
O Brasil já assumiu diversos papéis em conferências e acordos climáticos, ao longo da história. De isento a referência nas iniciativas de carbono, depois, símbolo de engajamento do Acordo de Paris e nome incômodo nos relatórios florestais, o país anfitrião da 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, a COP30, que começa oficialmente hoje, em Belém, terá de lidar com as próprias contradições e a ausência dos Estados Unidos para recuperar o protagonismo no debate.
O enredo dessa discussão global começou em Estocolmo, em 1972, com grande debate climático da ONU. Na ocasião, o Brasil adotou atitudes de isenção da culpa das emissões de carbono. O argumento principal era o fato de os países europeus terem se industrializado há muito tempo, enquanto outras nações estavam ainda se desenvolvendo industrialmente. Logo, o país deveria focar na ampliação econômica, mesmo que isso significasse a procrastinação dos tópicos ambientais.
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Ao longo dos anos, o discurso do Brasil mudou, mas ainda restam resquícios, até hoje, do embate entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento nessa agenda. Em uma ocasião, o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, comemorou a notícia de que as metas da Europa para o evento poderiam ser as mais ambiciosas, porém ressaltou que, de certa forma, era uma obrigação do Velho Continente.
"É muito importante que os países desenvolvidos mostrem o que vão fazer, porque não tem sentido que os países em desenvolvimento tenham que fazer mais esforços do que os que já puderam se desenvolver ao longo de dois séculos e meio emitindo", disse. "Há aí um elemento de justiça, um elemento praticamente ético de quem deve fazer as coisas antes e quem pode fazer as coisas antes", emendou o diplomata.
A líder e especialista em estratégias internacionais senior do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Cintya Feitosa, explicou que essa abordagem não pode se tornar como desculpa para não apresentar metas reais e ambiciosas, mas ressalta que a estratégia faz sentido, tanto historicamente quanto nas próprias regras das conferências.
"Existe um princípio da convenção, que se chama responsabilidades comuns, porém diferenciadas, que é isso, países que se industrializaram ou que desenvolveram suas economias a partir de mais emissões tem que reduzir mais emissões. Então, é correto dizer que os mais desenvolvidos têm mais obrigações perante a redução de emissões por conta do seu histórico e por suas capacidades não só de inovação e tecnologia, mas também de recursos", argumentou a especialista.
Agenda 21
No Rio de Janeiro, em 1992, o Brasil fez sua estreia como anfitrião e teve uma virada de chave, em relação ao feito em Estocolmo. O país assinou acordos internacionais importantes, como a Agenda 21 e a Convenção do Clima. A Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 92, a ECO92, foi considerada a gênese das COPs, pois foi lá que a Convenção Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC) surgiu e resultou as conferências.
Em 1995, a primeira Conferência das Partes (COP) ocorreu em Berlim. Dois anos depois, na COP3, o Protocolo de Kyoto foi escrito. Este foi o primeiro tratado internacional a impor metas obrigatórias de redução de gases de efeito estufa. O papel do Brasil foi aclamado pelas entidades, pois foi um dos primeiros países em desenvolvimento a apoiar mecanismos de mercado como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que permitia que países desenvolvidos pagassem por projetos de redução de carbono de países em desenvolvimento.
Apesar do ânimo e da importância do acordo, por ter metas de redução de carbono pela primeira vez, o Protocolo de Kyoto se enfraqueceu com a saída dos Estados Unidos. O Brasil seguiu nos discursos climáticos, mas sem metas obrigatórias. Em 2015, no Acordo de Paris, na COP21, a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira foi uma das mais ambiciosas da conferência que estipulou NDCs obrigatórias para todos os países. O Brasil assinou o acordo e se comprometeu a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005 até 2025, com uma meta indicativa de 43% até 2030.
Protagonismo perdido
Na COP25, de 2019, em Madri, o Brasil foi criticado pelo desmatamento na Amazônia, que só aumentava. Na COP26, em Glasgow, não foi bem recebido novamente, dessa vez, por não apresentar metas mais ambiciosas que as prometidas na conferência anterior.
Dessa forma, o protagonismo brasileiro no debate climático foi perdido, tornando-se uma figura negativa do evento. E, na semana passada, saiu uma análise do SAG, que é um sistema que faz a análise das emissões brasileiras ao longo dos anos, mostrando que o Brasil não cumpriu a meta da NDC de 2025, lembrou o líder de Mudanças Climáticas do WWF-Brasil, Alexandre Prado.
"A meta deveria estar em 1.3, mas ficou em 1.4. E, e aí você tem o detalhamento porque isso não aconteceu. O país cumpriu uma parte, mas não cumpriu o outro", disse Prado. Para ele, o maior desafio ambiental e interno do Brasil é controlar o desmatamento florestal, incentivar uma agricultura de baixo carbono e reflorestar as áreas perdidas. O desenvolvimento dessas áreas pode fazer com que o Brasil retome seu papel importante e volte a ganhar respeito nas pautas.
Mesmo com a ausência dos Estados Unidos e com as próprias contradições ambientais do país anfitrião, os dois especialistas esperam que as nações apresentem bons projetos e entreguem metas ambiciosas. "Temos várias expectativas, como financiamentos, o reforço para acabar com o desmatamento em 2030, a transição energética e temos o engajamento da sociedade civil, mobilizações de rua", disse Prado.
*Estagiária sob a supervisão de Rosana Hessel
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