Especial

Setembro Amarelo: conheça linhas terapêuticas para cuidar da saúde mental

Neste Setembro Amarelo, mostramos a importância de se buscar acompanhamento profissional para se autoconhecer e superar os próprios problemas

Carolina Marcusse* e Luna Veloso*
postado em 11/09/2022 07:00
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

A saúde mental tem constante motivo de discussão na família, na escola e no trabalho. A preocupação com o tema se agravou ainda mais com a pandemia, já que dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam aumento em quadros de depressão e ansiedade logo no primeiro ano da crise sanitária. Nesse contexto, o acompanhamento terapêutico se faz essencial, visto que é um tratamento eficaz para a maior parte dos transtornos mentais em estado leve e moderado.

Em junho, a OMS divulgou a maior revisão sobre a saúde mental mundial desde a virada do século. De acordo com a pesquisa, em 2019, cerca de 1 bilhão de pessoas ao redor do globo viviam com algum transtorno mental. Levando os dados em consideração, fica clara a importância da conscientização sobre os distúrbios que afetam a saúde humana e a quebra de estigmas sobre buscar o apoio psicológico adequado.

Este mês, uma campanha visa promover a prevenção do suicídio e a valorização da vida. O Setembro Amarelo, para a psicóloga Priscila Minervino, é importante trazer consciência sobre a saúde mental. "É preciso que falemos urgentemente sobre algo que ainda é velado ou visto como frescura, mas tem aumentado cada vez mais. O sofrimento psíquico mata e precisamos falar sobre isso", afirma.

Além de trazer o assunto à tona com responsabilidade, é necessário que o autoconhecimento e a atenção psicológica cheguem a cada vez mais pessoas. Para isso, existem diversas abordagens terapêuticas existentes, como a psicanálise, a terapia cognitivo comportamental, o EMDR e a análise junguiana, para citar alguns exemplos.

Com diferentes formas de tratamento, pode ficar a dúvida qual linha terapêutica é melhor ou mais efetiva. No entanto, Priscila explica que não funciona dessa forma. "O que existe, sim, é a identificação da pessoa com o tipo de abordagem que lhe fizer mais sentido, além do vínculo estabelecido com o psicoterapeuta, que é fundamental para o trabalho de autoconhecimento e melhora do quadro de sofrimento psíquico", esclarece.

Por isso, ao não se identificar com um profissional ou uma abordagem, é possível procurar outro psicólogo que olhará para a dor de outra forma, que pode se encaixar melhor com o perfil da pessoa. Segundo a psicóloga Priscila, o que diferencia as abordagens entre si é o método utilizado por cada uma. E faz uma grande diferença, pois indica de que forma o terapeuta vai guiar o processo. A Revista explica algumas dessas linhas.

Análise junguiana

A análise junguiana, abordagem adotada por Priscila, consiste em facilitar a ampliação da consciência de uma pessoa dentro de seu processo de desenvolvimento psicológico. O que a diferencia, principalmente, é o trabalho com o inconsciente: "Trabalha com a ampliação da simbologia dos sonhos, das sincronicidades, dos atos falhos, dos sintomas físicos, das expressões artísticas e também dos processos religiosos", detalha a psicóloga.

Iniciada por Carl Gustav Jung, vem para ajudar o indivíduo a se tornar consciente de si mesmo e dos aspectos inconscientes que o atravessam, desenvolvendo prontidão para direcionar sua vida de forma mais autêntica e plena. "O conceito-chave da psicologia analítica, profunda ou complexa é a individuação, ou seja, o processo de tornar-se quem se é. Diante desse processo, lidamos com a ampliação de consciência, com o ego, as personas (máscaras sociais), a sombra, os complexos, os arquétipos, o inconsciente pessoal e o coletivo", explica Priscila.

A artista plástica Victoria Serednicki começou a fazer terapia neste ano: mais atenta às próprias percepções
A artista plástica Victoria Serednicki começou a fazer terapia neste ano: mais atenta às próprias percepções (foto: Arquivo pessoal)

O trabalho essencial do psicoterapeuta é a escuta empática. É a partir desse trabalho minucioso que se pode desenvolver o processo psicoterápico e transformador em qualquer idade ou realidade. É com esse propósito que Victoria Serednicki, 26 anos, começou a fazer o acompanhamento há cerca de sete meses. A artista plástica conta que decidiu pela análise junguiana para aprofundar seu autoconhecimento e por se tratar de uma linha que trabalha bastante com análise de símbolos, sonhos e imagens — o que dialoga com sua principal forma de expressão, a arte.

