Atos antidemocráticos

CPMI colhe depoimentos para a reconstrução da linha do tempo do 8 de janeiro

Um ex-comandante da PMDF e um coronel do Exército, que pediu habeas corpus ao Supremo, prestam, nesta semana, depoimento à CPMI no Congresso. A relatora quer refazer a linha do tempo que culminou nos ataques aos Três Poderes

Taísa Medeiros
postado em 26/06/2023 03:55 / atualizado em 26/06/2023 08:22
 (crédito: Reprodução/Exército Brasileiro)
(crédito: Reprodução/Exército Brasileiro)

A semana que se inicia traz depoimentos relevantes para a reconstrução da linha do tempo dos fatos envolvendo o 8 de janeiro — estratégia adotada pela relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), senadora Eliziane Gama (PSD-MA). O colegiado ouvirá, amanhã, na condição de testemunha, o coronel do Exército Jean Lawand Júnior. O militar trocou mensagens com o coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República, nas quais defendia uma intervenção militar após Jair Bolsonaro sair derrotado das eleições de 2022.

A defesa do coronel pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF), na última sexta-feira, para que ele tenha o direito de ser ouvido como investigado na CPMI. Dessa forma, poderia permanecer em silêncio. "É possível que ocorram situações constrangedoras durante a oitiva do cel. Lawand, como testemunha, e que possam comprometer seu direito ao silêncio e à não incriminação. Caso venha a se confirmar a referida postura por algum membro da CPMI quando do depoimento do paciente, haverá nítido constrangimento ilegal, o que se busca desde já evitar por meio desta ação preventiva", justificaram os advogados. O STF ainda não se pronunciou.

O presidente do colegiado, deputado federal Arthur Maia (União-BA), defendeu que a Corte rejeite o pedido do ex-ajudante de ordens. A CPMI foi acionada pela ministra Cármen Lúcia, que pediu esclarecimentos sobre em qual condição Cid foi convocado. A Mesa, por meio da Advocacia do Senado, confirmou que ele irá como investigado.

"Informamos que o depoente comparecerá como investigado, referente aos fatos em que exista acusação contra ele, e como testemunha nos demais", escreveu Arthur Maia, em suas redes sociais. A resposta será levada em conta para aceitação ou não do pedido de Mauro Cid. Convocados como investigados têm o direito de não produzir provas contra si mesmos. Testemunhas, por sua vez, são obrigadas a comparecer e a responder aos questionamentos.

Em mensagens divulgadas pela imprensa, e depois tornadas públicas pela Justiça, Lawand e Cid conversam por aplicativo de mensagem sobre a possibilidade de o ex-presidente Jair Bolsonaro decretar uma ação militar contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Lawand pede que Cid convença Bolsonaro a "dar a ordem". Mauro Cid está preso.

Eliziane Gama entende que as conversas se relacionam com fatos preparatórios para os eventos de 8 de janeiro e merecem atenção especial da investigação.

Hoje, a CPMI vai ouvir o coronel da Polícia Militar do DF Jorge Eduardo Naime na condição de testemunha. O PM era o comandante do Departamento de Operações da corporação em 8 de janeiro. Naime está preso no Complexo Penitenciário da Papuda, condenado na Operação Lesa Pátria, da Polícia Federal (PF), que investiga os atos antidemocráticos. Na CPI da Câmara Legislativa do DF, ele acusou o Exército de dar proteção aos golpistas (leia abaixo).

Últimas oitivas

A CPMI colecionou, na semana passada, oitivas importantes, como a dos peritos da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) a respeito da tentativa de atentado à bomba nas proximidades do Aeroporto de Brasília e a do empresário condenado pelo caso, George Washington de Oliveira. Também prestou depoimento o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques sobre as operações da corporação que obstruíram rodovias no segundo turno das eleições de 2022.

A "disputa de narrativas" — expressão constantemente trazida nas falas dos parlamentares — também ganhou palco na CPMI. Sucessivos bate-bocas marcaram a semana que passou. No primeiro depoimento da CPMI, na última terça-feira, Bolsonaro — que, segundo governistas, está implicado nos atos antidemocráticos — seguiu blindado. O ex-diretor da PRF desvinculou o ex-presidente de qualquer relação com as operações da corporação às vésperas do pleito. Os bloqueios ocorreram, sobretudo, na Região Nordeste, que concentra a maior parte dos eleitores do então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva.

Vasques caracterizou como "fantasiosa" a acusação de que houve um conluio dentro da instituição para atrapalhar o andamento das votações. "Na PRF ou em qualquer órgão federal, vocês podem ter certeza de que ninguém consegue fazer uma trama dessa sem juntarem provas. Isso não existiu. É fantasiosa", disse.

Atentado

Sobre sua relação com Bolsonaro, Vasques definiu como "muito profissional". "Eu nunca fui numa festa do presidente Jair Bolsonaro, nunca fui padrinho, nunca votei nele, até porque meu título é de outro município. O que temos é relação profissional", declarou o ex-diretor que, nas eleições, defendeu o voto pela reeleição de Bolsonaro em suas redes sociais.

Já o empresário George Washington de Oliveira, condenado por tentativa de atentado à bomba no Aeroporto de Brasília, negou ter colocado o artefato explosivo próximo a um caminhão-tanque, no acesso ao terminal. Oliveira, que é réu confesso no caso, permaneceu em silêncio em várias perguntas.

"Eu trabalho há 37 anos na área. Jamais colocaria um artefato explosivo em cima de um caminhão", assegurou o empresário. "Ou, como alegaram, o caminhão tanque entrar no aeroporto e explodir ao lado de um avião. Ele não encostaria perto de um avião. Ele iria descarregar perto de um aeroporto, e dali outros caminhões menores abasteceriam o avião", explicou. À Polícia Federal, em depoimento prestado em 25 de dezembro, o empresário confessou que o plano para a explosão nos arredores do Aeroporto de Brasília foi arquitetado no acampamento montado em frente ao QG do Exército e que a ideia inicial era explodir o artefato na subestação de energia de Taguatinga.

Oposição

A guerra entre base e oposição também ganhou palco na CPMI. Na última quinta-feira, o deputado Abílio Brunini (PL-MT), após interromper sucessivamente a sessão, levou uma bronca do presidente Arthur Maia. Em uma das interrupções, Brunini pedia a quebra de sigilo do laudo trazido pelos policiais. Maia rebateu: "Como não membro, não tem direito de ver laudo enquanto estiver sob sigilo. No caso, ainda está sob sigilo até que esta Presidência tome uma decisão diferente", disse. Brunini voltou a interromper o andar da reunião. Diante do comportamento do deputado, o presidente do colegiado ameaçou: "Vou fazer uma representação no Conselho de Ética. O senhor não vai tumultuar essa comissão".

Na reunião anterior, na terça-feira, o deputado Éder Mauro (PL-PA) discutiu com Liziane Gama. O parlamentar se revoltou com as perguntas feitas por ela a Vasques. "Está induzindo a testemunha", criticou. A oposição endossou o argumento do deputado e começou uma discussão generalizada. A relatora revidou, mandando o deputado calar a boca após ser interrompida seguidamente. "O senhor não vai cercear a minha voz", disse ela, em tom grave.

 


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