A sessão da Câmara que aprovou o projeto de lei do licenciamento ambiental, que flexibiliza as concessões para obras e empreendimentos, foi longa e tumultuada. Mas a aprovação da matéria estava sacramentada antes mesmo da contagem dos votos. Apoiada em peso por três frentes parlamentares — a Parlamentar da Agropecuária (FPA), a Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) e a do Livre Mercado —, conseguiram galvanizar a maioria dos votos, sobretudo entre as legendas do Centrão. Além disso, a movimentação do presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), pela aprovação do projeto de lei, foi um importante fator para que o texto que voltou do Senado fosse mantido.
Dos placar de 267 x 116 e entre os partidos que apoiaram a matéria, o PL foi o que mais entregou: 74 integrantes da bancada apoiaram o texto. Já no PP, houve 36 votos favoráveis, seguido do União — 40 pela mudança na lei — e do Republicanos, com 30. A unanimidade contrária do PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi rompida pelo apoio de Arlindo Chinaglia (SP) à proposta, enquanto no PSB, do vice-presidente Geraldo Alckmin, o projeto recebeu os votos a favor de Duarte Jr. (MA) e Guilherme Uchoa (PE).
A aprovação do texto foi comemorada como mais uma vitória sobre o governo, que não teve forças para resistir. Para o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), a aprovação do novo texto é "histórica": "Mais uma vitória importante — não apenas da FPA, mas do Brasil. A racionalização do sistema de licenciamento é essencial para destravar o desenvolvimento, gerar empregos e atrair investimentos, sem prejuízo à proteção ambiental", afirmou. O vice-presidente da Frente da Agropecuária, Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), disse que o impacto será diretamente na vida dos brasileiros. "Fizemos história com mais uma conquista para o setor", exultou.
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O relator do texto na Câmara, deputado Zé Vitor (PL-MG), também coordenador político da FPA, destacou a busca por regras "claras e objetivas". Segundo ele, "o amplo debate com todos os setores envolvidos proporcionou um diálogo construtivo e um texto equilibrado, voltado ao desenvolvimento sustentável. O Brasil, certamente, colherá os frutos dessa conquista", disse.
A deputada Carol De Toni (PL-SC), presidente da Frente pelo Livre Mercado, reforçou a defesa da matéria aprovada: "A nova legislação estabelece prazos claros para a emissão de licenças e assegura maior previsibilidade", frisou. Para ela, o texto "respeita as diretrizes constitucionais de proteção ambiental e reconhece a urgência de destravar projetos estruturantes e impulsionar a atividade econômica em todo o país".
Já o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da FPE, minimizou os riscos apontados por ambientalistas. Segundo ele, "o Congresso fez o certo ao aprovar a proposta. Não alteramos nenhuma legislação ambiental. Apenas agilizamos procedimentos, especialmente para atividades de baixo impacto". Na mesma direção foi o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS): "Lei que não se moderniza, degrada o meio ambiente. Desenvolvimento econômico e proteção ambiental estão presentes no texto. Não podemos mais atrasar o país", observou.
O mesmo argumento de defesa do PL foi usado pelo deputado Alceu Moreira (MDB-RS): "Modernizamos a legislação sem abrir mão da responsabilidade ambiental. O Brasil precisa crescer, gerar empregos e atrair investimentos — e isso só é possível com regras claras e segurança jurídica", afirmou.
"Grave retrocesso"
Em relação aos partidos que apoiam o governo, restou apenas a crítica ao PL e aos parlamentares que votaram favoravelmente. O PSol chamou o projeto de "um grave retrocesso" e "mãe de todas as boiadas". Aponta, ainda, que a nova legislação desmonta a base normativa do licenciamento ambiental. Além disso, segundo integrantes do partido, abre brechas para a dispensa de licenças em uma série de atividades, especialmente as agropecuárias. Para a legenda, as emendas do Senado incluídas pioraram ainda mais o texto.
