
Em meio à rotina acelerada, ao excesso de estímulos visuais e à busca incessante por perfeição nas redes sociais, um movimento silencioso tem conquistado arquitetos, designers e moradores: o wabi-sabi. De origem japonesa, a filosofia do século 16 propõe um retorno ao essencial, à natureza e ao acolhimento, valores que hoje parecem mais necessários do que nunca.
Longe de ser apenas um estilo decorativo, o wabi-sabi é, segundo a arquiteta Angela Castilho, uma filosofia que cria nos espaços o reflexo de seus valores: simplicidade, leveza e experiências sensoriais, trabalhando sempre o essencial, os elementos naturais na forma mais autêntica. Já para Aline Silva, designer de interiores, representa um respiro dentro da casa, um convite a desacelerar e enxergar beleza no que é real, natural e imperfeito.
Embora cada profissional interprete o wabi-sabi à sua maneira, três pilares aparecem como consenso: a imperfeição, a simplicidade e a essência. "Nada precisa ser milimetricamente perfeito para ser belo, às vezes, é justamente o detalhe irregular que traz personalidade", resume Aline. Angela reforça que a imperfeição é o conceito matriz desse estilo, que coloca luz sobre o galho torto, o vaso com avarias, a madeira marcada pelo tempo, elementos que revelam história e autenticidade.
O valor da imperfeição
A influência do wabi-sabi no mundo contemporâneo é quase terapêutica. "Vivemos num mundo acelerado, onde a ansiedade é a doença do século, e o wabi-sabi propõe o oposto: um ambiente despoluído de excessos, onde qualquer dia parece domingo", diz Angela Castilho.
Aline complementa ao afirmar que a filosofia japonesa nos lembra que a casa precisa ser um lugar onde a gente respire, criando espaços que acolham em vez de exigir desempenho visual ou perfeição.
A arquiteta Isabelle Bizzo, da Archademy Distrito Federal, diz que esse conceito vai na contramão da estética "perfeita" das redes sociais. "O wabi-sabi propõe justamente o oposto: a verdade em vez da performance. Nas redes sociais, tudo parece precisar ser um cenário 'instagramável', mas quando adotamos essa filosofia, a casa deixa de ser palco e volta a ser lar", explica.
Angela reforça essa ideia ao dizer que a filosofia valoriza a passagem do tempo e rejeita os disfarces. "Enquanto as redes sociais cultuam a perfeição a qualquer custo, usando recursos que mascaram a autenticidade, como filtros e outros, buscando freneticamente por um ideal de perfeição que nunca envelhece, e nem deixam marcas, o wabi-sabi vem trazendo a admiração pela imperfeição, pela impermanência das coisas", completa.
Materiais que contam histórias
Para quem deseja transformar o lar, dê prioridade para materiais naturais, orgânicos e honestos, como madeira com veios aparentes, marcas e nós, pedras brutas, cerâmica artesanal, fibras naturais, como bambu, sisal, palha, piaçava, linho, algodão cru, barro em forma natural como na argila, adobe e taipa, metais com pátina e até elementos reaproveitados ou de demolição
"Os naturais em sua forma autêntica são indispensáveis", resume Angela. Ela destaca desde o uso de madeiras de demolição até galhos secos e eucaliptos de reflorestamento, reforçando o caráter sustentável da proposta. Aline acrescenta que cada peça tem uma presença: a cerâmica irregular, o linho amassado, a madeira sem verniz. "Tudo isso traz sensação de vida, calma e acolhimento no ambiente."
Isabelle complementa dizendo que esses materiais conectam o morador com o mundo real — madeira aquecendo, pedra trazendo peso, argila levando textura. O segredo está no equilíbrio: poucos elementos bem escolhidos e nada que tente parecer o que não é.
Cores, luz e reaproveitamento
A paleta wabi-sabi é sempre suave e natural com tons terrosos, off-whites, beges, cinzas-quentes e verdes-queimados. Segundo Angela, são cores que trazem neutralidade e sossego à mente e que favorecem a leitura de luz e sombra, elemento sensorial essencial ao estilo.
A iluminação, por sua vez, deve ser quente, indireta e difusa. Nada de brilho excessivo ou tons azulados. A luz natural filtrada por bambus e elementos vazados cria desenhos que mudam ao longo do dia e reforçam a ideia de impermanência.
E essa estética também reduz o consumo, pois valoriza a durabilidade, reaproveita materiais e prioriza o natural. "É totalmente amigo da sustentabilidade, trabalha sem predadorismo", afirma Angela, lembrando que o estilo resulta em ambientes frescos, ventilados e muito menos dependentes de tecnologia para conforto térmico.
O reaproveitamento de peças de mobiliário também entra na jogada — móveis antigos, peças de família ou objetos que já têm uma história trazem uma camada de afeto que nenhum item novo entrega. "Wabi-sabi nos reconecta com memórias, e móveis antigos têm exatamente essa capacidade", diz Isabelle.
Embora dialogue com o minimalismo, o estilo não é sobre reduzir ao extremo, mas sobre manter somente o necessário. Angela explica ao diferenciar o essencialismo do minimalismo. "Não é ter menos do que eu preciso, nem mais, é ter o essencial."
Para começar, as especialistas recomendam mudanças graduais e conscientes, e o primeiro passo é esvaziar o que não faz sentido. "Comece limpando seus armários e até dentro de você", diz Angela. Aline resume o processo de forma prática: "O wabi-sabi funciona melhor quando cresce naturalmente no dia a dia".
Erros comuns
Entre os principais equívocos apontados pelas profissionais, o primeiro é confundir imperfeição com desleixo. "Muita gente acha que wabi-sabi é deixar a casa 'sem cuidado'. Não é isso. A imperfeição aqui é intencional, com acabamento simples, mas bem feito", explica Aline.
Outro problema é esvaziar a casa de forma exagerada, buscando "tirar tudo", quando é sobre manter apenas o que faz sentido e traz conforto. E nessa linha, Aline reforça que não se deve tratar o estilo apenas como estético: "O estilo não funciona se for só visual, envolve funcionalidade, calma e significado no dia a dia. Quando a pessoa força um visual perfeito ou muito minimalista, perde a naturalidade que é essencial no estilo".
Usar materiais naturais de maneira artificial e forçar objetos "com aparência de gasto" também são grandes erros. "Nem tudo combina entre si. O wabi-sabi pede harmonia de tons, texturas e sensações. E quanto aos objetos, o foco é na sua história verdadeira. Forçar o "gasto" não traduz a filosofia", diz a designer.
Um problema comum é querer um resultado imediato, que, muitas vezes, causa o efeito contrário. "Esse estilo ganha força com o tempo: com uso, marcas, vivência. Não é um conceito para ser 'montado' em um dia", reforça Aline. Angela complementa: "Mistureba não dá, wabi-sabi exige valores, não apenas estética. Você já tem que estar convencido de que não precisa carregar bagagem de tanta coisa na vida para ser feliz. Quando você se reconhece nesse lugar, então você está pronto para poder usar esse estilo".
*Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte

Revista do Correio
Revista do Correio
Revista do Correio
Revista do Correio
Revista do Correio
Revista do Correio