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Nanismo: desafios e conquistas de uma comunidade que inspira

O nanismo nem sempre é hereditário. Cerca de 80% dos casos ocorrem em casais sem histórico familiar da condição. Isso significa que qualquer casal, independentemente de seu histórico genético, pode ter um filho com nanismo

Encontro de famílias no Simpósio Brasileiro de Nanismo da Annabra ( Associação nanismo Brasil) -  (crédito: Jhonny Lima)
Encontro de famílias no Simpósio Brasileiro de Nanismo da Annabra ( Associação nanismo Brasil) - (crédito: Jhonny Lima)
postado em 10/11/2023 14:22 / atualizado em 10/11/2023 14:22

Imagine viver em um mundo em que você é constantemente julgado, discriminado e desconsiderado devido à sua altura. Para milhares de pessoas no Brasil e em todo o mundo, essa é a realidade diária devido ao nanismo, uma condição física rara e complexa, muitas vezes mal compreendida. 

A condição é decorrente de uma mutação genética que se caracteriza por uma deficiência no crescimento dos ossos, resultando em indivíduos com estatura abaixo da média nacional, chegando à fase adulta entre 70cm e 145cm de altura. No Brasil, existem 32 centros de referência em doenças raras — no Distrito Federal, o Hospital de Apoio de Brasília e o Hospital Materno Infantil.

Em 20 e 21 de outubro foi realizado o Simpósio Brasileiro de Nanismo, no Rio de Janeiro, e de acordo com informações da Annabra (Associação Nanismo Brasil) — organizadora do evento —, existem mais de 400 tipos diferentes de nanismo, alguns ligados a questões hormonais e outros à displasias ósseas (falha na organização normal das células). As duas principais formas de nanismo são a acondroplasia e a hipocondroplasia (deficiência do hormônio de crescimento).

"Tivemos avanços significativos na luta contra o preconceito desde a implementação da Lei nº 13.472/17, em 2017, que instituiu o Dia Nacional do Combate ao Preconceito às Pessoas com Nanismo. Mas ainda há a necessidade de enfrentar o preconceito estrutural, que persiste. Ressalto a importância da união, disseminação de informações e participação ativa em eventos para promover o entendimento e apoio às minorias, visando que todos se sintam acolhidos e amados", destaca Kenia Maria Rio, presidente da Annabra.

Não existem pesquisas ou estatísticas que apontem a proporção da população brasileira com nanismo. Estima-se que a cada 15 mil nascimentos, uma criança tem algum tipo de nanismo. Essa falta de dados torna ainda mais importante a conscientização e o combate ao preconceito.

A expressão "anão" é considerada pejorativa e inapropriada, carregando uma bagagem de estereótipos prejudiciais. O termo correto é pessoa com nanismo. O capacitismo é considerado crime, conforme o artigo 88 da Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146), com pena de reclusão de um a três anos.

O Dia Nacional do Combate ao Preconceito às Pessoas com Nanismo, celebrado em 25 de outubro, é uma homenagem ao ator e ativista americano Billy Barty, criador de uma associação que, na década de 1950, lutava pelo direito das pessoas com nanismo e por tratamento médico adequado. No mês de outubro, tornou-se tradição iluminar em verde, que representa o nanismo, diversos pontos turísticos em todo o Brasil. Essa ação é realizada em conjunto com a Annabra e os delegados de cada estado, reforçando a busca pelo reconhecimento e respeito à condição.

Diagnóstico

Segundo o médico geneticista Juan Clinton LLerena Junior, do Centro de Genética Médica e Serviço de Referência para Doenças Raras da Fiocruz, o nanismo pode ser detectado ainda na gestação, por meio de exames específicos, mas o diagnóstico definitivo é, geralmente, estabelecido após o nascimento, por meio de testes genéticos.

"É importante realizar estudos controlados, nos quais coletamos dados sobre a vida cotidiana dos pacientes ao longo de um período específico para avaliar medicamentos para acondroplasia e monitorar o crescimento ósseo. Isso enfatiza a necessidade de ajustar os tratamentos conforme as necessidades evoluem", explica. Além disso, faz-se necessária a atenção constante a possíveis complicações e o envolvimento de diversas especialidades médicas para garantir cuidados ao longo da vida, incluindo riscos como morte súbita infantil, dores crônicas e atrasos no desenvolvimento.

