Especial

A cultura negra: o futuro ancorado em raízes milenares e na ancestralidade

A cultura negra, em suas diversas manifestações, faz parte do Brasil desde o início da formação do país. Conforme seguimos em frente, é necessário valorizar a ancestralidade, preservada por brasilienses pretos

Ailim Cabral e Carolina Marcusse*
postado em 27/11/2022 06:00
 (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A.Press)
(crédito: Carlos Vieira/CB/D.A.Press)

Um conjunto de estruturas sociais, religiosas, intelectuais e artísticas que caracterizam um grupo ou sociedade é uma das definições de cultura. O termo também engloba normas de comportamento, saberes, hábitos e crenças que diferenciam um grupo de outro. Aqui entram a música, a gastronomia, a moda, o artesanato, os acessórios e tantas outras formas de expressão.

E, quando se fala em grupo ou sociedade, é possível fazer os mais diversos recortes. Um deles se refere à cultura negra. Englobando pessoas e grupos sociais de diversos países, não apenas do continente africano, entre eles o Brasil, essa é uma cultura extremamente rica e diversa, apesar do apagamento histórico pelo qual passou.

Embora marcada pela diversidade, existem alguns aspectos comuns à cultura negra, independentemente de ser, por exemplo, senegalesa, congolesa ou brasileira. A valorização dos cabelos afro, incluindo os diferentes modelos de tranças e as modelagens de black power; as cores vivas aliadas às estampas; as músicas com forte referências de batuque; a gastronomia rica em temperos e sabores e as raízes religiosas com ligações com a natureza são alguns desses elementos.

O Mês da Consciência Negra, celebrado em novembro, é um dos momentos específicos para dar atenção ao tema, que não deve, no entanto, ser esquecido ao longo do ano, como pontua Saulo Pequeno, antropólogo do Centro Universitário de Brasília (Ceub).

26/11/22 - Revista do Correio - Cultura negra
26/11/22 - Revista do Correio - Cultura negra (foto: Unsplash/Reprodução)

O professor comenta que a sociedade brasileira foi constituída em cima de uma série de apagamentos, estratégicos para as relações de poder em estruturas racistas. Lutando contra esse cenário histórico, evidenciar, manter e trazer para a visibilidade as culturas negras, em suas mais variadas formas de apresentação, faz-se mais do que necessário.

"Precisamos mostrar que essas pessoas e culturas existiram no passado e existem no presente. Esses modos de vida são essenciais para manter laços fraternais e comunitários entre pessoas negras, mantendo também esses laços com a própria história e cultura", explica.

O antropólogo ressalta que, embora seja de extrema importância rastrear as raízes ancestrais e buscar as referências que se perderam, a cultura negra não é algo que se precise buscar ou idealizar, mas, sim, trazer visibilidade. Saulo afirma que a cultura negra está no Brasil desde a chegada do primeiro navio que trazia negros escravizados, exemplificando que poucos anos depois nascia o primeiro quilombo registrado. "A resistência negra contra a opressão começou imediatamente, e persiste até hoje."

26/11/22 - Revista do Correio - Cultura negra
26/11/22 - Revista do Correio - Cultura negra (foto: Unsplash/Reprodução)

Pelo fim do apagamento

O Brasil, em sua identidade, nasce como uma nação diaspórica e, embora a cultura negra esteja em sua origem, sofre processos de embranquecimento desde o Brasil Colônia. Saulo menciona a tentativa de ressignificação de receitas africanas, transformando-as em somente brasileiras, negando sua origem negra, como no caso do acarajé.

A música passa por processo semelhante, uma vez que os ritmos, cânticos e instrumentos também podem passar por processos de descaracterização com relação aos seus criadores. No caso da moda e da estética, o processo é mais complexo, uma vez que é mais difícil dissociar os símbolos da cultura africana dos rostos e corpos negros.

