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Harmonia sob a água: paciência, ciência e encantamento dentro do aquário

Por trás da beleza dos aquários, existe um universo que exige técnica, paciência e respeito com a vida aquática. Criar peixes é mais do que um hobby, é um exercício de equilíbrio e responsabilidade

Criar peixes pode parecer um passatempo tranquilo, e realmente é. Mas por trás da beleza de um aquário reluzente e de peixes coloridos que deslizam pela água, existe um pequeno ecossistema que exige conhecimento, cuidado e, sobretudo, paciência. Muitos não imaginam que manter um aquário saudável vai muito além da estética: é um exercício de equilíbrio entre natureza, técnica e dedicação.

Os peixes ornamentais, que há décadas enfeitam casas e consultórios, ganharam cada vez mais espaço entre os tutores brasileiros. Mas o que muitos não imaginam é que manter um aquário saudável vai muito além da estética: é um exercício de equilíbrio entre natureza, técnica e dedicação.

"Antes de adquirir um peixe, é fundamental realizar uma pesquisa detalhada sobre as espécies que se pretende manter no aquário, seus parâmetros ideais de manutenção, principalmente pH e temperatura, e quais são compatíveis entre si", explica Luis Otávio Freddo, estudante de medicina veterinária e estagiário do Laboratório de Fisiologia de Peixes da Universidade de Passo Fundo.

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Segundo ele, o erro mais comum dos iniciantes é a pressa. "Muitos tutores não aguardam o tempo adequado para o processo de ciclagem, que é essencial para o equilíbrio do ambiente aquático. A impulsividade pode comprometer toda a saúde do aquário."

Nutrição e bem-estar

A médica veterinária Juliana Lemos compara o aquário a "um organismo vivo". Cada etapa da sua montagem tem uma função. "A ciclagem é o coração do sistema. Durante esse período, as bactérias benéficas se instalam nas mídias biológicas e passam a transformar substâncias tóxicas, como a amônia, gerada pelas fezes e pelos restos de ração, em compostos menos nocivos, como nitrito e nitrato", explica. Ignorar esse processo pode causar uma reação em cadeia fatal: o aumento de amônia e nitrito gera estresse, o estresse reduz a imunidade, e o resultado são peixes doentes.

A qualidade da água é outro fator decisivo. "Para os peixes, a água é ainda mais importante que o ar é para nós. É onde eles vivem 24 horas por dia. Se houver desequilíbrio, o estresse aparece e, com ele, as doenças", destaca Juliana. O controle de pH, amônia, nitrito e temperatura deve ser rotina, com o auxílio de um bom filtro e um termostato eficiente.

A alimentação também é determinante. "A nutrição é um ponto crucial para o bem-estar e a longevidade dos peixes ornamentais", observa Freddo. "Deve-se oferecer ração específica para cada espécie, e em pequenas quantidades, para evitar sobras que prejudiquem a qualidade da água."

Juliana alerta para um erro comum: economizar demais. "Algumas rações baratas se dissolvem rapidamente, perdem nutrientes e poluem o aquário, provocando o surgimento de algas e biofilmes. O ideal é investir em produtos de qualidade e fazer pequenas refeições diárias."

Plantas, ambiente e manutenção

Além de beleza, plantas, pedras e troncos têm função ecológica no aquário. "Eles reduzem o estresse, servem de abrigo, auxiliam na oxigenação e na filtragem natural da água", explica Juliana. "As plantas consomem parte da matéria orgânica e ajudam a manter os níveis de amônia e nitrato sob controle." Freddo complementa: "Esses elementos ajudam na colonização de bactérias benéficas e servem de abrigo, delimitando territórios e proporcionando comportamentos naturais, como a desova ou o forrageamento".

Porém, há cuidados: troncos podem liberar taninos, que acidificam a água, e conchas alteram o pH, tornando-o alcalino demais. "Tudo deve ser planejado conforme as espécies que serão mantidas", aconselha o estudante.

Quando se fala de limpeza, não há uma fórmula única. "As trocas parciais de água, as chamadas TPAs, devem ser feitas conforme a necessidade e nunca ultrapassar 30% do volume semanal", explica ele. "Mas é essencial que a água nova esteja livre de cloro e metais pesados."

Juliana acrescenta: "Não adianta trocar muita água sem critério. A manutenção deve respeitar o tipo de sistema, a quantidade de peixes e a capacidade do filtro. Um bom condicionador de água é indispensável". Com o tempo, o aquário se torna autossustentável, exigindo apenas observação e pequenas correções.

Comportamento individualizado

Embora discretos, os peixes expressam comportamentos complexos e até traços de personalidade. "Cada peixe é único. Mesmo dentro da mesma espécie, há indivíduos mais sociáveis e outros mais reservados", observa Freddo. O peixe betta, por exemplo, é um caso emblemático. "Apesar da fama de 'brigão', há bettas que convivem bem com outros, enquanto alguns preferem a solidão."

