Segurança Pública

América busca cooperação contra o crime organizado e comércio ilegal

Escola de Segurança Multidimensional da USP qualifica policiais e pesquisadores para estabelecer uma rede de cooperação entre os países da América Latina no combate ao crime organizado transnacional e ao comércio ilegal de produtos

Professor Leandro Piquet Carneiro, da USP, coordenador da Escola de Segurança Multidimensional da USP -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Professor Leandro Piquet Carneiro, da USP, coordenador da Escola de Segurança Multidimensional da USP - (crédito: Arquivo Pessoal)
Vinicius Doria
postado em 23/08/2023 17:04 / atualizado em 24/08/2023 12:37

O Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) abriu, nesta quarta-feira (23/8), a segunda fase de um programa que capacitou, em dois anos, cerca de 5 mil agentes de segurança de países da Tríplice Fronteira — Brasil, Argentina e Paraguai. A meta, agora, é expandir essa integração para todos os países da América Latina e atingir 40 mil pessoas, entre policiais, professores e pesquisadores do fenômeno da criminalidade transnacional.

A Escola de Segurança Multidimensional (Esem) é fruto de um programa de cooperação entre a academia, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Organização dos Estados Americanos (OEA), ampliado agora com parcerias com a Comunidade de Polícia das Américas (Ameripol) e a Agência da União Europeia para Cooperação em Justiça Criminal (Eurojust).

Na segunda etapa do programa, além do curso sobre mercados ilícitos e crime organizado nas Américas, será criada na USP a cátedra Oswaldo Aranha, dedicada ao tema. A universidade também coordenará a organização de uma biblioteca digital especializada e o Atlas do Sistema de Justiça Criminal das Américas, que vai reunir toda a legislação penal dos países do Continente sobre o tema, para que possa ser consultada gratuitamente por qualquer organismo de segurança.

 

 

Para o coordenador da Esem, professor Leandro Piquet Carneiro, o enfrentamento ao crime organizado internacional envolve a construção de redes de cooperação entre ministérios públicos, polícias e Forças Armadas. “A nossa meta é atrair profissionais que estão na ponta, os policiais, os agentes de segurança e militares, identificar quais são os problemas, as ameaças e os desafios, e pensar nas respostas do ponto de vista dos Estados nacionais envolvidos nessa região”, explicou.

 

O peso da experiência

 

“Existe o valor da pesquisa acadêmica e há o valor do conhecimento produzido nas instituições policiais, militares, do Ministério Público. A universidade só ajuda a organizar essas informações”, disse Piquet Carneiro. “Por exemplo, temos uma parceria para tratar do tema dos insumos agrícolas ilegais. Qual é o professor da USP que sabe sobre insumos agrícolas ilegais? Nenhum. Conseguimos colegas da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP) que entendem de uso de defensivos, mas não sabem nada sobre contrabando, falsificação. Quem sabe é o fiscal, o policial que fez a investigação, o promotor. Mas o professor pode mostrar como se falsifica um produto agrícola.”

O tema foi atualizado pela OEA para incorporar novas abordagens sobre defesa e segurança nacional, que eram tratadas, basicamente, “por militares que falavam sobre ameaças externas”. O repertório inclui questões como segurança humana, saúde, meio ambiente, desastres naturais, ameaças contra o funcionamento da estrutura do Estado e crimes cibernéticos.

“No conceito de segurança multidimensional, todos esses componentes têm peso na condução das ameaças que afetam a segurança dos Estados e da sociedade”, explicou o professor. “Mergulhamos nos acordos, na base legal que os países dispõem para cooperar na região e em operações - na lógica da operação conjunta, da cooperação.”

O objetivo é dar subsídios a políticas públicas de segurança, justiça e defesa mais sustentáveis e eficazes. Está em desenvolvimento uma plataforma digital que permitirá a um servidor fazer uma requisição de provas, uma diligência qualquer ou uma extradição a outro país, e saber como é a legislação daquele país em relação à nossa. “Na Europa, isso é feito de forma automática”, exemplifica Piquet Carneiro, citando um modelo que defende que seja implementado na América Latina, com a ajuda, inclusive, da inteligência artificial.

 

Visões diferentes

 

A cultura da cooperação já está bem avançada entre os países da Tríplice Fronteira, que organizam periodicamente operações conjuntas contra o tráfico de drogas, o contrabando e o roubo de veículos. Mas, segundo o pesquisador, enfrenta dificuldades com outros parceiros, como a Colômbia, que tem uma política de segurança pública bem diferente da dos vizinhos.

“Temos boas relações com todos (os vizinhos), mas temos diferenças doutrinárias fortes com a Colômbia. Os tratados de cooperação da Colômbia com os Estados Unidos atrapalham um pouco o avanço da cooperação com aquele país, que permite extradição de nacionais, que recebe financiamento norte-americano para a guerra contra o tráfico, recebe assessores internacionais. Nada disso faz parte da nossa doutrina militar e de segurança pública”, esclarece o acadêmico. “O Brasil acredita na cooperação horizontal Sul-Sul e, no caso da Colômbia, isso é um obstáculo, por causa da relação que tem com os Estados Unidos.”

O Atlas do Sistema de Justiça Criminal das Américas, que a USP começou a organizar, nos moldes do Atlas do Mercosul, fruto da primeira fase do curso, será transferido gratuitamente para a Ameripol, como doação, para consulta de todos os países. “A ideia é criar uma rede de usuários para melhorar o processo de petição de extradições, provas, documentos, tudo o que apoia as investigações.”

 

México e Panamá

 

A expansão do programa para toda a América Latina traz para o debate continental o papel de dois países que têm posição de destaque no mapa do crime organizado: o México, que enfrenta uma guerra contra os cartéis de drogas e quadrilhas de tráfico de pessoas, e o Panamá, paraíso fiscal da América Central que serve de abrigo para recursos de origem duvidosa. Com 9,4 mil alunos de 22 países já matriculados no curso, nove são panamenhos. Para o professor Piquet Carneiro, “o Panamá é um grande hub problemático do ponto de vista de contrabando e chegada de produtos falsificados, que opera em escala global por conta de seu sistema financeiro mais estruturado, um grande porto de lavagem de dinheiro”. Do México, são dez alunos matriculados e dois professores convidados para dar palestras.

“Finalmente, caiu a ficha da USP e de outras universidades brasileiras de que os nossos parceiros são os países das Américas e da África. São esses os países que têm interesse no que a gente faz”, conclui o acadêmico. O curso “Mercados ilícitos e crime organizado” foi aberto nesta quarta-feira (23/8), de forma presencial e on-line, no campus da universidade, em São Paulo, com palestra do presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e ex-ministro Raul Jungmann. Ele falou sobre crimes ambientais na Floresta Amazônica — em especial, sobre garimpo e comércio ilegais de ouro. A meta do programa é qualificar e certificar 8 mil alunos até o fim de 2024.

 

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