Fitness & Nutrição

Existe uma dieta anticâncer? Entenda como a alimentação interfere na doença

A ciência vem testando diferentes protocolos nutricionais na prevenção da doença. Veja o que se sabe sobre essa relação

POR Giovanna Fischborn
postado em 17/04/2022 10:00 / atualizado em 17/04/2022 13:11
 (crédito: Monique Renne/CB/D.A Press - 3/11/10)
(crédito: Monique Renne/CB/D.A Press - 3/11/10)

Durante participação no Big Brother Brasil, o surfista Pedro Scooby comentou que fica 16 horas ou mais sem comer. Segundo ele, o jejum faz as células boas "comerem" as cancerígenas. Do lado de fora do reality, a influenciadora Maíra Cardi revelou que seguiu uma dieta específica antes de engravidar para zerar os genes de doenças, entre elas, o câncer, processo que ela chamou de modulação epigenética.

Não é de hoje que as dietas e os supostos benefícios de um ou outro método estão na boca do povo. Quem teve experiências positivas fala em tom de recomendação. Mas é preciso cuidado. A Revista do Correio aproveita o gancho do Dia Mundial de Combate ao Câncer, lembrado em 8 de abril, para entender o que a medicina e áreas afins realmente sabem sobre a ligação entre alimentação e câncer, um assunto cheio de mitos.

Sabe-se que cuidados com a dieta fazem parte da vida de quem está em tratamento e em manutenção do câncer, fase que não dá para descuidar. Agora, quando se fala em prevenção, o Instituto Americano de Pesquisa do Câncer estima que de 30% a 50% de todos os casos da doença são evitáveis com a adoção de estilos de vida saudáveis. Aqui no Brasil, essa informação é reforçada pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca).

O câncer não é uma escolha, mas é importante entender que a interação, ao longo do ciclo de vida, entre os hábitos da pessoa e o que se chama de estado metabólico do hospedeiro — que é a informação genética que ela carrega —, são fundamentais para a proteção ou susceptibilidade ao desenvolvimento do tumor.

E quando falamos de hábitos alimentares que levariam a uma tendência ao câncer, a médica nutróloga Marcella Garcez (@dra.marcellagarcez) afirma que poucas são as associações apoiadas por evidências robustas e altamente sugestivas. Ainda assim, sabe-se que o consumo de álcool tem relação com risco de câncer de mama, colorretal, esofágico, de cabeça e pescoço e fígado na pós-menopausa.

Enquanto que, veja só, o consumo de laticínios, leite, cálcio e grãos integrais está inversamente associado ao risco de câncer colorretal , assim como o consumo de café está inversamente associado ao risco de câncer de fígado e carcinoma de pele.

Alessandra Leite, oncologista clínica do Centro de Oncologia e Hematologia do Hospital Santa Lúcia, lembra que, por mais que existam hábitos nocivos, é o conjunto da obra que importa. "Isso acontece com o álcool. É comum vermos pessoas que não só bebem, também fumam, usam hormônios, por aí vai", exemplifica.

Vemos, então, que não há um hábito que mande alguém direto para o grupo dos que terão a doença, quanto mais um alimento que faça isso. Mas o que se costuma comer pode funcionar, sim, como um fator a mais. Uma dieta considerada americanizada, regada a fast food, carnes assadas na brasa com gordura, embutidos, muitos molhos, produtos com conservantes e conteúdo calórico é um perigo. E isso vale não só para o câncer, mas para infarto, derrame e diabetes.

E o que mais coloca a saúde em risco? Quais estratégias implementar no cardápio? Máxima do universo saudável, adiantamos que o equilíbrio vem se mostrando o melhor caminho.

O processo de formação de um câncer é o resultado de uma complexa interação entre dieta, nutrição, atividade física e outros fatores ambientais e de estilo de vida com fatores do hospedeiro
O processo de formação de um câncer é o resultado de uma complexa interação entre dieta, nutrição, atividade física e outros fatores ambientais e de estilo de vida com fatores do hospedeiro (foto: Instituto Nacional de Câncer (Inca))

O dilema da carne

Sobre a carne vermelha, não é que ela seja uma vilã absoluta, mas costuma ser preparada com muito sal, sob altas temperaturas e, por ser mais gordurosa, torna a digestão demorada, por isso que pessoas que comem muita carne tendem a ter intestino preso. "E, ao longo do tempo, comer bife todos os dias, duas vezes ao dia, aliado a alguns outros elementos, pode predispor a câncer de intestino", sinaliza Alessandra Leite.

Aos que não vivem sem carne, a médica diz que não é preciso suspender, mas é fundamental variar o consumo com peixes e frangos. "A carne vermelha tem benefícios. Mais ferro do que outras proteínas, vitaminas do complexo B, mas, pelas razões que elencamos, precisa aparecer de forma balanceada no cardápio."

Carboidrato é vilão?

