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O que acontece com o corpo humano em resgates no Monte Everest

Médicos explicam os efeitos da altitude extrema, do frio e do estresse no organismo dos alpinistas presos e das equipes de resgate na montanha

O que acontece com o corpo humano em resgates no Monte Everest
Crédito: Alpinistas se aproximam do acampamento 4 do Everest — Lakpa Sherpa/AFP

A complexa operação de resgate no Monte Everest, onde mais de 200 pessoas ficaram presas após uma nevasca inesperada, é uma batalha travada em duas frentes. De um lado, há a luta contra o tempo e as condições climáticas implacáveis. Do outro, uma guerra silenciosa e interna acontece dentro do corpo de cada alpinista e socorrista, que enfrentam os limites da fisiologia humana.

Em altitudes extremas, o organismo é empurrado para um estado de sobrevivência constante. Cada respiração, cada movimento e cada decisão são afetados pela combinação perigosa de falta de oxigênio, frio intenso e estresse agudo. Entender o que acontece com o corpo nessas circunstâncias é fundamental para compreender a urgência e a dificuldade de cada resgate na montanha mais alta do mundo.

O principal inimigo a mais de 8.000 metros, na chamada “Zona da Morte”, é a hipóxia, a severa deficiência de oxigênio no sangue. O ar rarefeito oferece menos de um terço do oxigênio disponível ao nível do mar. O corpo simplesmente não consegue se adaptar a essa condição, e o processo de deterioração celular começa quase imediatamente.

Essa carência de oxigênio afeta diretamente o cérebro. O raciocínio lógico fica comprometido, a capacidade de tomar decisões simples desaparece e a coordenação motora se deteriora. Alpinistas podem ter alucinações, sentir uma euforia inexplicável ou simplesmente se tornar apáticos, recusando-se a continuar. É um estado de confusão mental que pode levar a erros fatais, como retirar roupas de proteção em meio a um frio congelante.

Duas condições médicas graves decorrem diretamente da hipóxia. O Edema Pulmonar de Alta Altitude (HAPE) ocorre quando os vasos sanguíneos dos pulmões vazam fluido, essencialmente afogando a pessoa em seus próprios líquidos. Já o Edema Cerebral de Alta Altitude (HACE) é o inchaço do cérebro, que pressiona o crânio e pode levar rapidamente ao coma e à morte.

Simultaneamente, o corpo combate o frio extremo. A hipotermia se instala quando o organismo perde calor mais rápido do que consegue produzir. O primeiro estágio são os tremores incontroláveis, uma tentativa do corpo de gerar calor. Conforme a temperatura corporal cai, os tremores param, a fala se torna arrastada e a sonolência toma conta. É um sinal perigoso de que os sistemas estão começando a desligar.

Outro risco iminente é o congelamento (frostbite). Para proteger os órgãos vitais, o corpo reduz drasticamente o fluxo sanguíneo para as extremidades, como dedos das mãos e dos pés, nariz e orelhas. Sem sangue quente circulando, os tecidos congelam, formam-se cristais de gelo dentro das células e o tecido morre, levando a amputações.

Como o corpo luta para sobreviver em condições extremas

Para quem está preso na montanha, a sobrevivência depende de ações imediatas para mitigar os efeitos da altitude e do frio. As equipes de resgate, embora preparadas, também estão sujeitas aos mesmos riscos. O gerenciamento da própria saúde é tão crucial quanto a missão de salvar outros. Aqui estão os passos fundamentais que o corpo e a mente precisam seguir:

  1. Priorizar a respiração e aclimatação
    A primeira linha de defesa é respirar de forma consciente e profunda para maximizar a captação de oxigênio. Em um cenário de resgate, o uso de oxigênio suplementar é vital. Para os socorristas, um processo de aclimatação gradual, subindo e descendo a montanha, é essencial para permitir que o corpo se ajuste minimamente, produzindo mais glóbulos vermelhos para transportar oxigênio.
  2. Manter o calor corporal a todo custo
    Isso significa proteger-se do vento, usar múltiplas camadas de roupas técnicas e, crucialmente, manter-se seco. A umidade acelera drasticamente a perda de calor. Movimentar-se, mesmo que minimamente, ajuda a gerar calor metabólico. Encolher-se para reduzir a superfície corporal exposta também é uma tática de sobrevivência.
  3. Hidratação e nutrição constantes
    O ar seco da altitude desidrata o corpo rapidamente, e a desidratação torna o sangue mais espesso, dificultando a circulação e aumentando o risco de congelamento e mal de altitude. Beber litros de água, mesmo que seja preciso derreter neve, é obrigatório. Consumir alimentos ricos em calorias e carboidratos fornece a energia necessária para o corpo continuar gerando calor.
  4. Proteção rigorosa das extremidades
    As mãos, os pés e o rosto são as primeiras vítimas do frio. Usar luvas e botas adequadas, além de protetores faciais, é indispensável. Verificar constantemente se há perda de sensibilidade nessas áreas ajuda a identificar o início do congelamento, permitindo ações rápidas para reaquecer a região antes que o dano seja irreversível.
  5. Gerenciamento do estresse e da mente
    O pânico acelera a respiração e o ritmo cardíaco, consumindo mais oxigênio e energia preciosos. Manter a calma, focar em tarefas de sobrevivência e manter uma atitude mental positiva pode ser a diferença entre a vida e a morte. Para os socorristas, a clareza mental, apesar do esgotamento físico, é fundamental para executar um resgate seguro e eficaz.

Qual o maior perigo para quem fica preso no Everest?

O maior perigo é a combinação da falta de oxigênio (hipóxia) com o frio extremo.

A hipóxia afeta o cérebro, prejudicando o julgamento e a tomada de decisões, enquanto o frio ataca o corpo, levando à hipotermia e ao congelamento.

Por que o resgate em alta altitude é tão complexo?

As equipes de resgate enfrentam exatamente as mesmas condições adversas das vítimas.

Além disso, o terreno é perigoso, o tempo é instável e o desempenho de helicópteros é limitado pela altitude, tornando cada etapa da operação arriscada.

O que é a “Zona da Morte” e por que ela tem esse nome?

A “Zona da Morte” é a região do Everest acima de 8.000 metros de altitude.

Ela recebe esse nome porque a pressão de oxigênio é insuficiente para sustentar a vida humana por muito tempo. O corpo se deteriora a cada minuto passado ali.

Como o frio extremo afeta o corpo tão rapidamente?

O corpo prioriza manter os órgãos vitais aquecidos, como o coração e o cérebro.

Para isso, ele restringe o fluxo de sangue para as extremidades (mãos, pés, nariz), que congelam e sofrem danos nos tecidos de forma acelerada.

A falta de oxigênio pode causar alucinações?

Sim. A hipóxia severa afeta as funções cerebrais, podendo levar a confusão, desorientação e alucinações.

Alpinistas relatam ver coisas que não existem ou ter conversas com pessoas imaginárias, o que representa um risco grave para a segurança.

Uma ferramenta de IA foi usada para auxiliar na produção desta reportagem, sob supervisão editorial humana.

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