"Linguagem Simples"

Associação de Linguística lamenta lei que proíbe linguagem neutra

Representante da Abralin ouvida pelo Correio aponta que a proposta foi desvirtuada durante a tramitação, mas que a entidade agradece veto de Lula a dispositivo que criaria fiscal para a linguagem em órgãos públicos

A proibição à linguagem neutra foi incluída no texto por parlamentares de direita -  (crédito: Kaus Miranda)
A proibição à linguagem neutra foi incluída no texto por parlamentares de direita - (crédito: Kaus Miranda)

A Associação Brasileira de Linguística (Abralin) vê com preocupação a lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da  Silva que proíbe o uso da linguagem neutra na administração pública e cria regras para o uso da “linguagem simples”.  O texto visa simplificar a comunicação em órgãos públicos com a Política Nacional de Linguagem Simples, mas não alcança o objetivo, segundo a Abralin.

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A entidade agradeceu o veto do petista a um dispositivo que criaria uma espécie de fiscal da linguagem nos órgãos públicos, mas afirma que, da forma como foi sancionada, a lei cria regras arbitrárias e não contribui para criar uma linguagem inclusiva. 

“A Abralin discorda frontalmente dessas fórmulas, apesar de ser completamente a favor de uma lei que queria garantir a acessibilidade da linguagem. Mas não dessa maneira, enfiando goela abaixo algumas regras  arbitrárias, algumas sem sentido, outras nem tanto”, disse ao Correio a integrante da Comissão de Políticas Públicas da Abralin e pesquisadora em Linguística da Universidade de Brasília (UnB) Gisele Rodrigues.

  • Leia também: Lula sanciona lei que proíbe linguagem neutra na administração pública

“Isso aí vai fazer o contrário, vai engessar. Linguagem simples e inclusiva é outra coisa. É poder falar com diferentes públicos. Se eu vou falar com uma comunidade quilombola, eu quero poder usar um termo ou outro que não está no Volp (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa).

A lei, sancionada na segunda-feira (17) pelo presidente Lula, enumera uma série de regras técnicas que órgãos públicos das três esferas deverão seguir em suas comunicações oficiais. Por exemplo, não usar voz passiva nem frases intercaladas. Para a Abralin, as regras são arbitrárias.

A que mais chamou atenção foi a proibição do uso da chamada linguagem neutra, que substitui artigos e o final de palavras para retirar referências ao gênero masculino ou feminino. Por exemplo, troca “todas” ou “todos” por “todes”, e “ele” e “ela” por “elu”. Ela visa incluir pessoas que não se identificam com os gêneros masculino e feminino.

  • Leia também: Justiça do DF será agraciada por iniciativas de uso da linguagem simples

A lei foi criada por um projeto apresentado pela deputada federal Erika Kokay (PT-DF), que visava criar uma linguagem inclusiva e acessível na administração pública. Para a Abralin, porém, o texto foi desvirtuado durante a tramitação no Congresso Nacional, e virou um conjunto de regras engessadas.

A proibição à linguagem neutra foi incluída no texto por parlamentares de direita. Apesar de grande parte da esquerda defender a adoção dessa linguagem, Lula optou por não vetar esse dispositivo. A Abralin já criticou o projeto no passado, em nota publicada em dezembro de 2023.

“Lamentamos que a tramitação tenha culminado nesse resultado. É um alerta que a gente já tinha feito antes”, disse Gisele. Segundo ela, a Abralin divulgará em breve uma nota oficial de posicionamento sobre o texto.

“Letra morta”

A Abralin vê como positivo, porém, o único veto do chefe do Executivo ao texto. O trecho vetado obrigaria os órgãos públicos a colocar um servidor como fiscal da aplicação da lei, que seria responsável por denunciar eventuais descumprimentos. Lula justificou o veto afirmando que o trecho era inconstitucional.

“Imagina criar um cargo só para a pessoa fiscalizar isso, com as regras arbitrárias”, comentou Gisele. Segundo ela, a linguagem inclusiva não é elitista, mas acessível a todos.

A pesquisadora aponta ainda que, como não haverá fiscalização ou punição para o  descumprimento das regras, a lei, na prática, não terá efeito.

“Na hora que eu tiro o poder, vamos dizer, coercitivo a norma, dizendo que não tem fiscal, não tem medida cabível em caso de descumprimento, a lei acabou virando uma espécie de letra morta. É só uma recomendação”, disse Gisele.

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postado em 18/11/2025 17:26 / atualizado em 18/11/2025 17:30
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