Um outro tópico costuma aparecer quando a pauta é nutrição e câncer: o de que o carboidrato deixa o corpo mais suscetível à doença. A verdade, desmistifica Alessandra Leite, é que o consumo excessivo de carboidrato leva à liberação da insulina, que é um hormônio normal e necessário, mas que, na tentativa de reduzir o aumento da glicose, começa a aparecer mais do que deveria.

"A insulina é produzida e liberada toda vez que comemos, porque ela quebra os alimentos e quebra a glicose no sangue. Então, não é que ela seja pró-câncer, mas, quando se come muita farinha branca, arroz e outros carboidratos do tipo, ela é liberada em excesso e é essa repetição não faz bem."

Jejum intermitente

O jejum, feito desde os primórdios da medicina, tem ganhado cada vez mais adeptos, por motivos de saúde. Na comunidade científica, ganha relevância por causa da evolução dos índices de obesidade no mundo
O jejum, feito desde os primórdios da medicina, tem ganhado cada vez mais adeptos, por motivos de saúde. Na comunidade científica, ganha relevância por causa da evolução dos índices de obesidade no mundo (foto: Holding Comunicações)

E a estratégia de jejuar de Pedro Scooby? Marcella Garcez aponta que estudos pré-clínicos e ensaios mostraram que o jejum intermitente apresenta mesmo benefícios de amplo espectro para muitas condições, como obesidade, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, cânceres e distúrbios neurológicos. "Modelos animais mostram que ele melhora a saúde ao longo da vida, resta determinar se as pessoas podem mantê-lo por anos e, potencialmente, acumular os benefícios observados."

Os efeitos do jejum envolvem trocas metabólicas e resistência ao estresse celular. A hipótese mais estudada é de que a restrição alimentar, em protocolos de 16 a 48 horas, pode estar relacionada com a modulação da autofagia, um fenômeno de degradação e reciclagem que as células usam para eliminar toxinas.

Mediterrânea

Um outro padrão de dieta que vem se destacando é a dieta mediterrânea, típica da região da Grécia e do sul da Itália. Para alguns especialistas, ela seria a mais próxima de uma dieta ideal em termos de manutenção da saúde. Muita carne de porco, carne vermelha grelhada e pouco gordurosa, ensopados, cereais e um pouco de vinho — o que, na verdade, revela uma visão alcoólica moderada e de baixa quantidade. O hábito de frequentar feiras também ajuda a garantir ingredientes frescos e de produção local, sem agrotóxicos.

Cetogênica

Em julho do ano passado, um estudo publicado na revista médica da American Academy of Neurology avaliou a segurança da dieta cetogênica, rica em gordura e pobre em carboidratos, no tratamento de tumores cerebrais. A dieta mostrou-se segura e viável para pessoas com tumores cerebrais chamados astrocitomas, que poderiam ser de baixo ou alto grau.

"Não há tratamentos curativos para esses tipos de tumores cerebrais e as taxas de sobrevivência são baixas, portanto, avanços são bem-vindos. Todas as pessoas haviam completado o tratamento de radioterapia e quimioterapia e, entre elas, a dieta levou a mudanças no metabolismo do corpo e do cérebro." O estudo não determinou se a dieta poderia retardar o crescimento do tumor ou melhorar a sobrevida, mas testou a segurança nesse caso.

O prato do brasileiro

Haveria uma vantagem brasileira em comparação aos Estados Unidos, pela abundância de vegetais e frutas e o costume de comer salada por aqui? A oncologista Alessandra Leite entende que sim. A dieta estadunidense é considerada mais tóxica nesse caso. Entretanto, é como se o nosso lucro estivesse limitado a essa comparação. É que alguns pontos da alimentação brasileira pedem atenção: a mistura de carboidratos  excesso de sal consumo de carne vermelha acima da média mundial, com muitas carnes queimadas na brasa, como cupim e picanha.

A dupla de cereais continua sendo a base da alimentação do brasileiro, mas a facilidade no consumo de fast-food vem tomando espaço
A dupla de cereais continua sendo a base da alimentação do brasileiro, mas a facilidade no consumo de fast-food vem tomando espaço (foto: Monique Renne/CB/D.A Press - 3/11/10)

 

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  • Alimentos antioxidantes e anti-inflamatórios fazem parte do cardápio indicado para reduzir o risco de neurodegeneração
    Alimentos antioxidantes e anti-inflamatórios fazem parte do cardápio indicado para reduzir o risco de neurodegeneração Foto: Reprodução/Pinterest
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    De acordo com o estudo, comer apenas no período ativo resultou em perda de peso dos roedores Foto: Holding Comunicações
  • O processo de formação de um câncer é o resultado de uma complexa interação entre dieta, nutrição, atividade física e outros fatores ambientais e de estilo de vida com fatores do hospedeiro
    O processo de formação de um câncer é o resultado de uma complexa interação entre dieta, nutrição, atividade física e outros fatores ambientais e de estilo de vida com fatores do hospedeiro Foto: Instituto Nacional de Câncer (Inca)
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