18/11/2017 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Revista. Coluna Photo&Grafia. O Festival Sao Batuque reune varios gurpos de batuqueiros e maracatu no Conic para comemorar o dia da Consciencia Negra.
18/11/2017 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Revista. Coluna Photo&Grafia. O Festival Sao Batuque reune varios gurpos de batuqueiros e maracatu no Conic para comemorar o dia da Consciencia Negra. (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Ao resgatar as referências negras desses elementos culturais, Saulo afirma que se inicia um processo de restauração da riqueza cultural africana e afro-brasileira, conectando o presente com as múltiplas referências do passado, que, embora tenham sofrido inúmeras tentativas de apagamento, resistiram.

"Essa cultura já faz parte do nosso cotidiano, como nos grupos de capoeira e nas centenas de terreiros de umbanda e candomblé mapeados no DF. É uma cultura que está aqui e precisamos trabalhar para que o apagamento deixe de existir", afirma.

Indo além, absorvendo o conceito de cultura e o elevando a um papel muito maior do que apenas estética, alimentação ou arte, Saulo explica que não basta a valorização da estética negra se não há a valorização do indivíduo como alguém detentor de direitos.

26/11/22 - Revista do Correio - Cultura negra
26/11/22 - Revista do Correio - Cultura negra (foto: Unsplash/Reprodução)

"Não queremos estar na capa da revista e continuar ocupando um quartinho de empregada. Não queremos estar na televisão se em em uma loja só podemos trabalhar atrás do balcão. Não é uma reivindicação por representação ou identitarismo, como se isso bastasse. Tudo isso vem acompanhado de processo cultural, político e trabalhista, visto pela população negra como um processo só", completa.

Um toque africano no quadradinho

Seguidores de uma religião de matriz africana, a família de Carla Taquari, 48 anos, encontrou na loja Toque Africano uma maneira de conhecer mais sobre os símbolos usados em seus ritos e expandir esse estudo para outras áreas da cultura negra. De um interesse pessoal e de uma demanda ainda pouco atendida, surgiu a ideia de criar a empresa, onde é possível encontrar toda a sorte de itens vindos do continente africano, além de outros criados no Brasil e peças autorais. “Nós vemos a loja como uma forma de levar um pedaço da África para todo mundo”, comenta Carla.

Junto com os objetos ritualísticos, a família começou a investir em moda, com roupas e turbantes, leques, e no artesanato, trazendo esculturas e outros itens de decoração. Além de comercializar as peças, Carla conta que eles buscam estudar a origem de cada uma delas, explicando para os clientes seus significados, com o intuito de promover a diversidade cultural e alimentar o comércio sem esvaziar os símbolos ancestrais.“É uma forma de manter esse equilíbrio. Fortalecer a diversidade cultural, honrar essa herança evidenciando as raízes africanas, promovendo essa cultura no Brasil e, ao mesmo tempo, garantindo um meio de vida por meio do comércio”, acredita.

 23/11/2022. Crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press. Revista. Cultura negra em Brasília. Carla Mendes Taquari e Amanda Taquari da loja Toque Africano.
23/11/2022. Crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press. Revista. Cultura negra em Brasília. Carla Mendes Taquari e Amanda Taquari da loja Toque Africano. (foto: Carlos Vieira/CB/D.A.Press)

A curadoria, segundo Carla, é feita pensando no gosto do público, que é bastante diverso. As mulheres jovens costumam demonstrar mais interesse nos turbantes, enquanto as mais velhas adoram as batas. O público masculino prefere os conjuntos. Outro ponto de atenção na escolha dos itens é trazê-los de diferentes países da África, garantindo, assim, que pessoas que se identificam com diferentes grupos e etnias se sintam representadas.

“Por mais que tenhamos muitos pontos em comum, tanto nos países africanos como no Brasil, cada país tem a sua cultura e um olhar diferenciado acerca da própria cultura africana”, completa a empresária. Para Carla e sua família, outra vantagem que veio junto com a Toque Africano é a chance de fazer parte de projetos que abordam a diversidade. Por seu diferencial, a loja é muito procurada por famílias e escolas que trabalham a questão cultural e identitária.

