
Após receber uma série de críticas, o relator do Projeto Antifacção na Câmara, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), entregou ontem à noite a terceira versão do seu parecer, desta vez, sem retirar prerrogativas da Polícia Federal e sem alterações na lei antiterrorismo. Batizado de Projeto de Lei do Marco Legal do Combate ao Crime Organizado, o texto deve ser votado hoje.
A apreciação do relatório estava previsto para ontem, mas foi adiado diante de questionamentos levantados pelo governo e por partidos sobre trechos do texto que tratavam das competências da Polícia Federal, que, entre outros pontos, só poderia entrar em investigações se fosse acionada por governadores. Também havia impasse a respeito da inclusão de pontos inspirados na antiga Lei Antiterrorismo.
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Em entrevista coletiva Derrite negou que haja impasse com o governo e afirmou que a polêmica decorreu de "um equívoco de interpretação". O parlamentar ressaltou que o novo marco não retira prerrogativas da Polícia Federal e que busca apenas atualizar a legislação para o combate mais efetivo ao crime organizado.
"O projeto não enfraquece a Polícia Federal nem retira suas competências. Muito pelo contrário: ele fortalece a integração entre as forças de segurança e melhora a capacidade de enfrentamento às facções", sustentou Derrite. Segundo ele, o debate sobre o tema é natural, mas não deve ser usado de forma política.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que a decisão de adiar a votação visa garantir um texto de consenso. "O combate ao crime organizado é prioridade da Casa. O que queremos é uma legislação moderna, que reforce a soberania e preserve a autonomia das instituições", declarou.
Derrite também explicou que o novo texto excluiu o trecho que mencionava a Lei Antiterrorismo (13.260/2016), após críticas da esquerda. O relator ressaltou que o projeto trata exclusivamente de crime organizado, e não de terrorismo. "Retiramos o trecho para evitar interpretações equivocadas. Não há relação entre os dois temas", afirmou.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi um dos que dispararam críticas ao texto anterior de Derrite. Na visão dele, que corrobora com a da Receita Federal, a aprovação do texto como estava inviabilizaria a Operação Cadeia de Carbono e outras medidas como essa, que visam atuar contra o crime organizado no país.
"A Receita está muito incomodada com o relatório porque ela está perdendo prerrogativas tanto quanto a Polícia Federal. Então, você está esvaziando os órgãos federais de combate ao crime organizado no país, na minha opinião para fortalecer quem? O próprio crime organizado. É muito sério, muito grave", disse ontem o ministro, a jornalistas.
Com o adiamento, a expectativa é de que o novo texto seja votado nesta quarta-feira, após novas rodadas de negociação entre as bancadas. O parecer cria um sistema nacional para integração de dados, articulação de políticas públicas e compartilhamento de recursos entre União, estados e municípios no combate às facções criminosas.
Em coletiva de imprensa após o pronunciamento de Derrite e Motta, os líderes do PT e do Governo na Câmara, Lindbergh Farias (RJ) e José Guimarães (CE), parabenizaram o relator e afirmaram estar "felizes" com a exclusão da proposta antiterrorismo. Também ressaltaram que a matéria volta, agora, à proposta inicial do governo, de aumentar penas contra o crime organizado.
"Eu considero uma vitória muito grande, uma vitória da racionalidade, a gente já excluir essa questão do terrorismo. Se você for ver, era isso que argumentava o governo. Bastava ter ido no projeto original do governo, que era justamente isso: um novo tipo penal, no caso, a facção. Se querem mudar o nome, tudo bem, mas era justamente isso que a gente defendia", frisou Guimarães.
Já Lindbergh destacou que incluir terrorismo na proposta abriria caminho para um ataque à soberania nacional e traria prejuízo à economia. "Então é uma vitória da mobilização da sociedade, importante o recuo", pontuou.
Do outro lado, o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), disse que a proposta é "deles" (da oposição) e que a sigla não abrirá mão de seu projeto antiterrorismo, que visa enquadrar criminosos armados e organizados como terroristas. Para ele, o texto do governo, ainda que preveja aumento de penas e novos tipos penais, não resolve o problema estrutural da segurança pública no país.
