inovação

Cientistas criam condutor de eletricidade feito de madeira

Transistor criado por cientistas suecos é o primeiro do tipo e abre caminho para o desenvolvimento de dispositivos biodegradáveis

Amanda Gonçalves*
postado em 22/05/2023 06:00
 (crédito: THOR BALKHED)
(crédito: THOR BALKHED)

Transistores de metal são dispositivos fundamentais para o funcionamento de aparelhos eletrônicos modernos, uma vez que conseguem regular as correntes elétricas que passam por eles. A fim de criar uma abordagem eletrônica de baixo custo e sustentável, pesquisadores da Linköping University e do KTH Royal Institute of Technology, ambos na Suécia, desenvolveram um dispositivo de madeira. Segundo os criadores, trata-se do primeiro transistor do mundo com essa composição, e a aposta é de que ele seja usado em soluções diversas.

O wood electrochemical transistor (WECT) — transistor eletroquímico de madeira, em tradução livre — foi montado com dois pequenos pedaços retangulares de madeira atravessados por um outro pedaço mais fino, formando uma cruz. Para torná-lo condutivo, os pesquisadores removeram a lignina, componente que torna a madeira rígida e impermeável. Nos locais, ficaram canais com longas fibras de celulose, e a equipe os preencheu com o polímero condutor PEDOT:PSS. Dessa forma, pode-se induzir a atividade elétrica nos três eletrodos de metal presentes nas extremidades do transistor.

Isak Engquist, professor-associado sênior do Laboratório de Eletrônica Orgânica da universidade sueca, conta que a concepção inicial do WECT surgiu após anos de pesquisas sobre diferentes combinações da celulose e eletrônica orgânica para o armazenamento de energia. "Começamos a usar madeira sem desconstruí-la em celulose e conseguimos fazer um material condutor de eletricidade", enfatiza.

Segundo o pesquisador, nos testes iniciais, o transistor de madeira regulou apenas o transporte de íons. Quando eles acabavam, o dispositivo parava de funcionar. A versão aprimorada pela equipe atua continuamente e regula o fluxo de eletricidade sem se deteriorar. O WECT depende do transporte de elétrons através dos canais preenchidos com o polímero condutor. "Uma vez que esses canais estão conectados a um circuito externo, nunca ficam sem elétrons", explica Engquist.

O principal desafio para construir o WECT foi encontrar a madeira que pudesse ser pré-tratada e permanecesse mecanicamente estável. Após vários testes, a equipe optou pela Pau-de-balsa, que é leve, resistente e de crescimento rápido. Além disso, é estruturada uniformemente, sem grãos que atrapalhem a condução elétrica.

Limites

Outra característica do transistor — apresentado, recentemente, na revista The Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas) — é que ele controla a corrente elétrica por meio da troca entre componentes químicos carregados eletricamente, não por um campo elétrico, como ocorre com os dispositivos convencionais. Essa característica, porém, faz com o WECT seja lento e volumoso. "Agora, não será possível utilizá-lo como substituto de microprocessadores ou outros chips de silício", afirma Engquist.

Alexandre Ricardo Romariz, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília (UnB), explica que, por conta das correntes serem menores e lentas, o transistor de madeira não pode substituir o de silício nas aplicações de computação moderna, por exemplo. "Ele não vai fazer chaveamentos ultrarrápidos nem transformar energia em grandes escalas", ilustra.

Na avaliação de Marcelo Silva, engenheiro eletricista da Alves Projetos Soluções Engenharia Elétrica, em Brasília, além de menor condutividade elétrica, o WECT pode ser mais frágil e menos duradouro: "Outras limitações são sensibilidade à umidade e à temperatura e, potencialmente, menor durabilidade, em comparação aos transistores convencionais de metal ou silício", enumera.

Apesar dos entraves, Romariz avalia que a nova abordagem pode ser mais sustentável e inspirar o desenvolvimento de mais projetos de dispositivos que funcionem com baixo consumo de energia. "Essa proposta pode abrir toda uma área de circuitos biocompatíveis e de interação entre engenharia elétrica e biologia vegetal e, mais para frente, possivelmente, animal", cogita.

Sustentabilidade

Silva, por sua vez, acredita que o uso do dispositivo permitiria menor impacto ambiental, devido ao seu potencial de biodegradabilidade. "A madeira é um recurso renovável e pode reduzir a dependência de materiais não renováveis na fabricação de transistores", explica. Para o engenheiro eletricista, a tecnologia pode impulsionar pesquisas em eletrônicos sustentáveis, além de promover avanços em áreas como energia renovável, monitoramento ambiental e biotecnologia.

O potencial "verde" do dispositivo é considerado pela equipe de criadores. "Como o WECT contém apenas madeira e algumas pequenas quantidades de outros materiais não tóxicos, ele pode ser compostado após o uso", afirma Engquist. Os planos são de melhorar as propriedades elétricas da madeira condutora para a aplicação da solução tecnológica em áreas diversas, como o desenvolvimento de plantas e flores mais resistentes ao estresse ambiental e, ao mesmo tempo, mais produtivas.

*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza

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  • Equipe mostra o WECT, que tem formato de cruz e eletrodos de metal nas extremidades. Funcionamento eletroquímico é outro diferencial
    Equipe mostra o WECT, que tem formato de cruz e eletrodos de metal nas extremidades. Funcionamento eletroquímico é outro diferencial Foto: Thor Balkhed
  • Equipe mostra o WECT, que tem formato de cruz e eletrodos de metal nas extremidades. Funcionamento eletroquímico é outro diferencial
    Equipe mostra o WECT, que tem formato de cruz e eletrodos de metal nas extremidades. Funcionamento eletroquímico é outro diferencial Foto: Fotos: THOR BALKHED

E-Plantas

Magnus Berggren, um dos autores do estudo, também projeta e desenvolve, na Linköping University, na Alemanha, dispositivos baseados em materiais orgânicos e eletrônicos que oferecem monitoramento de alta resolução e controle dinâmico da fisiologia de plantas selvagens e geneticamente modificadas. Em artigo publicado, em 2015, na revista Science Advances, a equipe da universidade demonstrou como as rosas podem produzir circuitos eletrônicos analógicos e digitais capazes de, a longo prazo, regular a fisiologia das plantas.

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