As cores, as formas e seus significados

Maranhense, moradora de Brasília há 24 anos e graduada em história, Verônica Barbosa Jesus Neta, 40 anos, é o nome e a mente criativa por trás da Mina Nagô, marca de acessórios da capital. Durante a graduação, em que, além do currículo do curso, pesquisava e estudava sobre suas raízes afrodescendentes, ela aproveitava para estimular a veia criativa, criando adornos, com os quais presenteava os amigos, que sempre a incentivavam a vender as peças.

Verônica, criadora da Mina Nagô, usando uma de suas peças
Verônica, criadora da Mina Nagô, usando uma de suas peças (foto: Arquivo pessoal )

Depois da formatura, com a falta de emprego e a necessidade de se manter, Verônica resolveu acatar as sugestões. "Conhecia as peças e as técnicas, somei isso ao que aprendi na graduação, nas minhas leituras, e às minhas memórias afetivas do Maranhão. Me aprofundei em questões afro maranhenses e assim nasceu a marca", lembra.

Embora seja professora substituta da Secretaria de Educação do DF, a Mina Nagô continua sendo a fonte de renda garantida de Verônica e o que a permite explorar a própria história, ao mesmo tempo em que incentiva que outras pessoas negras façam o mesmo.

O Tambor de Mina, religião afro-brasileira muito professada no Maranhão, é uma das inspirações que a artista gosta de inserir em suas peças. "É uma maneira de trazer para o meu trabalho algo que me representa e que simboliza as minhas raízes, algo que eu conheço", comenta.

Além do aspecto religioso, o Mina, do nome da marca, veio de uma investigação da história da diáspora. Os povos originários da Costa da Mina se concentraram no Maranhão, e uma das raízes ancestrais de Verônica se relaciona ao povo nagô, de onde veio o restante do nome da empresa.

"Na minha última coleção, inclusive, eu trouxe uma estética forte da Casa das Minas, um templo religioso no Maranhão que foi fundado por uma mulher negra escravizada, que se acredita que tenha sido Nã Agontimé, uma rainha daomeniana", conta.

Representação ilustrativa de como seria a aparência de Nã Agontimé
Representação ilustrativa de como seria a aparência de Nã Agontimé (foto: Reprodução/ Twitter Geek Feminist)

Nessa coleção, chamada Encanto, destacam-se miçangas e contas, usadas, historicamente, nas guias que representam os orixás, adotadas no dia a dia por seguidores das religiões de matriz africana e em rituais e festas religiosas.

Origens

Cada uma das cores escolhidas nos acessórios da coleção representam um orixá. O verde é de Oxóssi, o vermelho de Iansã e o amarelo representa Oxum. As formas geométricas, muito características no trabalho de Verônica, também não são um acaso. Cada formato tem relação com a simbologia afro-religiosa. "São símbolos ancestrais, que comunicam a quais grupos étnicos cada pessoa pertence, indicando qual é o meu local, de onde venho e o que represento. É um ato político nosso."

As peças de Verônica são criadas pensando em mulheres pretas, e ela afirma que, embora não veja problema em mulheres não negras usarem os acessórios da Mina Nagô, faz questão de deixar muito evidente de que as mãos que produzem aqueles adornos são pretas.

  • Mix de pulseiras Onlanla e brincos Onlanla, da Mina Nagô (preço sob consulta) MIna Nagô/Divulgação
  • Colar Terra, da Mina Nagô (preço sob consulta) MIna Nagô/Divulgação
  • Choker Acãs, da Mina Nagô (preço sob consulta) MIna Nagô/Divulgação

"Ao mesmo tempo em que uma pessoa não preta compra esses produtos, ela está alimentando uma pessoa preta. Nas grandes marcas que se apropriam de um símbolo afro, esse lucro vai para a indústria majoritariamente branca e se esgota todo o sentido, se apaga o significado."

Enquanto cria e vende suas peças aprendendo sobre si mesma, Verônica enxerga o processo vivido por ela e outros negros em Brasília como uma maneira de se apoderar e fortalecer a herança ancestral dos povos negros. "É como se olhássemos para o passado, aprendendo com ele e nos alimentando dessa ancestralidade cultural, do nosso legado, e trazendo isso para nosso trabalho, fortalecendo a nossa ocupação dos espaços", acrescenta.

