Beto Seabra — especial para o Correio
Uma cidade não é feita apenas de prédios e pessoas. Lucio Costa sabia disso quando dividiu Brasília em quatro escalas: Monumental, Residencial, Gregária e Bucólica. Ou seja, falando de modo simplificado, os palácios, as superquadras, os setores comerciais e, a menos lembrada, representada pelo espaço verde da capital.
São gramados, bosques, jardins e parques naturais que completam o projeto de Brasília e fazem dela um lugar diferente para se viver. Aí incluímos o Lago Paranoá, que completa a escala Bucólica dessa verdadeira cidade-parque. Dizem que vivemos em um dos lugares mais verdes do mundo. Não duvido. A questão é saber se essa abundância de natureza se estende às demais cidades do Distrito Federal. Acredito que não.
Já andei pelos quatro cantos do nosso quadrilátero e sempre senti falta de mais árvores onde se aglomeram casas, comércios e outros equipamentos urbanos. A ilha Brasília — assim chamada por muitos de seus críticos em razão da distância econômica que a separa do seu Entorno — também existe de forma isolada pela sua monumentalidade natural.
Quem passeia pelo Eixão do Lazer aos domingos nessa época do ano sabe do que estou falando. Ali se encontram as quatro escalas: a Monumental, representada pela grande pista que atravessa a cidade; a Residencial, pelas superquadras que margeiam a via; a Gregária, pelo comércio informal que ocupa o Eixão de Norte a Sul; e a Bucólica, que nesse período ganha uma dimensão ainda maior pelo florescimento dos ipês.
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Mas Brasília precisa que à sua volta também exista mais verde. A capital de um país não pode ser apenas um cartão-postal. Ela precisa representar propósitos e criar modelos que possam ser replicados por outras cidades. Ainda mais se essa capital surgiu quando o Brasil tinha mais de quatro séculos de existência e ela veio justamente para apontar novos caminhos para a nação.
Dia desses fui a Ceilândia e fiquei triste em ver que a maior e mais rica, culturalmente falando, cidade do DF possui poucas áreas verdes. É preciso plantar mais árvores em Ceilândia, muitas árvores. É preciso criar novos gramados, parques e jardins em Ceilândia. Sua gente merece um lugar mais bonito e mais saudável para viver. A situação em outras cidades não é diferente, como bem mostrou pesquisa feita e divulgada recentemente pelo próprio Governo do Distrito Federal.
Fala-se muito em obras viárias e na criação de novos programas sociais. Mas nada disso traria mais impacto positivo para a vida das pessoas e das cidades do que investir na escala Bucólica. Um lugar mais verde e mais bonito muda inclusive as relações sociais entre os moradores.
Anos atrás, quando eu passeava pelo Parque das Garças, localizado no final da península do Lago Norte, troquei impressões com três rapazes que moravam bem longe do Plano Piloto e que, aos sábados, aproveitavam o fim do expediente mais cedo para curtir a tarde em um lugar pra lá de bucólico. Estavam longe de casa, levariam algumas horas para retornar à cidade onde viviam, mas ainda assim decidiram estender o dia em um lugar próximo ao local onde trabalhavam apenas para terem alguns momentos de beleza. Que bom seria se eles pudessem fazer isso, também, na vizinhança de onde dormem de segunda a domingo e não apenas na Bucólica Brasília.
