Comportamento

Entenda os riscos de exagerar no filtro na hora de publicar a selfie

O tratamento de imagem nas redes sociais cria a expectativa de padrões irreais e acende o debate sobre a busca pela perfeição estética

Yasmin Isbert*
postado em 31/05/2023 12:40 / atualizado em 31/05/2023 12:41
Influencer Pérola Padilha mostra imagem com filtro e sem -  (crédito: Reprodução Instagram/ Perola Padilha)
Influencer Pérola Padilha mostra imagem com filtro e sem - (crédito: Reprodução Instagram/ Perola Padilha)

O corpo, a nudez e a imagem se moldam por meio de movimentos políticos, sociais e econômicos — em destaque, o corpo ocidental, que teve momentos de fama e desvalorização ao longo da história. Artigo publicado por um grupo de educadores físicos da Universidade do Estado do Pará, há mais de uma década, já mostrava o culto, muitas vezes exagerado, a esse "padrão" por meio de uma análise histórica. O estudo pontua que a Grécia Antiga, a Idade Média e a modernidade são períodos que fazem mudanças decisivas na construção da imagem corporal.

Na Grécia, o corpo "padrão" tinha muito mais relação com o divino do que qualquer tipo de conotação sexual. A sociedade grega acreditava que um corpo exuberante vinha acompanhado de uma alma compatível ao que estava sendo visto. Eles adoravam concursos de beleza de todos os tipos, e o corpo musculoso sustentou essa prática por muito tempo. A beleza da mulher era vista como perigosa e perversa, uma justificativa dos homens para relacionar beleza feminina com manipulação.

Porém, na Idade Média, a igreja censurou e desvalorizou qualquer ideia relacionada ao corpo, por mais que, por baixo dos panos, a história fosse contada de outra forma. Graças à ciência e à filosofia, advindas da modernidade, o capitalismo transformou o corpo em mercadoria. A indústria e a comunicação foram grandes aliadas desse processo — no século 21, a indústria da beleza é sustentada por esses dois pilares.

São tantos estímulos diários para ter uma vida saudável, para a compra de produtos com efeitos imediatos, cirurgias que alteram partes do corpo e remédios milagrosos, que, só assim, as pessoas acreditam que conseguem adquirir um aspecto ideal. Mas estabelecer um padrão de beleza inexistente gera desconexões com o que é real e pode criar uma série de problemas psicológicos. 

Filtro de rosto

As redes sociais criaram um conjunto completo de beleza, sem precisar gastar ou sair de casa. Caso queira passar uma mensagem para seus amigos com a vibe dos filmes "acabei de acordar", os filtros são a solução para isso. É confortável, pode vir a calhar em muitos momentos, mas é preciso estar atento à motivação para esse tipo de programa.

O processo de tratamento de imagem é feito em camadas: a primeira é com a foto original, e a segunda, uma cópia, para fazer a correção e a remoção de acnes e linhas de expressão, como explica Daniela Facundo, publicitária, especializada há mais de oito anos em edição de fotos. "Inclusive, na gastronomia, é interessante falar que a maioria dos alimentos é fotografada crua e precisa de edição, principalmente, para dar uma aparência de carne bem passada, mais escura."

Para ela, os filtros vieram como uma maneira mais fácil e prática do tratamento de pele, que antes era demorado e realizado em softwares pagos. Os clientes costumam pedir remoção de rugas e acnes. Já nos rostos femininos dos conteúdos publicitários, é comum, além da remoção, realçar a maquiagem — principalmente batom, sombra e rímel. Também é comum remover olheiras e pintas, além das alterações nos cabelos, que precisam de um certo volume e uniformidade.

"Quando faço um tratamento rápido, realizo ajustes essenciais, removendo aquilo que não é desejado e realçando as cores usando presets (filtro de edição), como o Express Skincare. Esse tipo é comum em fotos de skincare, enfatiza-se a textura e a qualidade da pele," detalha Daniela. "Dependendo do ângulo, também pode ser necessário retirar a famosa papada."

Distorção de imagem

Todas essas alterações são para tornar a imagem cada vez mais agradável visualmente, entretanto, os efeitos colaterais podem ser incontáveis e já estão sendo tema de conversa em muitos lugares. Fernanda Angeline, psicóloga clínica, explica que a distorção de imagem é diferente do transtorno dismórfico corporal, e só é considerada uma doença quando os sentimentos atrapalham as funções básicas do dia a dia.

