Inovação

Laser ultracurto mata bactérias resistentes

Abordagem elimina mais de 99% de micro-organismos que não sucumbem a antibióticos. Para cientistas estadunidenses, a solução também pode melhorar a esterilização de feridas e os processos da hemodiálise

Correio Braziliense
postado em 29/11/2021 06:00 / atualizado em 29/11/2021 06:29
O laser elimina a bactéria MRSA sem comprometer proteínas e células humanas: ajustes variados da potência -  (crédito: AFP)
O laser elimina a bactéria MRSA sem comprometer proteínas e células humanas: ajustes variados da potência - (crédito: AFP)

O avanço de bactérias resistentes a antibióticos é tratado por especialistas como uma das maiores emergências de saúde pública. Até mesmo medicamentos ainda em teste parecem não conseguir matar esses superpatógenos, alerta a Organização Mundial da Saúde (OMS). Cientistas da Escola de Medicina da Universidade de Washington em St. Louis, nos Estados Unidos, trabalham em uma abordagem tecnológica para combater esses micro-organismos: laser de pulso ultracurto. Em experimentos, a técnica conseguiu eliminar mais de 99,9% dos alvos, abrindo um caminho também de intervenção para novas formas de esterilização de feridas e manejo de hemoderivados.

Em estudos anteriores, o grupo já havia detectado que a abordagem não é prejudicial ao corpo humano. Esse tipo de laser gera pulsos luminosos com duração muito curtas, em microssegundos, e são usados em áreas diversas — com ele, cientistas criam nanoestruturas precisas e profissionais de saúde avançam em cirurgias oftalmológicas, por exemplo. Agora, a equipe estadunidense traz a possibilidade de ampliação das aplicações médicas.

"A tecnologia de laser de pulso ultracurto inativa exclusivamente os patógenos, enquanto preserva as proteínas e células humanas. Imagine se, antes de fechar uma ferida cirúrgica, pudéssemos escanear um feixe de laser em todo o local e reduzir ainda mais os riscos de infecção. Posso ver essa tecnologia sendo usada em breve para desinfetar produtos biológicos in vitro e até mesmo para tratar infecções da corrente sanguínea, colocando pacientes na diálise e passando o sangue por um dispositivo de tratamento a laser", cogita Shaw-Wei (David) Tsen, primeiro autor do novo estudo, divulgado na revista científica Journal of Biophotonics.

A equipe tem explorado as propriedades germicidas dos lasers de pulso ultracurto por anos. No novo estudo, conduzido em colaboração com Shelley Haydel, professora de microbiologia na Universidade Estadual do Arizona, eles ampliaram a investigação, incluindo bactérias resistentes a antibióticos e esporos bacterianos. Esses patógenos contêm estruturas de proteína densamente compactadas, mas que podem ser excitadas por um laser de pulso ultracurto. Ele faz com que essas estruturas proteicas vibrem até que algumas de suas ligações moleculares se rompam. As pontas quebradas acabam se reconectando rapidamente a tudo o que podem encontrar. Em muitos casos, acabam não voltando à condição anterior.

O resultado é uma confusão de ligações incorretas dentro e entre as proteínas, e essa bagunça faz com que a função normal das proteínas desses micro-organismos pare, e eles, consequentemente, morram. Tsen explica que, ao escolher a potência do laser, pode-se atingir patógenos distintos. "Publicamos, anteriormente, um artigo no qual mostramos que a potência do laser é importante. Com uma determinada potência, estamos inativando vírus. Conforme você a aumenta, começa a inativar bactérias", explica.

Mesmo com essa mudança na potência, não há risco de causar problemas a um paciente, garante o pesquisador. "É preciso um poder ainda maior do que isso, e estamos falando de ordens de magnitude, para começar a matar células humanas. Portanto, há uma janela terapêutica em que podemos ajustar os parâmetros do laser de forma que possamos matar os patógenos sem afetar as células humanas", afirma.

Efeito expressivo

Para testar a abordagem, o grupo treinou os lasers com amostras de dois patógenos bastante diferentes: Staphylococcus aureus multirresistente (MRSA), que causa infecções na pele e nos pulmões, entre outros órgãos, e Escherichia coli, responsável por infecções do trato urinário, diarreia e infecções de feridas.

Também entraram na análise esporos da bactéria Bacillus cereus, que causam intoxicação alimentar e podem resistir à fervura e ao cozimento. Em todos os casos, os lasers mataram mais de 99,9% dos organismos-alvo, reduzindo a quantidade deles em mais de 1.000 vezes. Para Tsen, o resultado tão expressivo sinaliza a possibilidade do uso da abordagem para melhorar o combate a infecções e a esterilização em diferentes frentes. "Qualquer coisa derivada de fontes humanas ou animais pode estar contaminada com patógenos", justifica.

O cientista cita como exemplo a possibilidade de melhorar o manejo de hemoderivados. "Temos que saber o que estamos rastreando. Se um novo vírus transmitido pelo sangue surgir, como aconteceu com o HIV nos anos de 1970 e 1980, ele pode entrar no suprimento de sangue antes que percebamos. Lasers de pulso ultracurto poderiam ser uma forma de garantir que nosso suprimento de sangue esteja livre de patógenos conhecidos e desconhecidos."

 

 

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Variações

A agência de saúde das Nações Unidas alertou, em abril, que nenhum dos 43 antibióticos atualmente em desenvolvimento é capaz de resolver o problema de resistência de 13 bactérias consideradas as mais perigosas do mundo. Também segundo o relatório da OMS, quase todos os novos antibióticos lançados nas últimas décadas são variações das classes da medicação descobertos na década de 1980. A estimativa é de que, mantido esse cenário, as superbactérias se tornem a principal causa de morte da humanidade — a partir de 2050, elas podem matar até 10 milhões de pessoas por ano.

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