água potável

Cientistas criam filtro de água inspirado em buchas vegetais

Movida a luz solar, esponja de hidrogel fornece a quantidade diária de líquido potável indicada para uma pessoa. Cientistas estadunidenses planejam usar a estrutura também para ações antibacterianas e outros fins médicos

Fernanda Fonseca*
postado em 27/02/2023 06:00
 (crédito: Xiaohui Xu)
(crédito: Xiaohui Xu)

Em todo o mundo, cerca de três em cada 10 pessoas não têm acesso à água potável em casa, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Devido à expansão da industrialização, ao crescimento populacional e à contaminação dos recursos de água doce, especialistas afirmam que esse número tende a aumentar nas próximas décadas. Como uma alternativa, pesquisadores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, criaram um hidrogel poroso, inspirado nas buchas vegetais, que consegue purificar a água, satisfazendo necessidades diárias de consumo individual.

Um dos objetivos do projeto era de que a solução fosse movida a luz solar, mesmo em dias com pouca luminosidade. A alternativa encontrada foi o uso de hidrogéis responsivos à temperatura, especificamente o poli(N-isopropilacrilamida). Conhecidos como PNIPAm, esses materiais absorvem a água em temperaturas mais baixas e repelem o líquido quando são aquecidos. "O polímero pode sofrer troca do estado hidrofílico para o hidrofóbico a aproximadamente 33°C", detalha Xiaohui Xu, do Departamento de Engenharia Química e Biológica da instituição americana e uma das líderes do estudo, publicado na revista ACS Central Science.

Os hidrogéis responsivos conseguem apresentar mudanças em seu volume diante de resposta a vários estímulos, como alterações no nível de acidez, na temperatura e exposição à radiação eletromagnética. "Em geral, eles apresentam uma grande variação de volume para pequenas variações desses parâmetros", explica André Casimiro de Macedo, professor do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Em projetos anteriores, os convencionais géis de PNIPAm haviam se demonstrado promissores em processos de purificação de água e dessalinização. Porém, devido a sua estrutura fechada, eles não conseguem absorver uma grande quantidade de líquido. Por isso a aposta da equipe estadunidense nas buchas muito usadas para tomar banho. "A esponja seca tem uma estrutura de poros abertos que leva a uma rápida permeação de líquidos. Essa propriedade inspirou nosso projeto de hidrogéis de poros abertos com comportamento de liberação rápida", conta Xu, que liderou a equipe com Rodney Priestley.

Adaptável

Os cientistas misturaram água e etilenoglicol — um composto químico largamente utilizado como anticongelante — para produzir o hidrogel poroso. Diferentemente da bucha vegetal, que muda em contato com a água, a solução tecnológica teve a sua estrutura alterada conforme a exposição aos raios solares e ao líquido contaminado.

As fortes interações hidrofóbicas acabam por expulsar a água contida no interior do gel, deixando os poluentes retidos na esponja. "O gel poroso incha absorvendo grandes quantidades de água enquanto captura ou filtra contaminantes simultaneamente", explica Xu. A pesquisadora também ressalta que a tecnologia é altamente adaptável a diversas fontes de água disponíveis para consumo humano.

Em testes com uma luz artificial simulando a solar, observou-se que o material tem potencial para atender a demanda diária de água potável de uma pessoa, inclusive em dias nublados. Após imersão em água por 12 horas, o hidrogel poroso sofreu um aumento de pouco mais de 680% em seu volume, exibindo uma velocidade de absorção muito mais rápida do que os hidrogéis comuns.

Os cientistas testaram o material em amostras poluídas com metais pesados, óleo e microplásticos, observando que, em todos os experimentos, ele tornou a água consideravelmente mais limpa. Submetidas a dois ciclos de tratamento, amostras de água com cromo foram absorvidas e, depois, liberadas dentro do limite permitido para água potável.

Riscos à saúde

Gastroenterologista e hepatologista da clínica GastroCentro, em Brasília, Daniela Carvalho lembra que os principais problemas de saúde associados ao consumo de água contaminada são verminoses, infecções por protozoários e gastroenterites por causas virais ou bacterianas, doenças que atingem milhares de brasileiros todos os anos. "Dados do Instituto Trata Brasil mostram a ocorrência de 273.403 internações por doenças causadas por micro-organismos transmitidos por água não tratada em 2019", detalha.

Além das doenças provocadas por contaminantes de origem biológica, a presença de agentes químicos na água pode trazer danos à saúde relacionados ao acúmulo desses elementos no corpo. "Há diversos exemplos na literatura especializada mencionando anemia, doenças renais, disfunções reprodutivas, perturbações neurológicas etc.", continua Casimiro.

Nesse cenário, o especialista brasileito avalia como promissor o método de purificação proposto pelos cientistas estadunidenses. "Trata-se de um material muito versátil e que apresentou bom desempenho com relação à captação de água, sobretudo por ser um sistema com menor exigência de energia e alta taxa de coleta de água", justifica. "Isso sugere que seja uma plataforma de materiais adequada para tratamento de águas residuais."

Os criadores da solução tecnológica planejam outras utilidades, além do tratamento hídrico. "Acreditamos que os hidrogéis de poros abertos podem ser usados em aplicações biomédicas, como a administração de medicamentos", afirma Xu. "Também estamos trabalhando no desenvolvimento de um hidrogel antibacteriano que possa matar com eficiência as bactérias nascidas na água. Além disso, testaremos a capacidade de purificar a água contaminada com PFAS".

*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza

 

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  • O dispositivo absorve água poluída à temperatura ambiente e a libera purificada quando aquecido a 33ºC: estrutura com redes de poros abertos
    O dispositivo absorve água poluída à temperatura ambiente e a libera purificada quando aquecido a 33ºC: estrutura com redes de poros abertos Foto: Fotos: Xiaohui Xu/AFP
  • Xiaohui Xu, coautora do artigo e pesquisadora do Departamento de Engenharia Química e Biológica da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos.
    Xiaohui Xu, coautora do artigo e pesquisadora do Departamento de Engenharia Química e Biológica da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Foto: Universidade de Princeton

Fibras de celulose

 (crédito: Acervo pessoal )
crédito: Acervo pessoal

“Chamamos de bucha, bucha vegetal e esponja vegetal, a esponja fibrosa oriunda da Luffa cylindrica, que é uma trepadeira da família das cucurbitáceas, a mesma do pepino, da melancia e da abóbora. Quando seca a partir do material totalmente amadurecido, a bucha tem uma rede de poros abertos interligada por fibras de celulose. Foi essa estrutura que os autores tentaram replicar. Portanto, o indicador crítico para a concepção do hidrogel é a sua estrutura, significando formar, com sucesso, uma semelhante à da bucha. Isso foi possível no caso de hidrogéis sintetizados na presença de etilenoglicol, cuja diferença na estrutura desses novos materiais foi confirmada por microscopia.”

André Casimiro de Macedo, professor do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal do Ceará

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