Por Paulo Lyra — Especial para o Correio
Voltei a morar em Brasília depois de 25 anos fora do país. A cidade mudou — e eu também. Agora aposentado, tenho tempo para observar. Em minhas caminhadas, anotei 25 mudanças que me chamaram a atenção. Antes de continuar, um aviso: falo a partir do lugar de homem branco, morador da Asa Sul. Minhas observações podem ser parciais e até mesmo equivocadas. Mas vamos lá.
O que não existia — Engarrafamentos. Lembro de algumas retenções na Estrada Parque para Taguatinga e Ceilândia, mas o trânsito fluía. Hoje, há congestionamentos em várias saídas do Plano Piloto — e até dentro de Águas Claras. Também não existiam tantas quadras comerciais com estúdios de pilates, lojas pet e serviço de valet.
O que envelheceu — Além de mim, claro. Cheguei aos 25 anos e morei 15 anos na cidade. Não via pessoas realmente idosas. Agora, aos 65, tenho a impressão de que os cabelos alheios estão mais brancos que os meus.
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Renovação — Um passeio a pé revela uma profusão de fachadas em reforma, principalmente na Asa Sul: substituição de pastilhas, contenção de infiltrações e carenagens (nova palavra no meu vocabulário) para esconder os aparelhos de ar. Também foram renovadas algumas calçadas quebradas (tema de um famoso poema do Nicolas Behr), o Cine Brasília e, parcialmente, o Teatro Nacional.
Mais jovens — Antes, muitos que trabalhavam no serviço e comércio eram migrantes recém-chegados a Brasília. Hoje, quem te atende é jovem, seguro e profissional. Filhos do DF, que cresceram junto com a cidade — e ajudaram a torná-la mais eficiente.
Novos nomes — Noroeste e Sol Nascente não existiam no meu tempo. O termo "cidade satélite" parece ter ficado no passado, como CEP em ficha cadastral. Também reparei que agora "Brasília" e "Distrito Federal" viraram sinônimos no dia a dia — o que, tecnicamente, não são. E, para os mais criativos, a capital ganhou até apelido: "Quadrado". Geografia com afeto.
Crescimento — O DF cresceu tanto que já não reconheço as vistas do avião — nem com o mapa do celular. Outro dia localizei o Gama, mas me perdi no Recanto das Emas. Também cresceram: as árvores do Plano Piloto, que chegaram ao sexto andar e agora tapam a minha janela!
Surpresas — Brasília agora aparece em séries, filmes e documentários — e não apenas em reportagens sobre sua construção. Mais uma surpresa: conhecer o Instituto Proeza, um prédio inteiro encapado em crochê por mulheres em situação vulnerável, no Recanto das Emas.
Previsível — O eterno plano de revitalizar a W3 Sul não foi para a frente.
A volta das siglas — O metrô e o Uber facilitaram a vida de quem precisa se deslocar, já que ônibus e táxis sempre foram um desafio. Mas surgiu um novo problema: explicar onde fica o destino. Digitar "713 Sul" no aplicativo não leva a lugar nenhum. É preciso escrever "SHIGS 713". Estou velho para decorar todas essas siglas. Minha estratégia é indicar o comércio mais próximo ou apontar no mapa. Em Brasília, endereço bom é o falado, não o escrito.
Piorou — A desigualdade. Talvez tenha crescido, talvez só esteja mais visível. Está em todo lugar: nos sinais da W3, com vendedores e pedintes, nos contrastes entre condomínios de luxo e ocupações precárias. Para cada agência bancária com nome metido à besta (Estilo, Personalité, Prime, Select), há alguém dormindo na calçada. A capital cresceu, mas deixou muita gente para trás.
Ainda bem que não mudou — A participação. Cidades grandes raramente têm o senso de comunidade de Brasília. Há muitas iniciativas, como hortas coletivas, feiras, exibições culturais. O Eixão do Lazer e os eventos no Espaço Renato Russo mostram que a cidade pulsa — sem contar os inúmeros eventos fora do Plano. O poder público importa, mas a qualidade de vida na cidade continua sendo, em boa parte, uma construção cidadã.
Resumo — Como é bom estar de volta a uma cidade tão especial quanto Brasília, que às vezes é a mesma que deixei há 25 anos e, outras vezes, uma cidade completamente nova.
Paulo Lyra é jornalista