A socialização também depende da espécie. Algumas, como poecilídeos, tetras e dânios, são gregárias e devem ser mantidas em grupos de, no mínimo, cinco indivíduos. Outras, como o flowerhorn, são mais territorialistas e precisam viver sozinhas. É essencial, então, pesquisar e buscar ajuda de um profissional, para saber como alocar melhor um peixinho. 

Para o aquarista Humberto Rocha, fabricante de iluminação para aquários, o fascínio pelos peixes nasceu da tranquilidade que eles transmitem. "Desde pequeno eu achava bonito, mas a paixão veio depois que montei meu primeiro aquário. No início, cometi vários erros,  coloquei água direto da torneira, adicionei muitos peixes de uma vez e não esperei a ciclagem. Mas aprendi na prática que a paciência é o segredo do sucesso."

Hoje, Humberto mantém um aquário de 300 litros, com espécies de ciclídeos africanos, conhecidos pelas cores vibrantes e pelo comportamento ativo. "O mais trabalhoso é manter o pH e a amônia estáveis, mas o mais prazeroso é ver os peixes nadando saudáveis e interagindo comigo. Na hora da alimentação, parecem cachorrinhos, ficam na superfície esperando a ração."

A rotina é simples: "Troco 30% da água a cada 15 dias e gasto de cinco a 10 minutos por dia observando e alimentando. É um momento de relaxamento. Depois de um dia cansativo, observar os peixes é quase uma terapia". 

Arquivo pessoal - Para Humberto, observar os peixes é um momento de relaxamento

De estudo a hobby

A paixão pelos peixes também conquistou Ana Carolina Daldegan, 22, estudante de biologia na Universidade de Brasília (UnB). "Desde o início da graduação, desenvolvi um grande interesse pelo estudo dos peixes. Eles formam um grupo incrivelmente diverso, não apenas em número de espécies, mas também em comportamentos e adaptações. Criar peixes de estimação acabou sendo uma forma de ficar mais próxima desse universo", conta.

Atualmente, Ana mantém um aquário com um acará-bandeira, um labeo frenatus albino, uma corydoras esmeralda gigante e um dojo. "Gosto de escolher espécies com comportamentos distintos, mas que convivam bem juntas. Isso deixa o aquário mais dinâmico e interessante de observar."

A rotina de cuidados, segundo ela, é constante, mas tranquila. "Diariamente, observo se todos estão se alimentando e com o comportamento normal. Faço a alimentação uma vez por dia e verifico o filtro. A cada 15 dias, realizo a TPA, removendo o excesso de resíduos e limpando o filtro. Com o tempo, vira um hábito."

Fotos: Arquivo pessoal - Para Ana, o aquário é um espaço de contemplação.

Para Ana, o aquário é um espaço de contemplação. "Sempre gostei de mergulhar em riachos e lagos para observar os peixes no seu habitat. Ter um aquário no meu quarto é uma forma de trazer um pouco dessa experiência para perto. Cada peixe tem uma personalidade única, e é fascinante observar suas interações." Ela garante que os peixes reconhecem o dono. "Acredito que nos associam à alimentação. Quando me aproximo, alguns sobem à superfície, outros seguem o movimento da mão."

Sobre custos, Ana reconhece que o hobby exige investimento. "Aquarismo é um hobby caro, especialmente no início, por conta do aquário, dos filtros e dos equipamentos. Depois, o gasto é menor, com ração e manutenção. Dá para manter um aquário equilibrado gastando pouco, desde que haja planejamento." E deixa um conselho aos iniciantes: "Pesquisem bastante antes de montar o aquário. É preciso entender o ciclo da água, compatibilidade entre espécies e importância da paciência. A pressa é inimiga da harmonia aquática".

Arquivo pessoal - A paixão pelos peixes também conquistou Ana Carolina Daldegan

O olhar veterinário e o cuidado responsável

Os entrevistados são unânimes: os peixes precisam de acompanhamento profissional. "Eles são seres sencientes, ou seja, sentem dor e estresse como qualquer outro animal", lembra Juliana Ventorim. Por isso, o ideal é que sejam atendidos por veterinários especializados em animais aquáticos.

Além disso, é essencial garantir que os peixes sejam adquiridos de forma legal e ética. "O tutor deve procurar lojas com licenças em dia e consultar a lista do Ibama, que define as espécies permitidas para criação doméstica", reforça Freddo.

Criar peixes é mais do que um hobby, é um mergulho em um microcosmo onde a vida depende de equilíbrio, cuidado e respeito. "O aquário ensina sobre paciência, equilíbrio e responsabilidade", resume Humberto. "Tudo na natureza precisa de tempo para se manter em harmonia."

Para quem pensa em montar um aquário, Humberto aconselha a ir com calma. "Pesquise bastante antes de começar. Tenha paciência no início e não tenha pressa em colocar peixes. Um aquário equilibrado é construído com calma evitando, assim, a mortandade dos peixes e uma possível desistência do hobby." 

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

 


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