Brasil x Estados Unidos

Conversa sem intermediários na Malásia

Após meses de trocas de farpas e afagos, Lula e Trump testam "química" na reunião deste domingo para superar tarifaço dos EUA

Na Malásia, Luiz Inácio Lula da Silva reforçou que não há
Na Malásia, Luiz Inácio Lula da Silva reforçou que não há "assuntos proibidos" na conversa com Trump - (crédito: Ricardo Stuckert / PR)

Em um dos romances mais famosos do século XIX, o escritor francês Júlio Verne, conhecido por narrar aventuras fictícias lendárias, contou a saga de Phileas Fogg, um rico lorde inglês, e de seu empregado Jean Passepartout, que aceitaram o desafio de dar a volta ao mundo em apenas 80 dias — o que parecia um feito impossível à época. Bastou esse mesmo número de dias, desde a entrada em vigor da tarifa de 50% a produtos fabricados no Brasil importados pelos Estados Unidos, para que os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump se encontrassem do "outro lado do mundo" para negociar. Da mesma forma que a empreitada de Fogg e Passepartout, o encontro era considerado inimaginável 80 dias atrás.

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Durante esse período, a relação entre os dois líderes teve altos e baixos. Lula chega para a reunião após uma semana de críticas ao governo de Washington. A conversa entre os dois deve ocorrer às 7h da manhã deste domingo (26/10)  no horário de Brasília (fim da tarde no fuso de Kuala Lumpur, capital da Malásia). Embora a tensão entre os dois países tenha diminuído desde que Trump admitiu conversar com Lula, o presidente brasileiro, ao longo da semana, voltou a tecer críticas ao tarifaço e às ações militares na costa da Venezuela, que o Brasil enxerga como uma ameaça de instabilidade na região. Trump, por sua vez, embora tenha falado pouco sobre a reunião publicamente, sinalizou que as taxas contra a carne brasileira trouxeram benefícios aos produtores dos EUA. O comportamento de ambos às vésperas da primeira conversa presencial lança dúvidas sobre se o Brasil vai realmente conseguir ultrapassar as diferenças ideológicas e avançar em negociações que diminuam o impacto das sanções econômicas.

Na sexta-feira, pouco antes de embarcar para a Malásia, Lula disse estar otimista com a reunião. Porém, é pouco provável que haja anúncio de ações imediatas após o encontro. "O acordo certamente não será feito depois de amanhã (domingo), quando eu me reúno com ele. O acordo será feito pelos negociadores, que vão ter que sentar — (Geraldo) Alckmin, Mauro Vieira e (Fernando) Haddad — com o pessoal do governo americano para negociar", declarou a jornalistas. "Eu queria que fosse ontem, mas, se for amanhã, já está bom. Quanto mais rápido, melhor", emendou, após ser questionado sobre quando o acordo será firmado.

A conversa entre os dois líderes foi preparada em sigilo entre os representantes da diplomacia dos dois países, da mesma forma como o encontro na Cúpula das Nações Unidas (ONU), em Nova York, no fim do mês passado, quando Trump disse que houve uma "química" com o presidente brasileiro. No último dia 16 de outubro, em Washington, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, apresentou ao seu homólogo dos EUA, o secretário de Estado, Marco Rubio, um pedido para que a sobretaxa de 50% seja suspensa temporariamente enquanto os dois países negociam outras soluções. Além disso, o governo brasileiro pleiteia que os setores de café e carne bovina sejam excluídos do tarifaço.

Na quarta-feira, porém, o presidente Trump sinalizou que as tarifas impostas à carne brasileira tiveram um impacto positivo no setor pecuário americano, ao cobrar que os empresários baixem o preço interno do produto. A carne subiu 15% do começo do ano até setembro no país, pressionando o republicano para que adote medidas para reduzir os valores. "Os pecuaristas, que eu amo, não entendem que a única razão pela qual eles estão indo tão bem, pela primeira vez em décadas, é porque eu coloquei tarifas no gado que entra nos Estados Unidos, incluindo uma taxa de 50% sobre o Brasil", escreveu Trump em sua conta na Truth Social. Ele também anunciou um plano na quinta-feira para importar carne da Argentina, a taxas menores, como forma de baratear os preços — o que irritou os pecuaristas.

Sanções a ministros

Lula diz que não há "assunto proibido" na reunião. Ele voltou a citar, por exemplo, o acesso a terras raras pelos Estados Unidos. Além disso, mencionou pela primeira vez que vai pedir o fim das sanções econômicas e financeiras que atingem autoridades brasileiras, incluindo ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal (STF). "Também eu quero discutir um pouco a punição que foi dada a ministros brasileiros da Suprema Corte, que não tem nenhuma explicação, nenhum entendimento. Eu acredito muito na negociação", declarou Lula.

Nos bastidores do governo, há um otimismo cauteloso com a reunião. Por um lado, as conversas preparatórias foram vistas como positivas, com demonstrações de interesse de autoridades americanas na negociação. Do lado estadunidense, há interesse na exploração de terras raras e na redução de tarifas sobre o metanol dos EUA, feito principalmente de milho. Tais negociações, porém, são delicadas e podem levar tempo até a conclusão — envolvem questões de soberania e podem impactar as vendas do etanol brasileiro, feito da cana. Uma oferta mais imediata seria um investimento de US$ 40 bilhões pela Embraer nos Estados Unidos para a compra de peças de aviação americanas, o que também tende a agradar a gestão Trump. "É um trabalho em curso, um trabalho em andamento, em que, gradualmente, esses itens de ambas as pautas vão ser colocados frente a frente no âmbito do diálogo para entender como avançar nas diferentes pautas", analisa o diretor de Comércio Internacional da BMJ Consultores Associados, José Pimenta.

 

 

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postado em 26/10/2025 03:55
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