Encontro com o Chef

Juscelino, que não é Kubitschek: um paulistano de coração brasiliense

Batizado de Juscelino em homenagem a JK, dono de restaurantes em São Paulo recebe convite para abrir filial na capital e, assim, mesmo por acaso, realizou o sonho do avô

Sibele Negromonte
postado em 24/04/2022 08:00 / atualizado em 24/04/2022 17:58
 (crédito: Fotos: Divulgação/Piselli Brasília)
(crédito: Fotos: Divulgação/Piselli Brasília)

A ligação de Juscelino Pereira com Brasília vem de antes mesmo do seu nascimento. Admirador e cabo eleitoral de Juscelino Kubitschek, o avô dele conseguiu convencer os pais do garoto a batizá-lo com o nome do político. O menino, nascido no interior de São Paulo, cresceu ouvindo seu Vicente Tavico falar das maravilhas do xará famoso e do feito que foi criar uma cidade do nada, no meio do cerrado. O paulistano mal sabia que, anos depois, sua vida se cruzaria com a capital.

Mas, antes de abrir uma filial do Piselli, restaurante localizado no Iguatemi Shopping, em terras candangas, Juscelino trilhou um longo caminho. Criado em um sítio em Joanópolis, região da Serra da Mantiqueira, ele ajudava, desde criança, o pai na loja de secos e molhados que a família mantinha na cidade. Mas o garoto sonhava em progredir, ganhar o mundo e, quem sabe, virar empreendedor.

Um dia, quando tinha 17 anos, Juscelino acordou com uma ideia fixa: cultivaria ervilhas nas terras da família. Pegou todo o dinheiro que tinha guardado, comprou as sementes, o adubo e começou a plantação, que cresceu como o esperado. Foi a Bragança Paulista, cidade grande vizinha, e fez a pré-venda dos produtos.

No dia da colheita, convocou parentes e amigos para ajudá-lo, encheu o caminhão de um tio com os 400kg de leguminosa e seguiu para o ponto de venda. O comprador abriu uma das sacas, mexeu, remexeu, analisou atentamente e foi taxativo: todas as ervilhas estavam estragadas. "Ele me explicou que eu tinha plantado ervilha torta, que eu nem sabia que existia. Como ela deve permanecer na vargem, eu deveria ter colhido um mês antes. Ele disse que, se eu tivesse feito a colheita na época certa, até ganharia mais dinheiro, pois ela custa bem mais do que o tipo vendido em grãos."

Juscelino voltou arrasado para casa. Decidiu, então, dar um rumo completamente diferente à vida. "Havia um senhor que passava temporada em Joanópolis, era dono de um restaurante em São Paulo e sempre me chamava para trabalhar com ele. Decidi aceitar o convite." Na semana seguinte, lá foi ele rumo à cidade grande, onde se tornou o braço direito do patrão. "Era um restaurante simples, no centro de São Paulo, e eu fazia de tudo lá."

A vontade de crescer profissionalmente, porém, levou o rapaz a buscar outras oportunidades. "Surgiu a chance de trabalhar como garçom no Jockey Club de São Paulo. Era um restaurante francês, sofisticado. Foi o meu primeiro contato com a alta gastronomia", recorda-se.

Os colegas, porém, explicavam a ele que, para crescer na profissão, tinham que trabalhar em uma das casas chiques dos Jardins. "Fiquei interessado em conhecer esse Jardins que tanto falavam." Foi assim que Juscelino chegou à Alameda Lorena, onde conseguiu emprego em um restaurante. Interessou-se por vinhos e sua harmonização com a comida e decidiu se especializar. Em pouco tempo era maître sommelier.

Ambicioso, o rapaz não se contentaria com menos que o melhor. E assim chegou ao Fasano, o mais conceituado restaurante da região. Foi contratado como segundo sommelier e ganhando mais e mais experiência. Viajou à Itália para fazer cursos de vinho e foi se interessando pela gastronomia do país europeu. Quando o Gero, do Grupo Fasano, abriu as portas, coube a Juscelino a missão de ser o maître sommelier. Tempos depois, tornou-se gerente da casa.

A chegada a Brasília

Quando estava próximo a completar 35 anos, uma inquietação tomou conta de Juscelino. "Meu avô costumava dizer que, aos 35, a pessoa precisa já estar com a vida arrumada. Eu tinha um bom emprego, era bem pago para fazer o que gostava, mas o meu espírito empreendedor falou mais alto."