A empresária afirma que essa ocupação acontece há centenas de anos, mas sempre passando por tentativas de apagamento ou embranquecimento de um legado essencialmente preto. "Somos os descendentes desse povo dinâmico que se reinventa enquanto tentam nos apagar. Somos agentes e protagonistas que não aceitam mais que nos tirem essa posição", completa.

Para cada momento um tecido 

Os tecidos vêm do Congo, de Costa do Marfim, de Angola e de outros países da África. De Camarões, além dos panos, veio também o sócio-fundador da Loja Afrikanus, René Mapouma, 32 anos. Os pais dele trabalhavam na embaixada e, há mais de 15 anos, vieram para Brasília. Quando voltaram para Camarões, René e o irmão escolheram ficar na capital brasileira, onde já trabalhavam e tinham novas raízes.

Atuando como professor de inglês e francês, René e uma amiga do Sudão começaram a importar tecidos africanos com cores e estampas que não conseguiam encontrar por aqui e ali e passaram a vender algumas das peças. “Começamos em 2015 e só vendíamos os panos mesmo, sem criar nada com eles. Alguns clientes queriam o tecido, apesar de não saber o que fazer com eles, e ali começamos a dar algumas ideias de turbantes e faixas de cabelo”, lembra.

Sócio-fundador da loja Afrikanus, Renê Mapouma começou o negócio trazendo tecidos da África
Sócio-fundador da loja Afrikanus, Renê Mapouma começou o negócio trazendo tecidos da África (foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Ao perceber que a demanda crescia e os compradores pediam cada vez mais ideias, além dos turbantes e das faixas, René e a sócia resolveram mostrar tudo o que eram capazes de criar a partir daqueles tecidos. Brincos, colares, almofadas e roupas em diversas modelagens começaram a fazer parte do catálogo da Afrikanus.

A criação de peças com DNA africano misturado às referências afro-brasileiras e aos pedidos de cada cliente, que trazem consigo ideias e modelos para suas encomendas, levou a um trabalho ainda mais expressivo no que diz respeito ao fortalecimento da cultura negra.

Ativismo


A Afrikanus começou a promover palestras e workshops com personalidades do ativismo negro, trabalhando os costumes africanos e suas referências estéticas, mostrando as origens e o significado de cada cor e estampa escolhida, além de oficinas de turbante. René reforça a importância desse tipo de iniciativa quando se fala em moda africana. “Nos costumes africanos, nada é feito sem lógica, tudo tem um simbolismo e cada pedacinho representa alguma coisa. Temos tecidos especiais para casamentos, outros que representam o luto, alguns usados em comemoração ao nascimento de bebê e por aí vai”, ensina.

O empreendedor acrescenta que os elementos da natureza, como animais e plantas, fazem parte da identidade da moda do continente, o que acaba sendo reproduzido no Brasil também. René acredita que difundir esse tipo de informação não se limita à estética ou mesmo a entender o que se usa. Vai além, sendo parte de um processo de reconhecimento ancestral.

 22/11/2022. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Cultura negra em Brasília. Renê Mapouma sócio fundador da lija Afrikanus.
22/11/2022. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Cultura negra em Brasília. Renê Mapouma sócio fundador da lija Afrikanus. (foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

“Trazemos elementos para que essas pessoas entendam de onde elas vêm. Para que uma criança com uma trança aqui no Brasil, que a mãe dela aprendeu com a avó, seja a mesma de uma criança na África usa”, exemplifica.

O professor menciona os inúmeros elementos em comum entre a cultura afro-brasileira e a africana, explicando que esses elementos podem surgir com outros nomes e podem ser usados por pessoas que não sabem exatamente de onde eles vieram, que fazem escolhas inconscientes, mas, quando estudam, percebem que são parte da ancestralidade. “Nada disso são apenas coincidências. São as heranças que as pessoas absorveram e, muitas vezes, não sabem de onde. Nosso papel é colocar as coisas em seu devido lugar, mostrar que essa cultura brasileira, embora seja local, tem suas raízes no continente africano e pertence ao povo negro. Hoje, muitos negros conseguem reivindicar o que sempre nos pertenceu”, completa.