Com consultas semanais, chega à conclusão de que a terapia contribuiu, principalmente, para que ela se tornasse mais atenta às próprias percepções diárias. "De forma geral, sou uma pessoa bem mais consciente e conectada ao tempo presente, depois que comecei a terapia", pondera. Além do próprio desejo de acessar cada vez mais sua essência, foi incentivada pela melhor amiga, que já se consultava há um tempo, a começar o acompanhamento.

Sem nenhum arrependimento de ter começado e com a certeza da transformação que tem sido causada pelo cuidado terapêutico, Victoria pretende continuar com a terapeuta que a faz sentir confortável e capaz de ser sincera consigo mesma. Ainda influencia em seu trabalho e produções: "Contribui para que eu tenha mais clareza do meu propósito como artista. Ajuda na busca de sentido e na percepção crítica do que já desenvolvi e ainda busco desenvolver".

Psicanálise

Uma das abordagens mais conhecidas é a desenvolvida por Sigmund Freud. A psicanalista Anny Caroline Martins explica que se trata de uma abordagem teórico-clínica que aponta para a natureza inconsciente da vida psíquica e para o reconhecimento de uma sexualidade que é vivida enquanto traumática, pois não há recursos simbólicos que deem conta de atribuir um sentido completo para a experiência de satisfação.

Segundo Anny, a grande diferença da abordagem da psicanálise é a habilidade de reconhecer e romper com ideais a partir da voz do inconsciente, na qual a individualidade de cada um é valorizada. A abordagem clínica é feita de modo em que se escute e interprete o sujeito, cada profissional com sua angulação, trazendo consistência e proteção para o paciente.

"A partir da queixa inicial, em que o indivíduo tenta traduzir sua angústia em uma narrativa, as sessões abrem espaço para as associações livres do analisando, que são repletas de contradições, afetos, sonhos e traumas", destaca Anny.

Nesse acompanhamento, o próprio paciente precisa se colocar disposto a trazer para as sessões o conteúdo a ser analisado, para, assim, o profissional reconhecer a origem do sofrimento e ir atribuindo sentido a ele. Uma parte importante sobre essa linha de tratamento é a postura ativa do psicólogo. O trabalho percorre o diálogo guiado — perguntas e respostas —, pontuações, interpretações, auxiliando no entendimento do paciente sobre si mesmo.

Todas as abordagens apresentam limites, assim como cada profissional, e não existe metodologia mais adequada para cada sintoma, segundo a psicanalista. "Eu espero que independentemente da abordagem, o ponto comum seja a construção de um espaço que permita o acolhimento do sofrimento, em vez do exorcismo forçado dele, que, muitas vezes, é o que ocorre a nível sociocultural, quando entregamos soluções imediatistas", pontua.

A mudança vem quando a pessoa se transforma em um ato questionador das questões: "Essa virada ocorre com muita resistência, pois o desvelar desta cena envolve articulações das quais o sujeito, muitas vezes, não quer saber", pontua Anny.

Não há momento ideal da vida para o início na análise, pois essa não pode ser feita de maneira forçada. "Quando o sujeito se sentir mais confortável e autorizar, internamente, será possível dar início ao tratamento", acredita a psicanalista.

Os sintomas, muitas vezes, não são claros e, para a psicanálise, eles são camuflados nos desejos do inconsciente. "Mesmo experienciando o sintoma com dor, o sujeito não o abandona facilmente, pois há forças psíquicas imperando para que ele permaneça. Nessa perspectiva, em que o sintoma é interpretado enquanto uma produção simbólica e singular, o trabalho caminha no sentido de elaborar e integrar isso que se apresenta", explica.

Terapia cognitivo-comportamental

Outra abordagem muito difundida no país é a terapia cognitivo-comportamental, conhecida como TCC. "Seu principal foco é o momento atual de vida do paciente. Logo no início do tratamento, paciente e psicólogo constroem, colaborativamente, objetivos a serem alcançados — a partir da avaliação dos problemas trazidos por ele", detalha a psicóloga Raphaela Brandão a metodologia.

Psicóloga do Centro de Psiquiatria e Psicologia Van Gogh, ela completa que a abordagem, assim como outras dentro da psicologia, tem sua efetividade validada por evidências científicas. A principal diferença com relação a outras abordagens é que ela é uma terapia limitada com tempo. "Tem início, meio e fim. Seu grande objetivo é oferecer habilidades para que o paciente possa se tornar seu próprio terapeuta", esclarece Raphaela.

