
Réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro escolheu, estrategicamente, conceder a primeira entrevista coletiva na lateral do Senado, na quarta-feira passada. O que ele não esperava era que uma trilha sonora vinda do horizonte fosse roubar aquele momento do o ex-presidente. É que o músico Fabiano Leitão, de 49 anos, conhecido como "Trom Petista", escolheu uma seleção especial de músicas em homenagem à decisão do STF.
Assim, de uma só vez, o "Trom Petista" tocou no seu trompete a Marcha Fúnebre e a paródia musical Tá na Hora do Jair já ir Embora. O som era tão intenso que a entrevista teve de ser interrompida mais de uma vez. O próprio Bolsonaro sorriu, tentou disfarçar o incômodo e fez piada: "Saudades dos meus tempos de quartel com o toque de corneta". As imagens correram as redes sociais.
Ao Correio Braziliense, Fabiano disse que ele e o ex-presidente "são velhos conhecidos". "Infernizo a vida dele (Bolsonaro) desde que ele se tornou presidente. Jamais deixo meu trompete. Ele está sempre comigo", afirma.
A presença de Fabiano realmente incomodou. Parlamentares ligados a Bolsonaro solicitaram que policiais legislativos o impedissem de executar a seleção musical que escolhera para aquele momento — conforme atestam vídeos que circularam pelas redes. Não conseguiram. O trompetista discutiu com os agentes — que argumentaram estar Fabiano atrapalhando o "trabalho" das pessoas —, mas não saiu da calçada na pista entre o Senado e o Palácio do Planalto. Depois de uma breve discussão, voltou a tocar.
Se o político é, na sua visão, antidemocrático, Fabiano vai lá e põe a boca no trompete. Assim, houve "manifestações" contra Mauricio Macri, ex-presidente argentino de centro-direita, em visita a Brasília, e ao ministro Luiz Fux, do Supremo, ao suspender as investigações contra Fabrício Queiroz, ex-assessor do hoje senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) nos tempos em que era deputado estadual no Rio de Janeiro.
Para ambos, o trompetista tocou Speak Softly, Love, música-tema de O Poderoso Chefão, o clássico cinematográfico de de Francis Ford Coppola sobre a máfia, e a canção infantil Marcha Soldado, encerrando com a Marcha Fúnebre.
Leitão escancara sua admiração pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e O PT — adotou o codinome do Trom Petista. Segundo ele, essa paixão foi cuidadosamente cultivada em casa. "Minha mãe é muito petista, muito lulista. Minha tia, também. E, aí, elas sempre me incentivavam. Elas eram e ainda são muito engajadas", diz.
Fabiano disse que foi "pelo menos 20 vezes" a Curitiba para fazer "serenatas" para Lula, enquanto estava preso na sede da Polícia Federal (PF) por causa da condenação na Operação Lava-Jato. "Eu, que sou vascaíno, tocava até o hino do Corinthians para ele. A filha dele me falava as músicas de que ele gostava, e eu tocava", relembra.
No governo Bolsonaro, o músico participou de vários protestos contra o ex-presidente. "O primeiro ato contra ele foi quando ele virou presidente da República e fez a primeira visita no STF. Talvez essa manifestação tenha sido um das mais perigosas da minha vida. Porque ele foi fazer uma visita de cortesia para os ministros e, logo após, eu tirei o trompete da caixa. Tirei com muito cuidado porque já tinha avistado os snipers (atiradores de precisão) e, eu mostrei: 'Olha, é um trompete'", afirmou.
Fabiano pensou em trocar a carreira artística pela política, ao se candidatar como deputado distrital. Ficou como suplente. Agora, diverte-se como universitário, cursando relações internacionais. "Sou um coroa de 45 anos, tendo a oportunidade pela primeira vez de fazer um curso superior. Eu sou o tiozão da parada. E adoro meus colegas", afirma.
Três perguntas para Fabiano Leitão
O que o senhor pretendia ao tocar no momento em que o ex-presidente Jair Bolsonaro concedia entrevista coletiva, no mesmo dia em que foi declarado réu pelo Supremo Tribunal Federal?
