Encontro com o chef

Jovem realiza sonho de ter um café com comida e cultura brasileiras

O Santuária é uma casa comandada por mulheres, que traz na essência o respeito à diversidade e a valorização da gastronomia brasileira

Sibele Negromonte
postado em 02/07/2023 00:01 / atualizado em 03/07/2023 13:52
 (crédito: Maria Luisa Dominici)
(crédito: Maria Luisa Dominici)

Quando a família de Bela Marconi passou por um aperto financeiro, a então adolescente nem pensou duas vezes: preparou bombons recheados e levou para vender na escola. Ela ainda estava no ensino médio, mas, naquela empreitada, descobriu duas paixões: a gastronomia e o empreendedorismo. Porém, antes de, finalmente, conseguir unir as duas vocações, a jovem trilhou um longo caminho.

Bela sempre foi daquelas pessoas que adoram arte e não param quietas. Fez teatro, dança, amava cozinhar, mas, na hora de escolher que faculdade cursar, foi para o lado mais tradicional e seguro: o direito. "Como já falava várias línguas, decidi que ia ser diplomata. Guardei meu lado criativo numa caixinha." Mas não demorou muito para ela perceber que não era bem aquilo que queria.

Fez, então, um acordo com os pais: eles pagariam uma faculdade de gastronomia e ela concluiria o curso de direito. E assim foi. De manhã, ia para o Iesb aprender as técnicas de cozinha; à tarde, estagiava em um escritório de advocacia; e à noite, seguia para as aulas de direito na UnB. "Foi a minha chefe no escritório quem me disse: 'Vai seguir a sua vida na gastronomia, é disso que você gosta'."

A brasiliense seguiu o conselho e saiu do estágio. Passou, então, a fazer a monitoria na disciplina de cozinha brasileira no Iesb. Mas não quebrou a promessa que tinha feito aos pais e resolveu que terminaria o direito. Aproveitava as férias na universidade para se aperfeiçoar no que realmente amava: a gastronomia. "Fazia um verdadeiro malabarismo", lembra.

Nas férias de 2015, seguiu para São Paulo para fazer um estágio no restaurante Maní, da premiada chef Helena Rizzo. "Foi a minha primeira vez em uma cozinha de serviço, uma experiência surreal", define. Apesar do breve período, o aprendizado fez Bela ter ainda mais certeza de que aquela era a profissão que queria seguir.

No recesso do ano seguinte, seguiu para mais um estágio. Desta vez, no renomado restaurante Astrid y Gastón, em Lima. "Fiquei hospedada na casa de uma amiga, com quem tinha trabalhado no Maní, e, assim, convivi com uma família tipicamente peruana." De cara, Bela percebeu que sua vida não seria fácil. Única mulher na cozinha do restaurante, trabalhava 15 horas por dia, em pé. "Eu falo espanhol, mas os funcionários conversavam, entre si, em um verdadeiro dialeto, cheio de gírias de gastronomia. Não entendia nada", lembra.

A jovem também comprovou, na prática, o que já sabia: a cozinha era um ambiente extremamente machista. "Levei diversas cantadas, os chefs trabalhavam na base do grito. Um dia, passei oito horas dentro da câmara fria limpando peixe, mas a experiência valeu a pena. Passei por todas as praças e aprendi muito."

De volta ao Brasil, Bela ainda precisava concluir o curso da UnB, afinal estava na reta final. Foi aí que conheceu a extrafiscalidade, um conceito do direito tributário em que o tributo pode ter diversas funções, inclusive voltadas para o social, e viu ali a oportunidade de aplicar um pouco da gastronomia, mesmo que indiretamente. A brasiliense, ao lado professor da displina, desenvolveu um projeto de pesquisa com as Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSAs), que se tornaria o seu trabalho de conclusão de curso (TCC). Assim, conheceu mais de perto a agricultura familiar e a alimentação orgânica.

Um cantinho pra chamar de seu

Chef Bela Marconi, do Santuária Café Bar
Chef Bela Marconi, do Santuária Café Bar (foto: Fotos: Maria Luisa Dominici)

Em 2016, com o diploma de direito, finalmente, em mãos, Bela passou por um período que chama de limbo. Não se via dentro do ambiente machista que algumas cozinhas reproduzem, mas não tinha capital para montar a própria. Para se sustentar, começou a dar aula de línguas e retomou o projeto da adolescência de virar diplomata. Passou a estudar para o concurso do Rio Branco e, por pouco, não foi aprovada.