A principal premissa desse tipo de intervenção é que não são as situações que determinam os comportamentos e sentimentos, mas o significado atribuído a essas situações. O atendimento parte do pressuposto de que cada pessoa é única e de que cada olhar é formado ao longo de um conjunto de experiências, cultura e condição social. "A forma como interpretamos o mundo é totalmente peculiar e subjetiva e influencia nossa visão de nós mesmos e de todas as outras coisas", completa.

Bruno Henrique (e)  com a mãe, Lilian,  o pai, Arlen, e irmã, Maria Eduarda: toda  a família faz terapia
Bruno Henrique (e) com a mãe, Lilian, o pai, Arlen, e irmã, Maria Eduarda: toda a família faz terapia (foto: Arquivo pessoal)

O tratamento busca auxiliar o paciente a reestruturar seus padrões de pensamento para que ele consiga mudanças a longo prazo. É o caso de Bruno Henrique Ferreira, 23 anos, que começou o processo terapêutico em 2019, após uma fase com estresse, dúvida e ansiedade no período que iniciou a faculdade. Apesar de ter começado pelo momento particular que vivia, percebeu que a terapia era importante para outros aspectos de sua vida, por isso, manteve como uma constante nos anos que seguiram.

O designer conta que tem muitos amigos que frequentam o consultório psicológico e, ao vê-lo em sofrimento, recomendaram procurar ajuda profissional. Agora formado, percebe que a terapia vem ajudando em todas as fases de sua vida. "Para mim, é uma base importante. Vem me tornando uma pessoa mais consciente sobre mim e o próximo, mas, principalmente, sobre minhas atitudes e sentimentos", compartilha.

Além da sua experiência pessoal com a terapeuta da linha de TCC, conta que os pais já tiveram suas experiências próprias com o acompanhamento. "Percebo que ajuda na dinâmica dentro de casa. Melhorou muito a questão da comunicação e do convívio", afirma Bruno. Ao trabalhar nas próprias questões, todos contribuem para uma relação mais saudável e harmônica.

Influência positiva

Em consonância com tal pensamento, Letícia Maia, 27 anos, afirma que, por fazer terapia, você pode, sim, ser a influência positiva para que o outro também olhe para si. "As pessoas enxergam seu processo de mudança, de autoaperfeiçoamento, e você acaba influenciando os ambientes que frequenta", conta.

A antropóloga começou a fazer análise aos 12 anos, quando teve um quadro de síndrome do pânico. No consultório, foi onde pôde ter um contato mais profundo com suas emoções, entendendo a raiz de seus medos e os trabalhando. Além do atendimento psicológico, começou a meditação e a utilizá-la como uma importante ferramenta para desacelerar. Mesmo 15 anos depois, conta que nunca parou de meditar, pois, para Letícia, é uma prática essencial.

A antropóloga Letícia Maia  faz terapia desde  os 12 anos
A antropóloga Letícia Maia faz terapia desde os 12 anos (foto: Arquivo pessoal)

"A terapia, no geral, foi fundamental, hoje consigo controlar mais meu lado ansioso, as crises diminuíram consideravelmente. Mudou muito a minha vida, e, como tudo, é um processo contínuo. A gente tá sempre se aperfeiçoando, então espero nunca deixar a terapia", pondera. Para Letícia, os principais aprendizados foram o autoconhecimento, conhecer o que desencadeia crises e o maior controle da ansiedade.

Devido à sua própria experiência, recomenda fortemente a terapia: "Dessa forma, você consegue identificar melhor os seus padrões. Você percebe que é um ser humano único, com experiências, defeitos, qualidades e limitações também únicas. E, a partir dessa percepção, você consegue se melhorar, se tornar uma pessoa melhor, se conhecer melhor".

Para se consultar, não existem restrições de idade ou personalidade, pois a psicoterapia pode ter impacto positivo em diversos aspectos, desde orientação vocacional até crises mais profundas. E, hoje, após um período de confinamento, ainda existe a possibilidade do atendimento on-line, que encurta as distâncias físicas e torna mais simples de ajustar o cuidado na agenda. "Para aqueles que têm vontade de se conhecer melhor e viver com a consciência mais ampliada, o momento é sempre agora", afirma a psicóloga Priscila Minervino.

*Estagiárias sob a supervisão de Sibele Negromonte

 

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    A antropóloga Letícia Maia faz terapia desde os 12 anos Foto: Arquivo pessoal
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a família faz terapia
    Bruno Henrique (e) com a mãe, Lilian, o pai, Arlen, e irmã, Maria Eduarda: toda a família faz terapia Foto: Arquivo pessoal
  • Maurenilson Freire
    Maurenilson Freire Foto: Maurenilson Freire
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