Tratamento

De acordo com Ana Paula Bordalllo, endocrinologista pediátrica da Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o tratamento do nanismo visa proporcionar uma melhor qualidade de vida, especialmente devido às cormobidades associadas às displasias ósseas. “Para isso, recomenda-se um acompanhamento genético e multidisciplinar ao longo da vida da pessoa com nanismo.”

A Annabra destaca que em 2022, a Amvisa aprovou o uso da medicação Voxzogo (vosoritida) para tratar a acondroplasia em pacientes a partir de 2 anos de idade e que existem programas de pesquisa que continuam explorando novas terapias para diversos distúrbios médicos.

“A aprovação do tratamento no Japão revela que a eficácia em crianças diminui ao longo do tempo; por isso, estudos de vida real e nos mais jovens são essenciais. Além disso, há esperança de que o tratamento medicamentoso possa evitar cirurgias de alongamento de membros em casos de acondroplasia, que são procedimentos complexos. A mutação na acondroplasia afeta as curvas de crescimento, a placas de crescimento e a via do receptor da FGFM3”, explica a especialista.

Acondroplasia

A acondroplasia é uma condição rara que afeta cerca de um a cada 25 mil nascimentos, caracterizada por baixa estatura desproporcional, curvatura da coluna, macrocefalia e problemas de saúde, como apneia, obesidade, perda auditiva e mobilidade reduzida.

Conforme o especialista em Neurologia Pediátrica Antonio Bellas, do Instituto Fernandes Figueira — Fiocruz, a acondroplasia frequentemente envolve questões neurocirúrgicas. “O tratamento cirúrgico pode aliviar sintomas, como a descompressão do estreitamento do canal ósseo na base do crânio, por onde passa a medula espinhal, e problemas respiratórios devido a características físicas específicas, como a caixa torácica pequena e a obstrução das vias aéreas.”

Palavra do especialista

Quais são as principais causas do nanismo e como a endocrinologia desempenha um papel no diagnóstico e tratamento dessas condições?

O nanismo tem diversas causas, algumas relacionadas a problemas na gestação, doenças cromossômicas, desnutrição, doenças crônicas e privação psicossocial. O endocrinologista é o especialista para avaliar e tratar casos de baixa estatura, considerando curvas de crescimento padronizadas e a altura dos pais. O diagnóstico é feito com base em critérios como estatura menor que -2 DP (desvios-padrão) ou menor que o percentil 3 para idade e sexo, ou estatura menor que -2 DP para o canal de crescimento da estatura-alvo, que varia de acordo com a altura dos pais. Não há uma altura única para diagnosticar nanismo.

Como a deficiência de hormônio do crescimento afeta o desenvolvimento de uma criança e quais são as opções de tratamento disponíveis para crianças com nanismo relacionado a essa deficiência?

A deficiência de hormônio de crescimento (Growth Hormone) causa o nanismo e pode ser congênita ou adquirida. Causas adquiridas incluem tumores, lesões hipofisárias, trauma, infecções, infarto hipofisário e radioterapia craniana. A deficiência de GH pode ocorrer isoladamente ou com outras deficiências hipofisárias. O tratamento com GH pode ser benéfico em diversas condições, como deficiência de GH, síndrome de Turner, insuficiência renal crônica, síndrome de Prader-Willi, para os pequenos para idade gestacional (PIGs) e alguns casos de baixa estatura idiopática. A dosagem e a duração do tratamento devem ser determinadas por um endocrinologista.

Além do hormônio do crescimento, que outros hormônios podem desempenhar um papel no crescimento e no desenvolvimento das crianças com nanismo, e como eles são avaliados e tratados?

O crescimento é único para cada indivíduo e é influenciado por fatores genéticos, sistema nervoso central, sistema endócrino, cartilagem de crescimento, ambiente e nutrição. Além do hormônio do crescimento (GH), outros hormônios como IGFs, hormônios tireoidianos, hormônios sexuais, glicocorticoides e insulina desempenham papéis cruciais. O diagnóstico envolve histórico clínico, exame físico e exames complementares, com tratamento recomendado por um endocrinologista. O crescimento é um processo complexo e único, e em caso de suspeita de baixa estatura, os pais devem procurar um endocrinologista para avaliação e definição de tratamento.

Glaucia Vieira Ferreira Guimarães é endocrinologista do Hospital DF Star, da Rede D’Or

 

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

 

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