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Turismo em Ilhéus: história e a charmosa Rota do Cacau

Conheça Ilhéus, a cidade no sul da Bahia conhecida pelo cacau fino e a história gravada nos livros de Jorge Amado

 Cacau da Colina Benevides
     -  (crédito: Ana Carolina Alves/CB)
Cacau da Colina Benevides - (crédito: Ana Carolina Alves/CB)

Conhecida como a Princesinha do Sul, Ilhéus encanta pela beleza natural, por histórias que atravessam séculos e pelo aroma inconfundível de cacau que paira no ar. Com aproximadamente 180 mil habitantes e quase nove mil toneladas de cacau produzidos em 2024, a cidade é consagrada como maior produtora da fruta na Bahia

Foi no século 18, em 1746, que o cacau chegou à região após o colonizador francês Luiz Frederico Warneau enviar do Pará para a Bahia algumas sementes do fruto. Ao longo do século 19, as fazendas de cacau cresceram e geraram muita riqueza para a região. Nas primeiras décadas do século 20, o fruto era o principal produto de exportação do estado e chegou a ser considerado o maior produtor de cacau do mundo. Até que, em 1989, a vassoura-de-bruxa — fungo que afeta o cacaueiro — alastrou-se pelas lavouras da região e impactou nas produções. Desde então, a cidade, que já exportou cacau para o mundo todo, reinventa-se com o turismo, a cultura e a força da sua história.

  • Revista/Ilhéus
    Revista/Ilhéus Ana Carolina Alves/CB
  • Revista/Ilhéus
    Revista/Ilhéus Ana Carolina Alves/CB
  • Cerveja com mel de cacau da Natucoa
    Cerveja com mel de cacau da Natucoa Ana Carolina Alves/CB
  • Produção do chocolate Mendoá
    Produção do chocolate Mendoá Wellinson Tibúrcio
  • Cacau da fazenda Riachuelo, da fábrica Mendoá
    Cacau da fazenda Riachuelo, da fábrica Mendoá Ana Carolina Alves/CB
  • Filé-mignon com talharim artesanal ao molho de chocolate do Colina Benevides
    Filé-mignon com talharim artesanal ao molho de chocolate do Colina Benevides Ana Carolina Alves/CB
  • Rodrigo Souza Nazarete trabalha na colheita dos cacaus da Mendoá
    Rodrigo Souza Nazarete trabalha na colheita dos cacaus da Mendoá Ana Carolina Alves/CB
  • Gerson Marques é fundador da Fazenda Yrerê
    Gerson Marques é fundador da Fazenda Yrerê Fotos: Ana Carolina Alves/CB
  • Na Colina Benevides você pode visitar as plantações e aproveitar um almoço especial
    Na Colina Benevides você pode visitar as plantações e aproveitar um almoço especial Ana Carolina Alves/CB

Rota do Cacau

Em Ilhéus, o cacau é mais do que fruto: é história viva, aroma no ar e experiência para ser apreciada com todos os sentidos. Nas fazendas abertas à visitação, o turista acompanha de perto o ciclo que transforma a amêndoa fresca no chocolate artesanal.

Na Fazenda Yrerê, o cacau é apresentado como uma imersão sensorial e histórica. Gerson Marques, proprietário do local, conduz os visitantes por trilhas na mata preservada, explica o processo de fermentação e revela detalhes da técnica da cabruca — sistema no qual o cacau é cultivado sob a sombra de árvores nativas. "Aqui, a gente faz questão de mostrar o cacau desde a árvore até virar chocolate. O turista sente o cheiro da fermentação, prova o fruto fresco e entende como cada etapa influencia no sabor final. A nossa proposta é oferecer uma experiência completa, com conhecimento, natureza e sabor", afirma.

Além do passeio guiado, a Yrerê produz um chocolate autoral, feito com cacau de fermentação controlada para alcançar o máximo de qualidade. "Reduzimos o tempo de fermentação para quatro dias dentro do próprio fruto, o que transfere mais doçura natural da polpa para a amêndoa. Isso muda completamente o sabor do chocolate", explica Gerson. O produtor destaca ainda a diferença entre o chocolate feito no sul da Bahia e os produtos industriais europeus. "O nosso chocolate tem cacau de verdade. É um chocolate com alma, com floresta dentro, diferente dos europeus, cheios de leite e baunilha. É outra experiência sensorial", ressalta. 

Chocolate premiado

Já na histórica Fazenda Riachuelo, fundada em 1855, é possível conhecer a lavoura, o laboratório e a fábrica, em uma experiência completa para os amantes dos chocolates Mendoá, produzidos no local. "Temos domínio de toda a cadeia produtiva, da árvore à barra. Nosso processo é com foco em qualidade, identidade e propósito", explica Aila Costa, coordenadora de controle de qualidade.