- Leia também: Derrite recua, desiste de mudar Lei Antiterrorismo e diz que competência da PF será preservada
Cavalcante também criticou a tentativa de vincular o projeto do governo à Lei Antiterrorismo (13.260/2016). "Se o relator Derrite retirar trechos relacionados ao terrorismo, o PL manterá seu projeto separado. Não podemos aceitar que o governo tente enganar a população com uma proposta superficial, que parece endurecer penas, mas não resolve o problema de segurança", afirmou.
Ele também destacou que o partido só tomará posição oficial sobre a votação quando tiver acesso ao relatório final. Entretanto, adiantou que a tendência é apoiar medidas que endureçam a punição para crimes graves, mas que a equiparação ao terrorismo será prioridade absoluta do PL.
"O governo pode votar o projeto dele, mas o nosso compromisso é com a segurança do cidadão. Só um enquadramento adequado de criminosos armados e organizados como terroristas permitirá o uso de inteligência internacional e bloqueio de recursos, além de aumentar o custo da criminalidade", concluiu.
Governadores debatem em Brasília
A segurança pública será tema do almoço de, hoje, da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado (FPLM) com três governadores e a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão. Confirmaram presença Romeu Zema, de Minas Gerais; Ronaldo Caiado, de Goiás; e Jorginho Mello, de Santa Catarina.
O encontro tem como objetivo discutir prioridades legislativas ligadas à segurança pública, e deve reunir também parlamentares engajados na pauta. A reunião ocorre após o presidente da Câmara, Hugo Motta, anunciar a tramitação do PL Antifacção.
A reunião é vista como uma tentativa de articular posições conjuntas e fortalecer a atuação política dos governadores em torno do combate ao crime organizado e da agenda legislativa de segurança pública.
A expectativa é de que, após o almoço, as lideranças estaduais encaminhem sugestões ao Congresso para subsidiar a tramitação do PL Antifacção.
Ontem, Celina Leão defendeu que o tema ultrapassa fronteiras partidárias e precisa envolver toda a sociedade. "A segurança pública é um tema de toda a sociedade, principalmente das mulheres. São mães, filhas, trabalhadoras que dependem da segurança pública para transitar. Esse debate é emergencial", disse, em entrevista coletiva após participar do evento Lide.
A vice-governadora também mencionou a recente escalada de violência no Rio de Janeiro como um alerta nacional. "O que aconteceu no Rio foi a demonstração de um caos que já vivia o estado. Se não forem tomadas providências, isso se torna um problema de soberania nacional", afirmou.
Ela também se manifestou contrária a retirada de prerrogativas da Polícia Federal. "Não podemos politizar um tema tão sério. A Polícia Federal tem suas prerrogativas, e elas devem ser respeitadas. O que precisamos é de cooperação entre os governos federal e estaduais", ressaltou. Para a vice-governadora, a população "está mais preocupada com o resultado do que com quem vai agir — se o governo federal ou estadual".
A necessidade de ampliar a participação feminina no debate sobre segurança também foi destacada por Celina. "Talvez tenhamos poucas governadoras hoje, mas o tema mobiliza muitas mulheres. Elas precisam ser protagonistas nas decisões que envolvem segurança pública", frisou.
Antes de novo texto, parlamentares enfatizaram a necessidade de correções para evitar prejuízos à Polícia Federal. "Eu sou um defensor ferrenho da Polícia Federal. Há essa preocupação, não apenas de parlamentares, mas também do relator e do próprio presidente da Câmara, para que a PF não se sinta prejudicada. Eu não concordo que a PF tenha que ser acionada por um governador. Amanhã, podemos ter um que patrocine o crime organizado, e isso seria um desastre", afirmou o deputado Sargento Fahur (PSD-PR).
Saiba Mais
Vanilson Oliveira
Formado em Comunicação Social - Jornalismo pela UFPB, pós-graduado em Comunicação Digital pelo Inst.de Posgrado de Madri e com MBA em Marketing pela Estácio de Sá.
Wal Lima
Repórter de PolíticaJornalista com mais de 10 anos de experiência, com especialização em Marketing Político Digital. Além da experiência em redação e portais, já atuei como assessora de comunicação de parlamentares na Câmara dos Deputados. Tenho o jornalismo como uma missão

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