Com a experiência acumulada no Grupo Fasano e as especializações enogastronômicas feitas na Europa, Juscelino achou que estava na hora de dar um passo maior e abrir o primeiro restaurante. Conseguiu um excelente ponto nos Jardins, que só precisaria de uma pequena reforma para abrir as portas. Mas faltava o nome. "Estava na aula de italiano quando o professor falou a palavra 'piselli. Perguntei o que significava e ele explicou que era 'ervilha'." Parecia coisa do destino, o nome estava escolhido. Em 31 de julho de 2004, no aniversário de 35 anos, Juscelino inaugurava o primeiro restaurante.

Desde o início, a casa foi um sucesso. "Eu tinha um caderninho em que anotava nomes e telefones dos meus clientes. Estava fazendo network sem saber", diverte-se. E eles passaram, em peso, a frequentar o Piselli. Um dia, um desses clientes, o empresário Carlos Jereissati, dono do Shopping Iguatemi, fez um convite: o restaurante Gero da unidade da Faria Lima estava fechando as portas e ele queria que Juscelino abrisse uma filial do Piselli lá.

A princípio, o restaurateur não pretendia expandir os negócios, mas a oportunidade era irrecusável. "Montei um cardápio diferente, mais voltado para o sul da Itália, com uma pegada mais leve, como muitos frutos do mar, e chamei o local de Piselli Sud." O menu da matriz, explica, traz fortes referências do norte italiano.

Mas a maior surpresa ainda estaria por vir. Em 2021, em plena pandemia, Juscelino recebeu uma nova oferta: desta vez, para abrir um Piselli em Brasília, no Iguatemi. "Eu não podia recusar este convite. Brasília tem tudo a ver com a minha história." O empresário, inclusive, lembra com muito carinho do dia em que trouxe o avô para conhecer a capital. "Chegamos cedinho e visitamos toda a cidade. Almoçamos no Piantella, na mesa de Ulysses Guimarães. Foi a realização de um sonho para ele", conta, emocionado.

E como nada parece acontecer por acaso na vida de Juscelino, um convite para abrir uma filial do Piselli na sede da Associação Comercial do Estado de São Paulo, também no ano passado, levou o paulistano a fazer uma viagem de volta ao começo da carreira. "Meu primeiro emprego foi no centro da cidade. Hoje, fico muito feliz de estar fazendo parte desse processo de revitalização da região."

Com a abertura do Piselli na capital, Juscelino faz questão de estreitar os laços com Brasília. Todos os meses ele vem à cidade, onde, inclusive, criou um clube, formado por clientes daqui, que se reúne no restaurante toda última quarta-feira do mês. Ele tem, ainda, mantido contato com produtores locais. "Conheci as vinícolas da região do Padf e, hoje, o cordeiro servido no restaurante vem da Fazenda Ercoara", exemplifica.

E, mesmo sem imaginar, Juscelino parecia estar predestinado a dividir parte de sua história com Brasília. Seu Antônio Vicente Tavico, certamente, ficaria orgulhoso.

Risotto Piselli

Receita do Risotto Piselli, do Restaurante Piselli
Receita do Risotto Piselli, do Restaurante Piselli (foto: Restaurante Piselli/Divulgação)

Ingredientes
500g de arroz carnaroli
50g de cebola
150g de manteiga
1 litro de caldo de legumes
200ml de vinho branco
200g de ervilha torta
200g de ervilha fresca em grãos
200g de queijo gorgonzola
200g de queijo parmesão

Modo de preparar
Branqueie a ervilha torta e corte em fatias de 1cm aproximadamente. Para branquear, basta colocar a leguminosa em água fervente por três a quatro minutos e, na sequência, em água gelada para estancar o cozimento e manter a coloração do alimento mais viva.

Corte a cebola em cubos bem pequenos e, numa panela grande, refogue com duas colheres de manteiga. Quando a cebola estiver murcha e começando a dourar, coloque o arroz carnaroli e refogue.

Coloque o vinho branco e, aos poucos, o caldo de legumes até atingir uma consistência al dente. Não deixe de mexer e não deixe secar. 

Quando estiver al dente, coloque os demais ingredientes na seguinte sequência: ervilha torta, ervilha em grãos, queijo gorgonzola, queijo parmesão e o restante da manteiga. Ajuste o sal e continue regando com conchas de caldo de legumes até todos os ingredientes se misturarem bem e atingir uma consistência cremosa.

Rendimento: 4 pessoas

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    Revista - Encontro com o chef - Juscelino Pereira, dono do restaurante Piselli Foto: Fotos: Divulgação/Piselli Brasília
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    Receita do Risotto Piselli, do Restaurante Piselli Foto: Restaurante Piselli/Divulgação
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    Revista - Encontro com o chef - Receita do Risott Piselli Foto: Divulgação Piselli Brasília
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