Ditadura

Livro mostra como o coronel Ustra foi condenado por tortura

O coronel do Exército que chefiou centro de repressão do DOI-Codi em São Paulo foi condenado em três instâncias por torturar presos políticos. Pesquisa de Pádua Fernandes resgata esses processos judiciais

10/05/2013. Crédito: Bruno Peres/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Carlos Alberto Brilhante Ustra, depõe na Comissão Nacional da Verdade, no Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB. -  (crédito: Bruno Peres/CB/D.A Press)
10/05/2013. Crédito: Bruno Peres/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Carlos Alberto Brilhante Ustra, depõe na Comissão Nacional da Verdade, no Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB. - (crédito: Bruno Peres/CB/D.A Press)
postado em 04/12/2023 03:55 / atualizado em 04/12/2023 09:43

O coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou a unidade do Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operação de Defesa Interna) de São Paulo e que funcionou como um centro de tortura nos anos da repressão — a ditadura durou de 1964 a 1985 —, morreu em outubro de 2015, aos 85 anos.

Um ano antes de sua morte, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2014, sacramentou uma sentença de tribunais inferiores que declarou e reconheceu Ustra como um torturador, o único da lista de 377 nomes de agentes do Estado listados como torturadores pela Comissão Nacional da Verdade a receber uma decisão judicial nesse sentido.

 

 

Essa sentença histórica contra Ustra está publicada no livro Ilícito absoluto — a família Almeida Teles, o coronel C. A. Brilhante Ustra e a tortura, uma obra do autor e pesquisador Pádua Fernandes, que atuou na Comissão Nacional da Verdade e em outras comissões estaduais com esse mesmo caráter: o de recuperar as histórias de violações de direitos humanos do período do regime de exceção. O livro será lançado neste mês.

A ação contra o coronel foi proposta pela família Almeida Telles, em 2005, e a primeira sentença saiu em 2008. Na decisão, o juiz classificou o DOI-Codi como uma "casa dos horrores", onde se cometiam "ilícitos absolutos". O título da publicação de Fernandes vem daí. Em 1972, uma família inteira foi levada para as instalações do destacamento, sendo duas crianças, de 4 e 5 anos (Edson e Janaína Almeida Teles), seus pais Maria Amélia e César Augusto, e a tia Criméia Schmidt de Almeida, que estava grávida de sete meses.

Eles militavam na oposição ao regime militar pelo PCdoB e relatam as torturas perpetradas por Ustra na presença das crianças.

Pádua Fernandes

Ustra foi cultuado no governo de Jair Bolsonaro (PL). Seu rosto aparecia em camisetas de bolsonaristas, com a inscrição "Ustra vive!", nos discursos e até em fachada de gabinete de deputado seguidor do ex-presidente. O sinal foi dado por Bolsonaro no discurso que fez na votação do impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), em abril de 2016.

"Perderam em 64, perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve. Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff", disse Bolsonaro, no Plenário da Câmara dos Deputados. Dilma foi presa e torturada pela ditadura, mas não há registro de alguma ação de Ustra contra ela.

Os elogios dos bolsonaristas também pesaram na decisão do escritor de dar notoriedade a essa sentença. "Afinal, no dia do impeachment, em 2016, a Justiça reconhecia Ustra como um torturador", completou o autor.

No livro, Fernandes registra o voto do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no STJ, que reverteu manifestações favoráveis aos argumentos do ex-chefe do DOI-Codi naquela Corte, em 2014.

"As vítimas e familiares, no entanto, têm plena legitimidade e interesse em responsabilizar o indivíduo que figurou como torturador, mediante o reconhecimento perene pelo Estado, por meio de um de seus Poderes instituídos, o Poder Judiciário, da efetiva existência dos fatos e da responsabilidade dos envolvidos" — se manifestou Sanseverino, que foi acompanhado por mais dois ministros.

Fernandes afirma que as histórias desse período do Brasil são esquecidas com o propósito da destruição da memória. "Contra essa amnésia socialmente programada, resolvi escrever esse livro", disse.

Defesa do militar

Durante os anos em que a ação pedindo o reconhecimento de Brilhante Ustra como torturador tramitou, a defesa do militar sempre negou as acusações. Em vários documentos anexados ao processo, os advogados de Ustra argumentam que ele "nunca participou de sessões de tortura ou de qualquer atividade ilegal descrita pelos autores na inicial".

No processo, a defesa do ex-comandante também argumentou que "alegar, anos depois, que foi torturado (a) é muito fácil. Principalmente quando não se tem o que provar. Traumas de filhos, perseguições políticas, ameaças de morte, telefonemas anônimos e outros são problemas que todos que lutaram contra a subversão e o terrorismo sofrem quase que diariamente", diz um trecho das alegações da defesa. Para o militar e seus advogados, havia um certo revanchismo dos que atuaram na esquerda naquele período.

"O revanchismo dos que perderam as batalhas, mas que ganharam as guerras das comunicações, é permanente. São tantas as denúncias absurdas que se vê permanentemente na mídia, com os mais diversos fins."

Ustra depôs na Comissão Nacional da Verdade, que investigou violações na ditadura militar, em 10 de maio de 2013. Negou as acusações e ainda bateu boca com o médico e ex-vereador paulistano Gilberto Natalini, ex-preso político que também o aponta como um de seus algozes na tortura. Ustra, que morreu em outubro de 2015, viu a sentença ser promulgada em caráter definitivo.

Viúva do militar, Joseita Brilhante Ustra colaborou com publicações feitas pelo marido e chegou a ser convidada por Bolsonaro para ocupar um cargo no governo dele, mas recusou. Pouco afeita a entrevistas e aparições públicas, Joseita falou ao jornal Gazeta do Povo, em 2018. O relatório final da Comissão Nacional da Verdade responsabilizou Ustra por 45 mortes e desaparecimentos. Perguntada sobre isso, ela disse que "esse grupo de trabalho não considerou os atentados terroristas, sequestros, assassinatos. Tais crimes foram propositadamente omitidos. Uma comissão que investiga um conflito e só ouve um dos lados é facciosa e não tem legitimidade. Uma comissão para a qual os militantes não praticaram crimes. Só ouviu testemunhas de acusação e não buscou as testemunhas de defesa".

 

 

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