Comportamento

Magreza extrema volta ao debate com a alta das canetas emagrecedoras

Em meio à busca por remédios emagrecedores, a diversidade corporal perde espaço e os ideais estéticos se tornam irreais

Imagem da campanha da Zara que foi removida pela aparência extremamente magra da modelo  -  (crédito: Reprodução)
Imagem da campanha da Zara que foi removida pela aparência extremamente magra da modelo - (crédito: Reprodução)

Após anos de avanços no discurso da diversidade corporal, a magreza extrema volta a rondar o imaginário da moda, das redes sociais e, principalmente, das farmácias. O cenário marcado pela grande procura por canetas emagrecedoras evidencia uma contradição: de um lado, tem o movimento body positive e, de outro, o surgimento de padrões inalcançáveis de peso, que marcou gerações dos anos 2000 com a estética heroin chic.

O debate acerca da busca pelo "corpo ideal" ganha força com campanhas polêmicas dos últimos meses, especialmente por dois anúncios da empresa de fast fashion Zara. A marca espanhola foi proibida de veicular imagens consideradas "socialmente irresponsáveis" pela Autoridade de Padrões Publicitários (ASA) do Reino Unido. De acordo com o órgão, as campanhas exibiam modelos com aparências "magras de forma não saudável". 

A autoridade britânica destacou que os anúncios removidos possuíam detalhes específicos nas imagens que contribuíram para a percepção de magreza extrema, como a "clavícula protuberante" da modelo e a "impressão de que seus braços, ombros e peito eram muito magros". Em seguida, a Zara removeu as imagens dos anúncios e afirmou que as modelos são bem conhecidas, de boa reputação na indústria da moda e que tinham certificações médicas que comprovavam boa saúde.

Representatividade e pressão estética 

Com a queda no discurso de valorização da pluralidade, muitas modelos percebem a diminuição da representatividade de corpos que não são magros. "Não porque deixamos de existir, mas porque a narrativa visual que chega ao público começa a excluir de novo quem está fora desse ideal", destaca a modelo e influenciadora midsize Mayra Fernandes, 32 anos. 

Para ela, quando o ideal de magreza volta a dominar, há o crescimento da pressão estética. No entanto, Mayra afirma que aprendeu a filtrar e percebe que a própria saúde, autoestima e história estão acima das tendências. Segundo ela, é um exercício diário de lembrar por que começou a criar conteúdos que mostram que existe beleza fora do padrão imposto.

Não pertencente aos parâmetros de magreza, Mayra também não se reconhece nas modelos plus size, então sente que, em algumas marcas, o seu corpo não foi pensado. "Parece que a indústria entende os extremos, mas quando falamos de um corpo como o meu, que não é padrão e também não é plus, ainda existe uma certa resistência." Além disso, a influenciadora nota que muitas marcas falam sobre diversidade para acompanhar o movimento, mas, na hora de criar campanhas, escolher casting e pensar em grade de produtos, a realidade ainda não reflete esse discurso.

A modelo brasiliense Joquebede Tavares, 21, acredita que o corpo magro merece representação, mas é essencial prezar pela saúde e diversidade. De acordo com ela, por meio das redes sociais, a popularização e a exposição de práticas e procedimentos estéticos aumentam a distinção entre a magreza natural e a obtida por meio de práticas extremas. "Existe um caminho para que a magreza natural seja valorizada sem que seja confundida com práticas nocivas", salienta. 

Para Joquebede, o mercado tem olhado para diferentes formas e estilos, o que a deixa feliz, mas não a impede de cair em pressões estéticas que, na maior parte das vezes, vêm dela mesma. Apesar de ter se cobrado diversas vezes para estar mais em forma e ter mais corpo, desde que entrou na agência de modelos, recebeu apoio e aprendeu que o importante é estar em sua melhor forma, saudável e confiante. 

