Investigação

PF abre apuração sobre uso de programa da Abin para monitorar e localizar pessoas

Adquirido pelo governo de Michel Temer em 2018, por R$ 5,7 milhões (sem licitação), o programa espião foi usado até 2021, sem nenhuma autorização judicial ou controle externo

Vinicius Doria
postado em 17/03/2023 03:50 / atualizado em 17/03/2023 11:43
Para Renan, a atividade dos espiões do governo, apelidados de
Para Renan, a atividade dos espiões do governo, apelidados de "arapongas", é de "semiclandestinidade, quase secreta, na acepção de inexistência, o que nos torna vulneráveis" - (crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

A Polícia Federal abriu, na quinta-feira (16/3), a pedido do ministro da Justiça, Flávio Dino, uma investigação sobre o uso de um programa secreto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que permite localizar e monitorar pessoas em todo o país a partir de telefones celulares. Chamado de “First Mile”, o programa consegue identificar a localização de aparelhos e monitorar até 10 mil pessoas por ano.

Adquirido pelo governo de Michel Temer em 2018, por R$ 5,7 milhões (sem licitação), o programa espião foi usado até 2021, sem nenhuma autorização judicial ou controle externo. Com a investigação, a PF espera identificar os responsáveis pelo monitoramento, quem foi investigado e por quais motivos. “Os fatos, da forma como se apresentam, podem configurar crimes contra a administração pública e de associação criminosa tipificados no Código Penal”, justificou Dino.

A Controladoria-Geral da União (CGU) também vai entrar no caso, por envolver servidores públicos em atos que podem acarretar sanções disciplinares. Já no Tribunal de Contas da União (TCU), a pedido do subprocurador-geral do Ministério Público junto à Corte, Lucas Furtado, será aberta uma investigação sobre “flagrante desvio de finalidade” do uso de dinheiro público na aquisição do programa, que pode ter sido usado para, “supostamente, atender interesses privados”.

O programa espião foi desenvolvido pela empresa Cognyte, de Israel, que — de acordo com O Globo, que revelou o caso — teria como representante Caio Cruz, filho do ex-ministro de Bolsonaro Carlos Santos Cruz.

Reestruturação

Pelo Poder Legislativo, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado aprovou, ontem, pedido de informações do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ao ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, e do diretor adjunto da Abin, Alessandro Moretti, sobre o uso do programa espião. “Na prática, qualquer celular no Brasil poderia ser monitorado sem justificativa oficial”, argumentou o parlamentar.

Na sessão dessa quinta-feira da CRE, o presidente do colegiado, senador Renan Calheiros (MDB-AL), disse que o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), que envolve 48 órgãos civis e militares e tem a Abin como principal elo, passará por uma reestruturação, a ser proposta por meio de projeto de lei. O objetivo é dar segurança jurídica ao trabalho dos agentes que coletam informações para subsidiar decisões do presidente da República e aprimorar os instrumentos de controle da atividade.

A CRE tem entre suas atribuições acompanhar e fiscalizar as atividades dos órgãos de inteligência e, após sabatina, aprovar ou não o nome indicado pelo governo para o comando da Abin. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou para a chefia da agência o delegado aposentado da Polícia Federal Luiz Fernando Corrêa, que aguarda a data da sabatina na comissão para assumir o posto.

Semiclandestinos

Para Calheiros, a atividade dos espiões do governo, apelidados de “arapongas”, é de “semiclandestinidade, quase secreta, na acepção de inexistência, o que nos torna vulneráveis”. Ele cita os atos golpistas de 8 de janeiro como exemplo da ineficiência dos serviços de espionagem.

“Por qual razão a conspiração não foi atalhada, onde estavam os informantes, a quem compete coordenar e centralizar o trabalho de inteligência e orientar corretamente o presidente da República? Quem falhou? Foi um erro coletivo ou individual? Essas e outras inquietações ainda não foram suficientemente esclarecidas, mas expôs falhas indisfarçáveis na vigilância e uma vulnerabilidade não camuflável”, enfatizou Calheiros. “Não há como esconder a falta de integração entre os agentes da inteligência, as contradições legais, a incipiência e a escassez de recursos.”

Ele assegurou que a sabatina de Luiz Fernando Corrêa é uma das prioridades da comissão neste início dos trabalhos. Os membros da CRE querem ouvir a opinião do indicado sobre os planos de reestruturação do Sisbin.

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