É lá onde são produzidos os premiados chocolates da Mendoá. "Fomos premiados em 2018, 2019 e 2020 pela Academy of Chocolate de Londres, que reconhece os melhores chocolates artesanais", conta Aila.

Na fábrica da Mendoá, o chocolate segue um percurso controlado em cada detalhe e o vistante pode conhecê-lo de perto. Antes de entrar na fábrica, é preciso se paramentar com protetores no cabelo, pés e corpo. Ao longo do passeio, é possível ver o processo desde a torra da amêndoa até a área de embalagens. "Nosso objetivo é mostrar para as pessoas como é um processo delicado, cuidadoso e muito controlado, feito com muita atenção e por pessoas que amam o mundo do chocolate", destacou a gerente. 

Ilhéus além do cacau

Conhecida por suas fazendas de cacau e por ser um dos principais polos de produção de chocolate do país, Ilhéus também encanta os visitantes por sua herança histórica, arquitetura preservada e pela atmosfera literária que inspira curiosos e apaixonados pelo escritor Jorge Amado. Quem visita a cidade, ao passar pela ponte Jorge Amado, pode conhecer muito mais do que plantações e fábricas: o centro histórico abriga construções imponentes e espaços emblemáticos que contam a trajetória do sul da Bahia e revelam a força cultural e simbólica da região.

No coração da cidade, a imponente Catedral de São Sebastião se destaca com sua cúpula de 47 metros de altura e fachada em estilo neoclássico. A construção começou em 1931, durante o auge da economia cacaueira, e levou mais de três décadas para ser concluída. 

A catedral é mais que um marco religioso — é também um símbolo do poder e da fé da elite cacaueira. Seu interior impressiona pela altura da abóbada, pelas colunas em estilo greco-romano e pelos vitrais coloridos que narram episódios da vida de São Sebastião. O templo abriga ainda altares laterais dedicados a santos como São Francisco de Assis e Nossa Senhora Aparecida.

Saídos das páginas dos livros

Logo ao lado da Catedral, é possível encontrar o Bar Vesúvio, talvez o restaurante mais famoso de Ilhéus, eternizado nas páginas de Gabriela, Cravo e Canela. Fundado no final do século 19, o bar foi frequentado por personagens reais que inspiraram Jorge Amado e tornou-se ponto central da obra, como o local onde o "turco" Nacib conheceu Gabriela. O casarão que abriga o Vesúvio foi tombado como patrimônio histórico e restaurado com cuidado para preservar sua identidade. Hoje, oferece pratos típicos da culinária baiana e abriga uma estátua de Jorge Amado na calçada, eternizando o escritor diante de uma de suas criações mais famosas.

Descendo a rua lateral do bar, o lendário Bataclan completa o triângulo cultural e literário de Ilhéus. Fundado em 1926, o cabaré funcionava como ponto de encontro da elite cacaueira — empresários, coronéis e políticos da época. Abandonado por décadas após o declínio do cacau, o prédio foi restaurado nos anos 2000 e hoje abriga um centro cultural com restaurante, salão de eventos, espaços expositivos e visitas guiadas. A arquitetura do Bataclan mistura colunas metálicas, janelas arqueadas e grandes varandas, resgatando o charme original do local.

O Bataclan ganhou notoriedade nacional com Gabriela, Cravo e Canela, em que aparece como palco das festas e dos bastidores do poder. A personagem Maria Machadão, baseada na antiga dona do cabaré, é retratada como uma mulher influente que conhecia como ninguém os segredos da cidade. Lendas urbanas também contribuem para o fascínio em torno do prédio: muitos moradores contam que existiriam túneis subterrâneos que ligavam o Bataclan à Catedral e ao porto, permitindo que figuras importantes transitassem discretamente entre a devoção e o desejo.

Diz-se pela cidade que, durante as missas dominicais, enquanto as esposas estavam na Catedral, seus maridos fingiam tomar um café no Vesúvio, mas usavam túneis para chegar ao Bataclan. O toque final vinha do sino da igreja, que anunciava o fim da missa — o aviso para que todos retornassem rapidamente ao bar e reencontrassem suas famílias. Verdade ou lenda, o fato é que esses espaços, hoje turísticos, guardam as múltiplas camadas da história de Ilhéus, onde fé, literatura, memória e prazer se entrelaçam em uma narrativa que continua encantando visitantes do mundo todo.

 Quando o chocolate vira espetáculo

Durante quatro dias, o cacau sobe ao palco em Ilhéus não apenas como matéria-prima, mas como símbolo de cultura, história, inovação e sabor. O Chocolat Festival transforma a cidade baiana na capital brasileira do chocolate, reunindo produtores, especialistas e marcas que celebram todas as etapas da cadeia produtiva do fruto. Na 44ª edição, o evento contou com 260 expositores, mais de 500 marcas e um público de cerca de 80 mil visitantes.