Força feminina 

A música também representa um forte elo com a ancestralidade. O samba, embora sem data de surgimento definida, tem registros que datam mais de 100 anos de presença no Brasil. O gênero tem origem na cultura africana e se caracteriza não só pelos inconfundíveis batuques, mas também pela dança ritmada que costuma acompanhar o som.

Cris Pereira, cantora, sambista e mestre em história cultural pela UnB
Cris Pereira, cantora, sambista e mestre em história cultural pela UnB (foto: Thaís Mallon)

Sambista, cantora e mestre em história cultural pela Universidade de Brasília (UnB), Cris Pereira conta que, além de fazer parte da memória coletiva da nação, o samba perpassa sua trajetória pessoal. Nascida em uma família que valoriza a música e com origem carioca e capixaba, canta desde cedo.

Cris começou a soltar a voz em corais, durante o começo da infância e boa parte da adolescência, depois integrou a banda Bascada de Bamba e, oficialmente desde 2005, produz composições autorais e independentes. Em 2013, lançou seu primeiro disco, o Folião de Raça, que conta com participação de Dona Ivone Lara, primeira mulher a assinar um samba-enredo e uma das maiores referências pessoais e musicais de Cris.

O álbum foi indicado ao Prêmio da Música Brasileira e, com 13 canções, demarca o posicionamento de Cris em defesa do samba e da cultura brasileira. Com liberdade para construir seu repertório original, a cantora traz diferentes instrumentos e ritmos para dividirem espaço com sua voz. Por ter uma relação próxima com o jazz, a artista também trouxe alguns elementos do gênero para suas produções.

No mestrado, o foco dos estudos foi na cantora e compositora Leci Brandão, outra inspiração artística e política para Cris. Segundo a sambista, a possibilidade de conhecer e acompanhar o trabalho de artistas com realidades parecidas a auxilia a moldar sua forma de ver o mundo e na certeza de que a vida negra é inegociável. Afirma, também, que o samba carrega consigo muitas mensagens e elementos que refletem de forma profunda a cultura brasileira.

Cris Pereira:  sambista e mestre em história cultural pela UnB.
Cris Pereira: sambista e mestre em história cultural pela UnB. (foto: Thaís Mallon)

Com presença em diversas rodas de conversa e debates, expandindo seu impacto além da música, participou, em 20 de novembro, do Festival Tardezinha do Samba, que descreve como "uma conversa potente com mulheres que admiro muito e que são feitas de samba sobre mulheres que fazem samba". Em seguida, em 23 de novembro, fez parte do debate Mulheres no Samba: Vozes e Elos Matriarcais.

"É importante reforçar o papel da mulher no samba, pois sempre o ocupamos e ocuparemos", afirma. Para a também historiadora, se, por acaso, houvesse alguém que acabasse com os registros históricos, o samba ainda poderia ser usado como canal para contar a história do país, pois, desde seu início, ele tem o compromisso em repercutir a memória, falar das cidades, da culinária e dos hábitos.

"O samba nos ajuda a estruturar quem somos como povo brasileiro", explica. Cris afirma que é sempre importante trazer diversos elementos para ensinar história, e a música pode ser um a ser utilizado. "O samba faz parte do nosso sangue, do nosso DNA. Tem ancestralidade que precisa ser preservada", completa.

Essa preservação apontada pela musicista não é somente no campo da admiração e do consumo das produções, mas, sim, no respeito e na luta antirracista. Um exemplo citado pela cantora é o tratamento diferenciado em festivais com os grupos de samba, que recebem desdém e menos reconhecimento.

Cris aponta a situação como racismo institucional, que ocorre de forma sistemática e no campo simbólico. Portanto, recomenda que o Dia da Consciência Negra e todo o ano sirvam para pensar verdadeiramente o que significa o marco e nunca perder de vista o combate ao racismo e a construção de um país mais justo e melhor para todos.

Samba de terreito

A música pode vir por meios como a família biológica e carregar ancestralidade nesse aspecto, um aprendizado passado e renovado a cada geração. No entanto, a herança e memória podem se conectar em outros locais, como foi a história de Amílcar Paré, do grupo Filhos de Dona Maria. O nome vem da entidade espiritual da religião de matriz africana, o candomblé, que uniu o grupo.

