ANÁLISE

Alexandre Garcia: 'Recria-se a possibilidade de conflito fundiário'

A Frente da Agropecuária decidiu derrubar os vetos do Presidente ao Projeto de Lei que regulamenta o marco temporal e trata de terras indígenas

Alexandre Garcia - A Frente da Agropecuária decidiu derrubar os vetos do Presidente ao Projeto de Lei que regulamenta o marco temporal e trata de terras indígenas, A Frente tem votos para isso, mas o Supremo pode derrubar a derrubada do veto. O presidente da República vetou a essência do projeto-de-lei aprovado pela Câmara e pelo Senado. O projeto reage à decisão do Supremo que considera inconstitucional parte do artigo 321 da Constituição. Os constituintes, eleitos pelo povo para fazer uma Constituição, trabalharam 20 meses e estabeleceram que "são reconhecidos aos índios…os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam". Como aprendemos no ensino básico, ocupam está no presente do indicativo, portanto, são as terras que ocupam no dia da promulgação da Constituição. Se quisessem diferente, os constituintes escreveriam "que tenham ocupado" ou "que vierem a ocupar". Chamou-se aquela data —5/10/1988 — de marco temporal. 

A intenção dos constituintes era de decidir conflitos de terra com base na situação naquela data, estabelecendo-se uma segurança jurídica e sua consequente paz no campo. Essa intenção foi derrubada pelo Supremo e reerguida pelo projeto de lei que foi vetado pelo presidente. O efeito agora é o oposto do pretendido pelos constituintes de 1988: insegurança fundiária e risco de conflitos por todo o país. Não aprendemos com o passado. Domingo fez 111 anos que começou a Guerra do Contestado, em Santa Catarina e Paraná. 8 mil brasileiros mortos. Causa: insegurança fundiária. Senadores, perguntem ao seu colega Esperidião Amin o que aconteceu por lá.

Para derrubar veto, é preciso maioria absoluta, isto é, metade mais um da Câmara (257 votos) e do Senado (41 votos). A Frente da Agropecuária conta com 303 deputados e 51 senadores, mas os perdedores podem recorrer ao Supremo. Em 2015, Dilma vetou a lei do comprovante impresso do voto, mas 368 deputados e 56 senadores — 71% do Congresso — derrubaram o veto. No entanto, numa ação de inconstitucionalidade movida pela Procuradoria da República, o Supremo derrubou a decisão do Congresso reafirmada por 424 dos 594 congressistas. A Constituição põe o Legislativo em primeiro lugar, coerente com o fato de que o poder emana do povo, que o exerce por seus representantes. Agora o Congresso tem, de novo, votos para derrubar o veto. Mas já vimos o poder que emana do povo sendo anulado pelo Supremo.

Insegurança fundiária é insegurança social. A questão é delicadíssima. Sempre foi motivo de conflito. A Constituição estabeleceu a pacificação com um marco. Que eliminaria os motivos para agitação no campo. Agora, como se não bastassem os conflitos que agitam a Amazônia e o Rio de Janeiro, recria-se a possibilidade de conflito fundiário, num país com terra abundante para todos. A racionalidade, a percepção do país real, deveriam se sobrepor às meações ideológicas. A irracionalidade aposta no conflito.

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