Em nota, a bancada do PSB na Câmara criticou o que chamou de retrocessos "ambientais, jurídicos e sociais severos". A legenda defendeu que modernizar o licenciamento não pode significar flexibilizar indiscriminadamente. "O texto aprovado enfraquece a proteção ambiental e aumenta os riscos para a sociedade", alertou.
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O Partido Verde (PV) também repudiou a aprovação e anunciou que irá pressionar pelo veto do presidente Lula, além de acionar o Judiciário. "Foi aprovado o maior retrocesso ambiental em 40 anos. Agora, a destruição tem carta branca. Mas a luta não acabou", afirmou o partido em publicação nas redes.
Da mesma forma, o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), adiantou que a matéria tem tudo para se tornar mais um contencioso a ser decidido, depois do recesso parlamentar, pelo Supremo Tribunal Federal.
A Confederação Nacional da Indústria estima que há mais de 27 mil normas relacionadas ao licenciamento ambiental — cenário que, segundo ela, gera insegurança jurídica, afasta investidores e encarece obras. Para a entidade, o PL unifica regras e acelera projetos estratégicos, como a Transnordestina, parada há anos.
Deputados se estranham
Não bastassem as diferenças essenciais entre oposicionistas e governistas, o PL que flexibiliza o licenciamento ambiental teve, também, o condão de exaltar os ânimos entre deputados das duas correntes. Como aconteceu entre Célia Xakriabá (PSol-MG) e Kim Kataguiri (União-SP), que por pouco não entraram em luta física.
Eles começaram a se estranhar quando Kataguiri criticou, na tribuna, um suposto enriquecimento de tribos indígenas com compensações ambientais pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Segundo o parlamentar, os nativos teriam recebido veículos, cabeças de gado e dinheiro.
A acusação irritou Xakriabá, indígena e que fez uma série de pronunciamentos enfáticos contra a aprovação do PL. Na réplica, a deputada chamou Kataguiri de "estrangeiro" e "deputado reborn". Nesse momento, deputados de oposição passaram a ridicularizá-la no corredor central do Plenário.
A tensão ocorreu quando Kataguiri citou o cocar de penas de pavão, de forma jocosa, no microfone de aparte destinado à opopsição, mas sem citá-la. Xakriabá pediu direito de resposta, mas teve o som cortado porque extrapolou o tempo de fala. Mesmo assim, continuou a discursar e confrontou o deputado no corredor. Nesse momento, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), pediu o auxílio da Polícia Legislativa para restabelecer a ordem.
Em nota, Kataguiri disse que se sentiu ofendido com o termo "estrangeiro" por ser descendente de japoneses. Afirmou que a reação da deputada teve como único objetivo paralisar a discussão do PL.
"Isso não passa de vitimismo de quem quis se colocar como dona de uma discussão sobre licenciamento ambiental e recebeu uma resposta atravessada em troca. A qual repito: pavão é animal asiático e não tem ligação com tribos brasileiras", destacou.
Por sua vez, Xakriabá disse que pretende acionar tanto o Ministério Público Federal (MPF) para reportar crime de racismo, quanto o Conselho de Ética da Câmara para pedir punições ao deputado. "Foi um racismo televisionado em flagrante, então tinha que ter parado ali. Era um racismo flagrante que tem todas as provas. Todas as pessoas precisam ser responsabilizadas", afirmou.
Xakriabá nega que tenha usado o termo "estrangeiro" para se referir a Kataguiri por sua ascendência asiática. Ela disse considerar o deputado um estrangeiro por estar, em sua opinião, alheio à realidade dos povos indígenas. A deputada também afirmou que ele a chamou, em várias ocasiões, de "índia", termo pejorativo para se referir a um indígena.
"Indígena significa aquele que é originário daquele lugar. Quando uma pessoa vem falar sobre nós, sobre uma pauta que desconhece, é estrangeiro. Nós, povos indígenas, somos considerados estrangeiros no nosso próprio território, mas é estranho a ele uma pauta que ele não tem nenhuma autoridade para falar. Falou de maneira violenta", acusou.
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