Desde os anos 1990, os debates a respeito das mudanças climáticas são velhos conhecidos dos cientistas. No entanto, a sociedade pouco se mobilizou de lá para cá, acreditando que se tratava de algo “para o futuro”, um tempo distante e postergável, um desafio a ser vivido por nossos netos ou bisnetos, talvez. Infelizmente, a realidade hoje é outra e o tempo das mudanças é agora, ainda que estejamos atrasados. Resistir ao alerta da natureza não é mais uma opção. Ouçamos seu pedido de socorro.
Após séculos de exploração, os efeitos das ações humanas no planeta têm a dimensão da ganância e do lucro a qualquer preço, como nos mostram os eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes e intensos – a exemplo do que vimos na recente tragédia no Rio Grande do Sul.
Adaptação para continuar no planeta
Quem passou séculos tentando dominar a natureza e ser mais forte que ela vai precisar entender o que o biólogo e naturalista Charles Darwin já dizia no século 19: não são os mais fortes que sobrevivem, mas, sim, aqueles que melhor se adaptam às condições do meio em que vivem. Adaptação, portanto, é regra de ouro se quisermos viabilizar nossa permanência no planeta.
“Por muitos anos, a palavra mais usada foi mitigação, que trazia a necessidade de reduzir as emissões de CO2. Somente nas últimas quatro Conferências do Clima da ONU (Organização das Nações Unidas), o termo adaptação surge com ênfase, ressaltando que, paralelamente às ações mitigadoras, devemos tornar as cidades mais resilientes aos eventos extremos”, afirma o economista e doutorando em Ciências Ambientais Rodrigo Perpétuo, secretário executivo na América do Sul da ONG internacional ICLEI – Governos Locais para a Sustentabilidade. “O mais importante é alcançarmos coletivamente o senso de urgência. Não dá para esperar mais, temos de agir agora e muito”, ele reforça, com razão.
Vegetação nativa
Adaptar as cidades ao “novo normal” do clima envolve internalizar a questão nas políticas públicas em todos os setores. “No Rio Grande do Sul, por exemplo, é preciso que haja um programa intenso de regeneração da vegetação nativa que, se estivesse mais presente, teria atenuado os efeitos das chuvas em todo o estado, por exercer uma função física de barreira natural”, argumenta a arquiteta e urbanista Suely Araújo, especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima. A ideia é trazer de volta a natureza como parte da infraestrutura urbana.
A mata ciliar que envolve a beira dos rios, ela conta, sofreu uma destruição violenta nas cidades, com a ocupação das Áreas de Proteção Permanente (APPs), a pressão do mercado imobiliário, a impermeabilização do solo e a canalização dos rios urbanos. “Basta olhar os quintais nas cidades, todos ladrilhados. As pessoas precisam entender que as soluções simples também contam nessa hora. O solo precisa estar mais permeável para absorver a água”, diz.
Recentemente, o Governo Federal mapeou 1.942 municípios (quase 35% das cidades do país) suscetíveis a desastres associados a deslizamentos de terras, alagamentos, enxurradas e inundações. Segundo a especialista, o mundo inteiro tem deficiências nessa área, mas o Brasil está atrasado no planejamento para situações de emergências, porque, além de não ser muito discutido, o tema sofre resistências políticas. “Nossa legislação ambiental é boa, o problema é conseguir implementá-la. Torço para que o Plano Nacional de Mudança Climática, que deve ficar pronto em setembro para consulta pública, se concretize e saia do papel.”
Cidades Esponjas
Cientistas já afirmam que mais de 90% dos desastres globais têm relação com a água, em excesso ou escassez. Cidades na China, Coreia do Sul, Europa e EUA perceberam que desconstruir para dar lugar à natureza, em muitos casos, é a melhor saída. Em Madri e em Seul, rios importantes foram naturalizados e voltaram a ter um desenho mais curvilíneo, natural e com vegetação para ajudar a conter as cheias e evitar enchentes e alagamentos.
“É difícil importar soluções, mas algumas podem nos inspirar, como é o caso do conceito de cidade-esponja, já aplicado em diversos lugares”, afirma Rodrigo Perpétuo, referindo-se aos projetos do arquiteto paisagista chinês Kongjian Yu, que cria bacias de contenção e parques urbanos com áreas alagáveis, que aumentam exponencialmente a capacidade de absorção de água de chuvas, tornando os territórios mais resilientes ao impacto das mudanças do clima – além de criar áreas de lazer para as pessoas e locais de regeneração da fauna e flora silvestres.
Mapeando áreas de risco
Antes de qualquer coisa, no entanto, é fundamental mapear as áreas de risco de cada cidade. “Todos os municípios devem conhecer suas áreas mais expostas a riscos climáticos, especialmente aquelas onde há presença de população”, ele indica. Cerca de dois terços dos municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes e nem sempre há um corpo técnico capacitado ou disponível para tal mapeamento.
“Nesses casos é importante trabalhar em consórcios com cidades vizinhas”, recomenda. A partir daí, o trabalho a seguir é de eliminação ou redução dessas fragilidades, que pode significar realocar pessoas de áreas vulneráveis, regularizar favelas ou renaturalizar rios. “Basicamente, é preciso conciliar as políticas de habitação e de drenagem das cidades, combinando em equilíbrio as estruturas duras (obras de engenharia) com intervenções via Soluções Baseadas na Natureza, as chamadas SBNs”, ele argumenta.
Em meio a desafios colossais, cada um de nós pode seguir atento à origem do que consome e rompido com empresas cujas atividades agravam o atual cenário.
Por Giuliana Capello – revista Vida Simples
Jornalista ambiental há 20 anos e acredita que esverdear as cidades nunca foi tão importante quanto agora, nesta emergência climática.
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