Mas a gastronomia estava mesmo no destino de Bela. Em agosto de 2019, o dono de um bar que costumava frequentar, o Santo Zé, na 216 Norte, disse que estava passando o ponto e perguntou se ela não queria pegá-lo. Como ele estava realmente decidido a largar o negócio, fez uma oferta tentadora, bem abaixo do valor de mercado. "Eu tinha zero real, zero emprego e um milhão de ideias na cabeça."

Propôs sociedade a uma antiga amiga, que é economista, e, com a ajuda dos pais, conseguiu assumir o ponto. Como sempre sonhou com esse espaço, tinha tudo planejado: a decoração, a louça, a disposição das mesas, cozinha aberta para os clientes avistarem… mas, sobretudo, sabia como queria que fosse o clima de trabalho. "Aqui não tem gritos, todos se tratam com respeito e, na cozinha, só trabalham mulheres."

Após três meses de reforma, o Santuária (assim mesmo no feminino, porque é uma casa feita por mulheres) Café Bar (@santuariacafebar) abriu as portas, em 27 de novembro de 2019. Menos de quatro meses depois, Bela precisou fechar tudo por causa da pandemia da covid-19. Para se manterem vivas no negócio, ela fazia marmitas e a sócia cuidava da logística. "Foram dias difíceis. Toda semana nós mudávamos o cardápio, criamos uma lista de transmissão no WhatsApp e, mesmo com muito medo e insegurança, conseguimos nos manter."

O Santuária é uma casa essencialmente brasileira, da comida à música, passando pelos eventos que organiza. Bela conta que a casa segue três pilares: cultura nacional; sustentabilidade, com 100% de todo o lixo reciclado; e alimentação familiar e orgânica. "Eu trabalho com 48 pequenos fornecedores", detalha. "Sei a procedência de todos os ingredientes que chegam aqui."

Em outubro de 2022, Bela comprou a parte da amiga na sociedade, e fez uma parceria com a irmã. Realizou uma mudança no cardápio e passou a seguir uma cozinha ancestral. Seguidora da umbanda, mantém um altar onde santos e orixás convivem em um verdadeiro sincretismo religioso. O lugar sempre recebe grupos culturais e promove eventos diversos. Além disso, montou uma pequena quitanda, onde pequenos empreendedores parceiros oferecem seus produtos.

O Santuária abre no café da manhã e, além dos pratos à la carte, oferece almoço executivo. Às sextas-feiras promove happy hour; aos sábados, a feijoada, carioca e pernambucana (com coco seco e jerimum), tem ganhado fama; assim como o acarajé dos domingos. E é nesse misto de boa comida e clima de diversidade, em que todos são bem-vindos, que Bela toca o restaurante que sempre sonhou. "O alimento une", sentencia.

Bolo solado de chocolate

Bolo solado de abóbrinha, da chef Bela Marconi, do Santuária Café Bar
Bolo solado de abóbrinha, da chef Bela Marconi, do Santuária Café Bar (foto: Maria Luisa Dominici)

Ingredientes
½ xícara de óleo (70g)
1 e ½ xícara de açúcar orgânico (280g)
2 xícaras de farinha de trigo (280g)
½ xícara de cacau em pó (50g)
1 colher de chá de fermento
½ colher de bicarbonato
½ colher de sal
2 xícaras de abobrinha ralada (500g)

Modo de preparar
Rale a abobrinha no ralador japonês e reserve. Em um bowl, misture o açúcar e o óleo. Depois, adicione a farinha, o cacau, o sal e o bicarbonato. Acrescente a abobrinha aos poucos e vá misturando com um garfo. Ao final, adicione o fermento.
Assar em forma redonda untada com cacau e com papel manteiga no fundo — pode ser em qualquer forno — por 30 minutos.
Observações: a textura é de bolo fofinho. A massa não pode estar muito líquida quando colocada na forma.

Serviço

Instagram: @santuariacafebar
Endereço: 216 Norte, Bloco C, Loja 76. Aberto de terça a quinta, das 9h às 19h; sexta. das 9h às 21h; e sábado e domingo, das 9h às 18h.

 

 

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  • Chef Bela Marconi, 
do Santuária Café Bar
    Chef Bela Marconi, do Santuária Café Bar Foto: Fotos: Maria Luisa Dominici
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    Chef Bela Marconi, do Santuária Café Bar Foto: Maria Luisa Dominici
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    Bolo solado de abóbrinha, da chef Bela Marconi, do Santuária Café Bar Foto: Maria Luisa Dominici
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