Com lançamento do CD em 2016 e uma trajetória que antecede esse período, os integrantes tocaram juntos em bares, restaurantes e outros espaços, sempre levando sua música autoral. Com formação no Clube de Choro, Amílcar conheceu outros músicos por lá, onde teve apoio e trocas importantes, principalmente nos seus estilos musicais — o chorinho e o samba.

Também integra o Poetas do Samba, coletivo com programação mensal em que ingressou como diretor musical. Porém, foi no terreiro que frequenta que teve contato mais profundo com questões relacionadas às mensagens do samba e a trocas profundas que permeiam sua realidade. “No terreiro, temos muitos músicos, conseguimos conversar sobre o elo da música com a ancestralidade, a história contada que remete à identidade cultural e à diáspora africana”, relata.

Entre conversas, Amílcar e os outros músicos queriam produzir algo que remetesse a esse importante legado. Com o grupo, conseguem criar os próprios repertórios, algo novo, mesmo com inspiração e reverência a todos que produziram cultura antes deles e deixaram sua marca na história.

Tendo em mente que a música é uma parcela de um todo, da cultura, promoveram algumas edições do evento Terreirada, que une a religião, música, dança, moda e comidas típicas, como o acarajé. Para Amílcar, é um momento importante e com muito significado: “É um espaço de acolhimento e, também, um ponto de encontro”.

Para o futuro, pretendem realizar mais edições do evento, que tanto conecta os participantes. Amílcar entende o samba como modo de comunicação e, por meio dele, é possível construir um mundo melhor, mais igualitário, com liberdade religiosa e sempre olhando para o passado para não repetir os mesmos erros.

Cozinhando com raízes 

Se o ditado popular diz que é possível conquistar um amor pelo estômago, a gastronomia é apenas uma parcela da importância da culinária para caracterizar uma cultura e os laços afetivos envolvidos. É o caso do casal Tássia Aguiar e Ray Preta, chefs de cozinha do ramo da gastronomia vegana que abriram, juntas, o Cantinho de Caburé, restaurante que conta com salgados, doces e pratos típicos.

Tássia Aguiar (à direita) e Ray Preta (à esquerda), proprietárias do Cantinho de Caburé, restaurante vegano
Tássia Aguiar (à direita) e Ray Preta (à esquerda), proprietárias do Cantinho de Caburé, restaurante vegano (foto: Arquivo pessoal)

“Nossa comida é afroafetiva, afrocentrada e brasileira. Isso significa que nossa comida é pensada, preparada e servida afetivamente por mãos pretas, nossa comida carrega o respeito às nossas memórias, às nossas mães e a todas as mulheres que habitaram nossas vidas ao longo da história, nossa ancestralidade africana, indígena e nordestina”, apresenta Tássia.


As empreendedoras começaram no ramo alimentício no ano de 2020 de forma despretensiosa, com objetivo de aumentar a renda. Cantinho de Caburé faz referência a uma espécie de coruja comum no cerrado. “Possui um grito estridente e forte, está sempre alerta e carrega consigo o estigma da sabedoria, da proteção e da abundância”, explica. Inicialmente vendendo pães de beijo (versão de pão de queijo à base de batata), massas de tapiocas coloridas e pães vendidos sob encomenda, para pessoas próximas, logo ficaram conhecidas e a demanda aumentou.

Abriram um espaço físico no ano seguinte, 2021, em Samambaia Sul. “Além das encomendas, as pessoas podiam sentar e saborear as delícias do cardápio em um ambiente amorosamente agradável, intimista e aconchegante”, afirma Tássia.

Após um ano, mudaram de endereço para o Guará 2, mas com a mesma essência. Aberto de quinta a domingo, oferecem suas receitas autorais, veganas e artesanais, que honram e remetem a suas origens. No cardápio, contam com pratos com comidas típicas, como acarajé, bolinhos e receitas com batatas, mandioca e outros tubérculos, trazendo, assim, suas raízes de herança familiar associadas à cozinha vegana.

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

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