Ondas de calor extremo têm afetado o cotidiano de muitas pessoas ao redor do mundo, especialmente aquelas que trabalham sob forte exposição solar. Para tentar amenizar consequências desse cenário, pesquisadores da Universidade da Austrália do Sul e da Universidade de Zhengzhou, na China, desenvolveram um "tecido de resfriamento", leve, fresco e confortável, capaz de reduzir a temperatura da pele. Para isso, os cientistas incorporaram nanofolhas de nitreto de boro (BNNS) em uma matriz de fibra de ácido polilático (PLA), um plástico biodegradável, utilizando a técnica de eletrofiação.
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Zhenliang Gao, professor da Universidade de Zhengzhou e autor principal do estudo, explicou ao Correio que as nanoestruturas de nitreto de boro ajudam muito a retirar o calor do corpo. Isso porque elas conduzem o calor com facilidade, fazendo com que ele passe da pele para o ambiente de forma mais rápida. Essas nanoestruturas também têm uma forte capacidade de absorver radiação infravermelha, o que aumenta a quantidade de calor que o tecido consegue liberar. "Juntas, essas propriedades fortalecem os caminhos condutivos e radiativos, permitindo que o tecido libere o calor corporal de forma mais eficiente."
Já o ácido polilático funciona como o material principal usado para formar as fibras do tecido. Ele cria microfibras que espelham a luz do sol e possuem propriedades que aumentam o resfriamento por radiação. "Essas características combinadas fazem do PLA um componente estrutural funcional essencial do tecido de resfriamento", conclui. A pesquisa, divulgada no jornal Nano Research, revela que nos testes em campo aberto, o tecido compósito PLA/BNNS conseguiu diminuir a temperatura em 2 °C durante o dia e 3,8°C à noite, comparado à pele descoberta. Ele também reflete 96% da luz solar, desempenho superior ao de tecidos tradicionais de algodão.
Mecanismo
Segundo Gao, a eletrofiação é uma técnica que usa eletricidade para transformar um líquido em fibras extremamente finas. Nesse processo, a solução de PLA/BNNS é impulsionada por uma agulha minúscula, e um forte campo elétrico estica o líquido, formando filamentos ultrafinos conforme ele sai da ponta. "Essas fibras são lançadas ao ar, secam quase instantaneamente e se depositam em um tambor giratório, onde se acumulam naturalmente, formando um tecido não tecido fino e contínuo. Em termos simples, a eletricidade 'puxa' o líquido, transformando-o em fibras finíssimas que se acumulam em um rolo giratório para formar o tecido final", diz.
De acordo com o pesquisador, embora a eletrofiação seja vista como uma técnica complexa, trata-se de um processo simples e econômico, que exige apenas componentes básicos: uma bomba para alimentar a solução de PLA/BNNS, uma fonte de alta tensão para gerar as fibras ultrafinas e um coletor rotativo para formar a membrana não tecida. "Depois que a solução precursora é preparada, o sistema opera de forma contínua, produzindo fibras uniformes que se solidificam imediatamente após a deposição, dando origem a um tecido não tecido (TNT) de grande área", afirma.
A engenheira têxtil Heloísa Pessoa explica que o material é chamado de "não tecido" porque não passa pelo processo tradicional de fiação. "Ele parece tecido, tem cara de tecido, mas não é feito como um tecido tradicional. Em vez de ter fios entrelaçados, ele é feito juntando as fibras de outra forma." Pessoa diz que, no estudo, o tecido não tecido é feito por eletrofiação, que é um método diferente dos TNTs industriais comuns. "Aqui, ele funciona como uma membrana formada por fibras aleatórias depositadas uma sobre a outra."
Aplicações e mercado
A eletrofiação pode ser empregada na produção de diferentes materiais semelhantes a tecidos, como filtros, máscaras e curativos com medicamentos incorporados. A técnica também possibilita criar estruturas usadas na eletrônica, incluindo componentes de baterias e materiais flexíveis ou resistentes ao calor e à interferência eletromagnética.
O engenheiro elétrico Arthur Sandoval destaca que o processo é especialmente útil para combinar materiais que normalmente não se misturam com facilidade. No caso da pesquisa, essa fusão ocorre já na forma de fibras, resultando diretamente em um tecido adequado para a confecção de vestimentas. "Na eletrofiação, os fios produzidos não se organizam como um tecido tradicional; eles se acumulam formando um emaranhado semelhante a uma grande teia, resultando em uma camada ou membrana, mas não em um tecido propriamente dito. Por exemplo, a garrafa PET é um polímero, um outro tipo de 'emaranhado de fiozinhos', mas que não é um tecido", explica.
Gao afirma que os próximos passos antes da comercialização incluem aprimorar a resistência mecânica do material, aumentar a durabilidade ao desgaste, ampliar a escala de produção e integrar a membrana às roupas. Também serão necessários testes de envelhecimento e resistência à lavagem em condições reais de uso. "A colaboração com parceiros da indústria também será essencial para a transição da tecnologia da pesquisa laboratorial para produtos práticos e prontos para o mercado."
*Estagiária sob supervisão
de Lourenço Flores
