o que cada ministério tem para auxiliar nos respectivos estados. Se um ministro está fazendo um bom trabalho em uma pasta, vou aplaudir. Agora, apoio partidário pressupõe uma aliança política, que quer dizer que você vai opinar sobre políticas públicas que o ministério está executando e, obviamente, ajudar o mandato com aquilo. E isso não existe nos três ministérios.

Ainda dá para aparar essas arestas?

Foi muito açodada a discussão dos ministérios e, por isso, tem existido tanta divergência. Não estou dizendo que não há possibilidade de avanço. Se os ministros estiverem dispostos a diálogos com os membros, é possível que exista um avanço, mas neste momento não existe.

O senhor votou em Bolsonaro, mas é de um estado em que Lula venceu. Está disposto a mudar de lado?

Lula ganhou a eleição mais do que o PT e a esquerda. Se formos olhar nas outras esferas federativas, vamos constatar que a esquerda perdeu a eleição para governos em vários estados. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul. O único estado importante do ponto de vista econômico foi a Bahia. Na Câmara, houve uma grande derrota da esquerda, com pouquíssimos deputados eleitos, e no Senado também foi do mesmo jeito. Sem dúvida, o presidente é a figura mais importante da vida pública dos últimos 20 anos. Lula sempre se mostra um homem conciliador. Mas não adianta o presidente tentar impor uma agenda que seja oposta a uma agenda que a sociedade deseja. Se o presidente de fato for abraçar o aumento do PIB e da recuperação da economia; aprovar a reforma tributária; fazer uma reforma agrária dentro da lei, impedindo invasões de terra; ajudar a expandir o agronegócio; revitalizar a indústria, ele vai se dar muito bem e pode contar comigo. A campanha foi decidida no carisma de Lula e nas bobagens dos amigos de Bolsonaro.

O presidente enviou 11 medidas provisórias ao Congresso em três meses. O senhor acha que Lula vai governar por MP?

Acho que essa é uma resposta que tem de partir dele. Acho que há MPs importantes aqui, como a do Bolsa Família, mas a do Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, deveria chegar ao Congresso por meio de um projeto de lei, para termos mais tempo de discutir, fazer um debate mais amplo. Mas espero que o presidente trate as coisas dentro de um viés mais democrático e permitindo uma discussão maior.

Lira está travando a retomada das comissões de MPs. O senhor acha que vai se estender muito esse entrave?

Foi baixada uma norma para retomar as comissões mistas de MP e existe uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) pela obrigatoriedade das comissões mistas. O presidente Lira pode até atrasar, mas ele não tem, de maneira alguma, como impedir que as MPs sejam avaliadas por uma comissão.

Acredita que o ministro Juscelino Filho é culpado?

Não me debrucei sobre as denúncias contra o ministro. Só acho que a reação de alguns membros do PT prejulgando, colocando inclusive o presidente na parede, foi muito ruim. É preciso que o presidente diga aos seus amigos que quem se elegeu presidente foi ele e que as decisões cabem a ele. Não é bom que ele tenha um ministro e que pessoas ligadas a ele e ao partido dele coloquem esse ministro como uma pessoa incorreta.

Muitos deputados falam bem de Lira, mas deve haver críticas. Qual a do senhor?

A crítica que eu faço é a manutenção das votações e sessões virtuais. Acho que é preciso que a gente acabe com isso. A única justificativa que existia era a pandemia. Esse cuidado acabou. Não tem motivo para insistir em um modelo que não traz benefício para o debate, que reduz a possibilidade de diálogo diante de temas importantes. As sessões virtuais geram a beligerância. É muito mais fácil que as pessoas tenham um respeito recíproco um diante do outro. As votações virtuais têm sido utilizadas como instrumentos para enfraquecer votações importantes. Atrapalha muito a qualidade do debate.

O senhor ficou na presidência da CCJ num momento em que havia poucas reuniões. Qual o saldo da sua presidência na comissão?

Nós somos um órgão plural. Então, não podemos, seja na CCJ, seja no plenário, excluir as pautas do adversário. Quando cheguei na CCJ, havia um clima de muito acirramento político, com dificuldade até de votar a ata da reunião anterior. Conseguimos partilhar o poder e com isso fortalecer a presidência. A primeira coisa que fiz quando cheguei na comissão foi abrir mão de fazer a pauta, que a prerrogativa mais importante que o presidente tem. Chamei todos os partidos e falei que não ia ficar colocando somente pauta de A, B e C. Organizamos de uma maneira que todos fossem contemplados. É importante que sejam votados os projetos de todos os deputados. Isso criou uma pauta extremamente plural. Essa relação coletiva traz um benefício muito grande para a política e quem ganha com isso é o país. Pautamos 759 itens. Um total de 677 foram apreciados e houve quase mil relatorias. Espero que a gente consiga preservar sob a presidência do deputado Rui Falcão (PT), ao que tudo indica será ele, que é um deputado equilibrado e sobretudo um democrata. Com certeza, vamos manter essa produção plural da CCJ.

E o que é ser um democrata?

Ser um democrata pressupõe elementos que são concretos, objetivos. Não dá para falar em democracia sem o respeito às leis. Se você começa a dar pernada no Regimento Interno. Assim, certamente, não teremos condição de manter essa relação democrática. Estou dando entrada hoje em um projeto de resolução que tenta resolver isso sobre apensamento de PECs (Propostas de Emenda Constitucional), que tem um rito próprio, diferente das leis ordinárias. Uma PEC muda a Constituição do país. Ultimamente, começou a se fazer apensamento de PEC, que é uma baderna. Toda PEC tem que passar primeiro pela admissibilidade da CCJ. Ela sendo aprovada, vai para uma comissão especial. Criou-se por arte do absurdo um expediente que pode se criar uma PEC que foi apensada posteriormente e ainda não passou pela CCJ e puxa para cima. Foi o que aconteceu com várias matérias. Isso precisa ser regulamentado.

Essas ações ocorreram sob a presidência do presidente Arthur Lira (PP-AL). Como desfazer alguns processos com um Lira forte e habilidoso dentro da casa?

Não há dúvidas de que o presidente Lira tem muito prestígio na Casa. Pessoalmente, gosto imensamente dele, mas isso não tem nada a ver com os pensamentos sobre os pontos de vista que tenho e que ele tem. Tenho me colocado e vou me colocar fortemente contra essas votações e sessões virtuais. Isso não é Parlamento, onde as coisas se resolvem presencialmente. Não vamos de maneira nenhuma tentar esconder que o que tem acontecido com as votações remotas e sessões virtuais, que têm desqualificado o nível das discussões na Casa.

O senhor acredita que o 8 de janeiro tenha sido fruto de um Congresso de quatro anos beligerante, inclusive verbalmente?

Acho que sim. Não há dúvida. Acho mais que isso. Não estou dizendo que o que aconteceu foi orquestrado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, mas que foi uma tentativa de golpe contra as instituições democráticas foi. É difícil até hoje entender a dinâmica do que aconteceu. Não vamos perder tempo olhando para o passado. Acho que temos que fazer uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) aqui. Até hoje, há muitos mistérios que não foram esclarecidos.

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