Entre os corredores aromáticos do festival, a criatividade dos expositores salta aos olhos e ao paladar. Para além das barras tradicionais, marcas como a Natucoa surpreendem com uma cerveja feita de mel de cacau. A Cabruca Catharina Sour — uma das cervejas artesanais da marca — é inspirada na cultura baiana e traz, por meio do mel de cacau, um toque especial, equilibrando o amargo do lúpulo à doçura sutil e natural da fruta. 

As combinações ousadas não ficam por aí. No estande da Cacau do Céu, os visitantes encontraram tanto os chocolates tradicionais ao leite e com frutas quanto sabores mais diferenciados, como chocolate ao leite 40% cacau com queijo canastra e doce de leite. 

O queijo e o doce de leite, antes de entrarem na receita, passam por um processo de liofilização — uma técnica que retira a água dos ingredientes por meio de congelamento a vácuo, preservando o sabor original em forma de pó sem perder o gosto ou o aroma. O processo é feito diretamente na fábrica da marca, em Minas Gerais, onde o cacau originário de Ilhéus é transformado nas receitas de chocolate com ingredientes diferenciados. 

Sabores diversos

Já na Pelourinho, o que mais fez sucesso durante o festival, segundo a dona da marca, Jucineide Ferreira Cordeiro, foi o cupuaçu trufado com chocolate 70% cacau. Feito com lascas de cupuaçu desidratado, a iguaria é mergulhada parcialmente em chocolate derretido, que é cristalizado posteriormente. O pacote de 100g encantou corações por toda a feira — inclusive o da repórter. 

Além dele, a tradicional geleia de cacau — primeiro produto da marca — segue na mesma embalagem, conhecida por toda a região há 35 anos. O produto artesanal, feito a partir do mel de cacau, é extraído da prensagem das sementes com a polpa e o açúcar, e carrega a tradição da produção regional da fruta. 

Já na Luzz Cacau, marca que nasceu da vontade de transformar o cacau fino da Bahia em chocolate de qualidade, as opções de capuccino e chocolate branco com gengibre brilharam nos olhos e no paladar de quem passava pela feira. 

Mesmo entre tantas opções exóticas, os tradicionais chocolates ao leite ainda tiveram seu lugar especial no festival. Na Chocolate Caseiro Ilhéus, os visitantes puderam provar os tabletes de 30g com chocolate ao leite feito do cacau colhido diretamente na terras da Princesinha do Sul.

Brasília não ficou de fora dessa edição. Representados pela LaBarr, o chocolate candango participa do evento desde 2017. Segundo Leandro Isaías, fundador da marca que esteve presente no evento, os sabores que ganharam o coração do público foram o Ao Leite 42%, cacau com nibs de cacau e flor de sal e o 70% cacau com baru. 

 

Do cacau ao chocolate

O caminho do cacau até virar chocolate começa ainda na floresta. Cultivado no sistema cabruca, em meio à Mata Atlântica, o fruto é colhido maduro e quebrado para a retirada das amêndoas. Essas passam pela fermentação e secagem, etapas fundamentais para o desenvolvimento do sabor. Logo, então, inicia-se a torra, responsável pelo aroma e sabor característicos. Depois, vem o descasque, em que a casca é separada dos nibs (fragmentos do cacau torrado), que são moídos e refinados até virar a massa de cacau, base do chocolate.

Essa massa passa pelo processo de aquecimento, que elimina ácidos indesejáveis e suaviza o sabor. A partir daí, entra a fase de formulação: ingredientes como açúcar, leite, frutas e manteiga de cacau são adicionados conforme a receita. Após novo refino, o chocolate é temperado, o que garante brilho, textura lisa e o famoso “snap” na quebra. Moldado e desmoldado com cuidado, o chocolate está pronto para ser embalado e saboreado.

Colina Benevides

Localizada no Km 26 da Rodovia Jorge Amado, a Colina Benevides apresenta não só uma aventura por uma trilha pela Cabruca, passagem pela Gameleira, degustação de cacau fresco e mel de cacau, como também um almoço especial de sexta a domingo, mediante reserva. 

No cardápio executivo, três opções de entrada, prato principal e sobremesa mesclam as iguarias do cacau à comida fresca e feita na hora. De entrada, o consumidor pode escolher entre uma salada da horta com cacau verde, coxinha de jaca com geleia de mel de cacau ou dadinho de tapioca com geleia de abacaxi apimentada. 

Como prato principal, as opções variam de carne de sol acebolada com feijão-verde e farofa d'água, filé-mignon com talharim artesanal ao molho de chocolate, filé de pescada ao molho de melaço de cacau com purê de banana-da-terra e farofa crocante com nibs de cacau, e moqueca de banana-da-terra com cacau verde, farofa crocante e arroz. 

Para fechar em grande estilo, a casa oferece cocada de forno com sorvete de tapioca e melaço de cacau, bolinho de estudante com calda de caramelo, ou café espresso harmonizado com três chocolates.

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postado em 17/08/2025 06:00
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