  • Kate Moss era o grande símbolo da cultura heroin chic
    Kate Moss era o grande símbolo da cultura heroin chic Reprodução/Pinterest
  • Por meio das redes sociais, Mayra Fernandes incentiva as mulheres a superarem as inseguranças e terem mais confiança em relação aos seus corpos e curvas
    Por meio das redes sociais, Mayra Fernandes incentiva as mulheres a superarem as inseguranças e terem mais confiança em relação aos seus corpos e curvas Arquivo pessoal
  • A modelo Joquebede Tavares reforça a importância da rede de apoio no processo de aceitação do próprio corpo
    A modelo Joquebede Tavares reforça a importância da rede de apoio no processo de aceitação do próprio corpo Arquivo pessoal
  • As canetas emagrecedoras fazem parte do tratamento da obesidade, mas não devem ser utilizadas apenas por fins estéticos
    As canetas emagrecedoras fazem parte do tratamento da obesidade, mas não devem ser utilizadas apenas por fins estéticos Reprodução/Freepik

Redes sociais na linha de frente

As plataformas também tentam conter conteúdos nocivos. O TikTok, por exemplo, baniu os usuários de pesquisarem pelas #skinnytok e #heroinchic, que direcionam para conteúdos que "idolatram a magreza extrema" e dão dicas de perda de peso não saudável. Agora, as pessoas que usarem essas hashtags serão redirecionadas para recursos de apoio à saúde mental.

Mesmo com as medidas de segurança, os usuários seguem criando variações para driblar a moderação. No entanto, a plataforma reafirma o compromisso de excluir vídeos que parecem promover conselhos para um estilo de vida saudável, mas podem ser prejudiciais. 

A psicóloga clínica Simone Cavalcante Bolor afirma que, quando o corpo magro volta a ser visto como o ideal, muitos jovens, principalmente mulheres, passam a acreditar que só serão aceitos se se encaixarem nesse padrão, o que gera angústia, culpa e insegurança. De acordo com ela, mesmo sem as hashtags, as imagens e os discursos que evidenciam o corpo ideal ainda aparecem e sustentam ciclos de restrição e compulsão. "Na clínica, é comum ouvir jovens dizendo que, mesmo quando tentam se afastar, acabam sendo puxados de volta pelo algoritmo, sentindo-se cada vez mais inadequados."

Para a psicóloga, o risco da anorexia e da bulimia associada à cultura da magreza dos anos 2000 pode se repetir de forma ainda mais amplificada por conta das redes sociais. Entre os comportamentos que se assemelham aos da época estão esconder comida, usar roupas largas para disfarçar o corpo ou se exercitar de forma exagerada.

Saúde em voga 

O Ozempic e outros remédios indicados para diabetes tipo 2 se tornaram objeto de desejo para quem busca emagrecimento rápido. Ainda que realmente tenham finalidade médica, muitos usam esses medicamentos sem prescrição adequada, apenas como canetas emagrecedoras.

Presidente do conselho deliberativo da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) e diretora do departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Cintia Cercato afirma que, embora a semaglutida tenha sido inicialmente aprovada para diabetes tipo 2, ela tem um programa robusto de estudos clínicos para o tratamento da obesidade. De acordo com ela, mais de 60% da população brasileira tem excesso de peso e uma em cada quatro pessoas tem obesidade, mas menos de 2% desses 25% está em tratamento farmacológico. 

Apesar da busca por tratamento alcançar pessoas que realmente precisam, também há aqueles que utilizam o medicamento unicamente para fins estéticos. "Existe um padrão de beleza, uma pressão da sociedade que as pessoas querem estar mais magras e, como a gente tem um tratamento bastante eficaz para uma doença complexa, que é a obesidade, muitas pessoas que não têm excesso de peso acabam o utilizando pelo desejo social de ser mais magro", salienta Cintia.

Mesmo que as canetas emagrecedoras  ajudem a eliminar alguns quilos, o sofrimento pode não estar só no corpo, mas na relação com a própria imagem. Nesses casos, os sentimentos de insegurança e inadequação permanecem. "O risco é acreditar que o remédio vai resolver tudo, como se fosse uma 'fórmula mágica' para se sentir bem. Isso pode gerar dependência emocional: medo de parar, sensação de que sem ele não terá valor e até frustração, porque, muitas vezes, a insatisfação não desaparece mesmo emagrecendo", destaca a psicóloga Simone Cavalcante Bolor. 

 

 

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postado em 14/09/2025 06:00
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