Primeiro, é uma tarefa política. Tinha um objetivo, que é desestabilizá-lo. E ele demonstrou que estava desestabilizado. Porque quando um político, e eu creio que ele é um político experiente, para de falar, a ação política contra ele fica maior do que ele próprio. É porque ele parou de formular política. Por exemplo: eu invadi mais ou menos 24 links (de transmissão de tevê) da Globo quando o presidente Lula estava preso, tocando o O-Lê-O-Lê-O-Lá. E jamais um repórter parou de falar. O som, a potência sonora era quase a mesma. Isso mostra que, realmente, o Bolsonaro, no primeiro impacto, a primeira coisa que faz é mudar a feição dele para uma feição de ódio. Ele ficou assim, porque ele sabia. Já fiz isso várias vezes.
O som do trompete transmitiu a mensagem, então?
Sem dúvida. Porque a mensagem semiótica daquela manifestação é que, ali, estava começando o velório. Quando morre alguém, a gente vela o corpo e depois sepulta aquele corpo. E como está iniciando esse processo, ele virou réu. Ali é o começo do velório político dele.
O senhor acredita que a Marcha Fúnebre será associada ao ex-presidente?
Nem tenho pretensão disso. Acho que eu só cumpri tarefa. Se as pessoas reconhecem isso, que bom. Não foi a primeira vez. Inclusive, quando, no dia seguinte em que o Lula venceu as eleições, fui lá irritar (o Bolsonaro), enfim, anunciar a vitória no Palácio do Planalto. Fui lá para falar: ‘Sai daí, Jair’. Ele não estava querendo aceitar o resultado das eleições. E, em seguida, às seis da manhã, no Palácio do Alvorada, tocava lá para estabilizar ele. Tocava as músicas do Lula e outras (canções).
"Papagaios de pirata": carona na imagem dos outros
Eles surgem de repente. São ilustres desconhecidos que, de tão próximos das celebridades e autoridades, ficam mais evidenciados do que o protagonista dos fatos. No Brasil, alguns “papagaios de pirata” se tornaram lendários.
Como o português José Alves de Moura, o “Beijoqueiro”, hoje com 85 anos. Dele, nem o papa João Paulo II escapou. Na visita a São Paulo, em 1980, Zé Moura furou o esquema de segurança e o beijou. Assim, nos anos de 1980 e 1990, era difícil autoridade nacional ou internacional fugir do “Beijoqueiro”. Quando menos se esperava, ele surgia. A lista dos que “ganharam” beijos dele inclui Frank Sinatra, Roberto Carlos, o ex-presidente João Baptista Figueiredo, Zico e até Garrincha.
O “hábito” de pegar as pessoas desprevenidas e beijá-las rendeu alguns safanões e ações judiciais ao “Beijoqueiro”. Foi preso mais de 70 vezes e, por causa das agressões de seguranças dos famosos, teve várias parte do corpo fraturadas.
Alguns papagaios de pirata se “especializaram”: em política, sepultamentos e reportagens, casos de Jaime Dias Sabino, Wilmar Palis e Luciano Ezequiel de Lima.
O baiano “Jaiminho” se mudou para o Rio e, ali, virou figura conhecida dos enterros de famosos. Sua presença é percebida desde o velório do ex-presidente Getúlio Vargas. Virou, inclusive, tema do curta-metragem Truques, xaropes e outros artigos de confiança, de Eduardo Goldenstein, em 2004. “Jaiminho” morreu no Rio de Janeiro, em 2013.
O ex-deputado Wilmar Palis integrava o chamado “baixo clero” da Câmara dos Deputados. Mas transformou-se em figura conhecida por surgir como “papagaio de pirata” do então candidato à Presidência da República Tancredo Neves, em 1984 e 1985.
Já Luciano Ezequiel de Lima é conhecido por vestir uma camisa azul celeste e olhar fixamente para o relógio de pulso. É a tática que utiliza para aparecer em lugar de destaque nas reportagens das tevês, no Rio. A estratégia, conhecida dos repórteres, dá certo. Afinal, por que tirar de Luciano os 15 segundos (e não os 15 minutos de que falava o artista plástico Andy Warhol) de fama, que tão ávidamente busca ao invadir os links de transmissão ao vivo?
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