No combate às mudanças climáticas, uma das ações necessárias é o acompanhamento constante dos efeitos do uso de combustíveis fósseis como energia. Saber a quantidade de poluentes que os países emitem por conta desses produtos, principalmente do petróleo — que alimenta, por exemplo, a imensa maioria dos veículos nas cidades —, é básico para traçar e checar se metas de descarbonização estão sendo cumpridas. Esse monitoramento ajuda a dimensionar e guiar a chamada transição energética.
Nesse contexto, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Irvine, criaram um método que promete facilitar a medição de dióxido de carbono (CO2) fóssil, ou seja, aquele que é proveniente de combustíveis fósseis, em localidades específicas. Por meio de testes com porções de grama de jardins urbanos, eles calcularam quanto CO2 foi liberado por carros e pela queima de carvão em determinado tempo na área de um município, numa medição bem mais específica que aquelas que medem o carbono total na atmosfera.
Segundo os cientistas americanos, o processo pode ser útil para que se meça a poluição em espaços pontuais, oferecendo dados aos governantes para que eles possam criar políticas de diminuição das emissões, como diminuir o número de carros movidos a petróleo nas ruas. O CO2 fóssil é um dos gases que agravam o efeito estufa e o aquecimento global, e os ambientalistas defendem que o nível das emissões dele diminua urgentemente.
Jardins poluídos
Para calcular quanto CO2 fóssil uma cidade está emitindo, o estudo, publicado na revista Journal of Geophysical Researches: Atmospheres, fez coleta de pontas de grama durante um ano. Esses gramados foram plantados em Los Angeles, e as amostras do jardim eram colhidas a cada duas semanas.
Segundo a autora senior da pesquisa, Claudia Czimczik, esse tempo garante a precisão da análise. "A cada 15 dias, as plantas conseguem reter e dar sinais do quanto elas absorveram do CO2 fóssil do ar. Assim, conseguimos definir o padrão das emissões do local nesse prazo específico", conta a cientista ao Correio.
O processo de medição a partir da grama calcula quanto de radiocarbono há nas amostras das folhas. O radiocarbono é uma forma de carbono que fica no ar e é absorvida pelas plantas. Quanto mais CO2 há na atmosfera, mais os vegetais o absorvem e mais radiocarbono haverá no organismo das plantas.
Os pesquisadores mediram justamente essa forma do carbono na grama e, por meio de cálculos complexos, conseguiram saber quanto CO2 fóssil foi lançado no ar no período de duas semanas. Ou seja, quanto mais poluído com radiocarbono um gramado está, mais CO2 fóssil existe no ar de onde essa grama foi retirada.
Porém...
Apesar de ser mais barata e rápida que as medições convencionais, essa tecnologia ainda tem desafios, reconhecidos pelos próprios pesquisadores. Um deles é que o sistema não dispensa os medidores mais complexos — os quais geralmente são a laser e estão em estações de análise. Isso porque os cálculos são feitos comparando o radiocarbono das plantas com a concentração total de CO2, que é medida por esses aparelhos mais avançados.
Mesmo assim, a vantagem dos testes com gramados é o fato de eles oferecerem dados de um tipo específico de poluição: a que é causada pela queima de combustíveis fósseis. Além disso, os cientistas responsáveis pelo trabalho explicam que as amostras de jardins permitem uma medição bem mais localizada das emissões, diminuindo a escala de global para regional, o que pode ser útil em políticas públicas locais.
Outro desafio está nesse ponto: o estudo foi feito em Los Angeles, região que, pelas características montanhosas, consegue reter o ar, numa espécie de "bacia", com pouca circulação. A pesquisadora Claudia Czimczik ressalta que a dinâmica pode ser diferente em outras cidades. "Precisamos de testes em áreas com outros tipos de circulação atmosférica, porque isso influencia em como as plantas absorvem o radiocarbono", destaca ela.
Tasso Azevedo, coordenador-geral do Mapbiomas, explica ao Correio que, embora a técnica pareça interessante, ela possui limitações geográficas e espaciais, e o foco principal segue sendo outro. "A chave, em relação às mudanças climáticas, é medir as emissões globais, saber quanto o mundo todo está emitindo", diz o especialista que participou de debates sobre o tema, inclusive, na COP30, em Belém.
* Estagiário sob supervisão de Lourenço Flores
TRÊS PERGUNTAS PARA...
CLAUDIA CZIMCZIK, autora sênior do estudo da Universidade da Califórnia/Irvine
Como medir o radiocarbono na grama e como é esse processo?
Há quatro etapas: limpeza, combustão, produção de grafite e medição. Primeiro, limpamos a grama para remover qualquer poeira e detritos. Segundo, queimamos os pedaços para produzir dióxido de carbono; para isso, aquecemos em uma estufa e toda a matéria orgânica se transforma em gases.
Terceiro, reduzimos o dióxido de carbono gasoso a grafite, transformando-o de gás para pó. Aí medimos diretamente as quantidades de radiocarbono em cada amostra e fazemos uma conta que converte o total dele em CO2. Este processo é preciso na contagem e requer menos tempo e amostras. Ele já existe há décadas, mas os instrumentos se tornaram menores e mais fáceis de operar. Assim, laboratórios, como o nosso aqui na UC Irvine, estão prontos para trabalhar mais de perto com cientistas atmosféricos que medem o CO2 fóssil no ar.
Como converter a quantidade de carbono na grama para o número de emissões de CO2?
Observe que calculamos a quantidade de CO2 fóssil no ar, não a quantidade total de CO2. A quantia fóssil é calculada a partir de quão "mais antigas" as plantas parecem em comparação com plantas que crescem em um ambiente livre de combustíveis fósseis. Ou seja, a partir do estado de “contaminação” da grama a gente consegue calcular quanto CO2 fóssil estava presente no ar em determinado período.
Já a concentração total de CO2 na atmosfera é medida com instrumentos convencionais bem mais complexos. Existem muitos jeitos de medir o CO2, mas eles não conseguem calcular separadamente as diferentes fontes de emissão desse gás. A datação por radiocarbono fornece uma quantidade apenas do que foi emitido por combustíveis fósseis.
E o que você considera necessário, na prática, para que várias cidades tenham acesso e utilizem esse sistema?
Para as cidades, acredito que o caminho mais promissor seja combinar os instrumentos a laser já existentes com a medição de radiocarbono na grama. E também medir diretamente no ar — isso se houver financiamento, o mais importante. Para escalas maiores, gostaríamos de juntar o cálculo de CO2 por satélite com o de radiocarbono em plantas.
