judiciário

Fachin na contramão sobre redes

Ministro diverge da maioria formada no STF para responsabilizar as big techs pelas publicações de usuários. Na avaliação do magistrado, a regulamentação das plataformas tem de ser ampla e feita pelo Congresso

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento sobre a ampliação da responsabilidade das redes sociais por conteúdos publicados por seus usuários. Na sessão de ontem, os votos da ministra Cármen Lúcia e do ministro Edson Fachin trouxeram entendimentos divergentes sobre a exigência da notificação judicial para a exclusão de postagens consideradas ofensivas. A Corte tem maioria de 8 x 2 para responsabilizar as big techs.

O debate gira em torno da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil, que exige uma ordem judicial prévia para excluir conteúdo e responsabilizar provedores de internet, websites e gestores de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros.

Fachin defendeu que a regulamentação das redes sociais seja feita pelo Legislativo. "Não creio que este tema necessariamente será solvido ou esgotado com a remoção, ou não de conteúdos das plataformas. Creio que há uma necessidade de uma regulação estrutural e sistêmica, preferencialmente não via Poder Judiciário", disse.

O magistrado afirmou ter sido "péssima a experiência" que o Brasil teve com a moderação de conteúdos. "Há uma segunda razão que não me anima a ir além da consideração singela de constitucionalidade do artigo 19. É péssima a experiência que este país teve com a moderação de conteúdos em meio de comunicação", disse.

"O que hoje parece insuficiente e a merecer regulação específica pode muito bem ser amanhã regulado por outros atores institucionais. E se há obrigação de todos para combater o conteúdo ilícito, então corremos o risco de ver temerárias ações de investigação atingirem jornalistas e professores", argumentou.

A ministra Cármen Lúcia, porém, acompanhou a maioria pela responsabilidade das plataformas. Ela entendeu que o artigo 19 do Marco Civil da Internet deve ser interpretado conforme a Constituição e pode ser usado em situações como crimes contra a honra.

"Censura é proibida constitucionalmente, é proibida eticamente, é proibida moralmente, eu diria até espiritualmente. Mas não pode também permitir que nós estejamos em uma ágora em que haja 213 milhões de pequenos tiranos soberanos. Soberano é o Brasil, soberano é o direito brasileiro. Então, é preciso cumprir as regras", justificou.

Com os entendimentos de ontem, há oito votos para responsabilizar as big techs mesmo com notificações extrajudiciais; e dois votos para que só medida judicial seja capaz de remover o conteúdo. Na sessão de hoje, deve ser ouvido o posicionamento do ministro Nunes Marques.

Os integrantes também tentam definir a tese, ou seja, o guia que vai orientar a aplicação da decisão do tribunal. Se não houver consenso, os magistrados devem continuar buscando o entendimento quanto aos termos, pois foram propostas diferentes soluções para o regime de responsabilização das empresas. Até o momento, o Supremo realizou 11 sessões para discutir a ação.

Em 11 de junho, a Corte formou maioria para responsabilizar as redes sociais por conteúdos publicados por seus usuários. Os ministros defenderam ampliar as obrigações das big techs a respeito da moderação de posts considerados ofensivos, mesmo na ausência de ordem judicial prévia.

Messias e Moraes

Mais cedo, o advogado-geral da União, Jorge Messias, havia defendido a ampliação da responsabilidade das big techs a respeito de conteúdos ofensivos. Segundo ele, faltam recursos transparentes e acessíveis para o controle adequado.

"Os algoritmos usados pelas big techs são, hoje, controlados por elas de forma totalmente opaca. A sociedade não tem acesso para fazer qualquer análise crítica, por meio de seus institutos e universidades. Isso é inadmissível. Essas empresas precisam disponibilizá-los para escrutínio público", disse.

A declaração foi dada durante participação na 12ª edição do Global Fact, maior evento de checagem de fatos do mundo, realizado pela primeira vez no Brasil. "Foi assim, na história da Humanidade, com qualquer ferramenta que pudesse causar dano ou grande impacto à sociedade: as armas, os medicamentos. É preciso que haja regulação", completou Messias.

Presente no mesmo evento, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, afirmou que as big techs lucram com a viralização de conteúdos como as notícias falsas. "É um modelo de negócio perverso, em que o faturamento maior se dá exatamente pelo discurso de ódio, pelo conflito, pelo ataque, e não pela narrativa de notícias, pela exposição de fatos", declarou.

 

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