Nesse caso, pode gerar anorexia, bulimia, baixa autoestima, falta de vontade de sair de casa, queixas frequentes, emoções e reações negativas fortes com relação ao próprio corpo, alteração na percepção da realidade. Mudança nas relações sociais, o desenvolvimento de um relacionamento ruim com a alimentação e o incômodo em comer na frente dos outros são fatores que podem ocorrer. "Por isso a importância de não comentar o que tem no prato do outro. É indelicado e pode estar pegando em um ponto sensível para a pessoa", alerta a psicóloga.

A influenciadora de estética  Pérola Padilha compara a utilização do filtro "natural" do Tik Tok
A influenciadora de estética Pérola Padilha compara a utilização do filtro "natural" do Tik Tok (foto: Reprodução Instagram/ Perola Padilha)

Ao redor do mundo

Para combater esses efeitos, a discussão, inclusive de uso de filtro em fotos, tem sido constante ao redor do mundo. O parlamento francês, por exemplo, está julgando o Projeto de Lei nº 790 que visa a obrigatoriedade de os influenciadores avisarem quando estão produzindo conteúdos com qualquer tipo de tratamento de imagem — incluindo Instagram, Snapchat, TikTok e outros aplicativos.

A fim de evitar uma explosão de golpes que já estavam acontecendo pontualmente na internet francesa, o deputado que criou a lei diz não ter a menor intenção de travar uma guerra com os influenciadores, mas, sim, criar um ambiente mais seguro. Até porque nem todos estão envolvidos em fraude.

"As motivações para esse PL inédito abordam os impactos negativos das redes sociais sobre a saúde mental, a necessidade de regulação da atividade de influenciador e, até mesmo, a proteção aos direitos do consumidor — que pode ser induzido a tomar decisões relacionadas a compras, ao uso de medicamentos e à realização de procedimentos estéticos por indicações", menciona a advogada Thayná Rezende Souza, pós-graduanda em direito digital.

"Com a aprovação e a aplicação da lei, os influenciadores precisarão apontar as edições realizadas em seus conteúdos, e essa transparência pode gerar um desestímulo ao uso dos filtros e photoshops, desconstruindo um pouco da cultura de perfeccionismo. Com a proibição da realização de publicidade de procedimentos cirúrgicos, é possível que haja uma redução, ainda que inicialmente pequena, na pressão para alcançar padrões de beleza irreais", exemplifica a advogada.

A influenciadora Rafaela Leite começou a trabalhar com a internet durante a pandemia. Por ficar muito tempo em casa, começou a mostrar a rotina, as coisas que gostava, e hoje completa três anos na profissão. Antes de virar produtora de conteúdo, idealizava alguns padrões estéticos na internet e sentia a necessidade de ter algo igual ou similar. Quando fui para o outro lado, as coisas se mostraram muito diferentes.

"Percebi que ninguém queria me ver descabelada ou acordando, queriam me ver bonita, e a gente não é assim o tempo todo. Nesses momentos, eu colocava os filtros para dar aquela 'disfarçada', é uma pressão social mesmo", desabafa.

Influenciadora brasiliense Rafa Leite usando apenas um presset em suas fotos, sem alterar o rosto
Influenciadora brasiliense Rafa Leite usando apenas um presset em suas fotos, sem alterar o rosto (foto: Arquivo pessoal )

Especialmente por seu conteúdo ser voltado para moda e beleza, a pressão em entregar o desejado é maior ainda. "De início, eu não ligava muito porque era para ser uma brincadeira. Quando vi a possibilidade de crescimento, senti que precisava ser mais séria e mostrar o meu Instagram compatível ao meu estilo de vida."

A psicóloga Fernanda volta a pontuar que, por mais que o influenciador precise se atentar à forma que produz conteúdo para internet, os cuidados não podem ser apenas dele. "Ele é só uma pessoa que está trabalhando, pagando suas contas, e é tão refém do capitalismo quanto qualquer um. Mas é claro que ele pode ser um grande aliado, é o conselho que eu dou."

Perto da realidade

Os filtros podem nos distanciar da realidade, mas ele não é a fonte do problema. "As novas gerações já estão sendo alertadas de que os filtros não são reais, essa parte de aparência está sendo desconstruída. O que não está sendo desconstruído é você aparentar ser muito bem-sucedido, muito bem de vida, ou que viaja o tempo todo", adverte a psicóloga clínica.

Caso as medidas certas não sejam tomadas, podem levar a sérios transtornos, como ansiedade social, entre várias outras problemáticas. "Óbvio que isso vai afetar as pessoas em níveis diferentes, mas podem levar a cenários gravíssimos", diz.

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

 

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    Influenciadora brasiliense Rafa Leite usando apenas um presset em suas fotos, sem alterar o rosto Foto: Arquivo pessoal
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    A influenciadora de estética Pérola Padilha compara a utilização do filtro "natural" do Tik Tok Foto: Reprodução Instagram/ Perola Padilha
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