Lembrado hoje em dia pela influência oriental na cidade de São Paulo, o bairro da Liberdade, no centro da capital, é caracterizado por ruas cheias de lojas, restaurantes e lanternas tradicionalmente japonesas
Em 18 de novembro do ano passado, porém, as famosas luminárias foram completamente retiradas de uma rua específica, que guarda história de muito tempo antes
Fundado em 1554 — de acordo com o que a gestora em turismo Naomy Carvalho Pires pesquisou em trabalho de conclusão de curso sobre turistificação do bairro da Liberdade —, o centro histórico de São Paulo era ocupado por chácaras
Desta forma — conforme cita a historiadora Laís Guimarães —, a estruturação do bairro ocorreu devido à presença de chácaras em que viviam famílias abastadas, que deram origem a ruas estreitas e becos para escravos, quitandeiras e tropeiros
Segundo artigo de Henrique Archanjo e Letícia Calixto publicado pela Universidade Federal de Uberlândia em 2021, antes de se chamar Liberdade, o bairro teve outros nomes por volta da década de 1750: Largo da Pólvora e Largo da Forca
Se o primeiro fazia alusão ao comércio de explosivos, o segundo era referência à forca que existia no local onde, durante o século XVIII, escravizados eram executados após condenação à pena de morte
Localizada onde hoje é a Rua dos Aflitos, da qual foram retiradas as luminárias japonesas em 2024, a Capela Nossa Senhora dos Aflitos centralizava os sepultamentos dos mortos a poucos metros dali
Com a superlotação da capela, em 1775, foi construído o Cemitério dos Aflitos, primeiro cemitério público de São Paulo, destinado ao sepultamento de ingentes, indígenas e escravos
Em 1821, durante a execução de um homem negro alforriado chamado Francisco José das Chagas, condenado à forca por organizar uma revolta em Santos devido ao não recebimento de salários, a corda arrebentou três vezes
Em meio ao suplício, o público que assistia ao assassinato passou a gritar por 'liberdade' — o que se tornou uma das hipóteses associadas à criação do nome do bairro
Em 1887, a Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados, ou Igreja das Almas, passou a ser construída no mesmo local em que foi erguida cruz em homenagem a Francisco José das Chagas, onde hoje é o centro da praça da Liberdade
Segundo Archanjo e Calixto, a Liberdade 'era um bairro negro, característica essa que não se encontra mais na região, possivelmente por conta das políticas de Estado a fim de embranquecer tanto a população quanto o centro de São Paulo'
A chegada dos primeiros navios do Japão, em 1908, casou com o desmembramento de chácaras da região, a partir de 1889, e a consequente urbanização da região
Assim, apesar da instalação de imigrantes japoneses no bairro a partir de então, a Liberdade, em especial a Rua dos Aflitos, carrega história anterior que não diz somente à cultura oriental
A decisão de retirar as luminárias da Rua dos Aflitos, que até hoje preserva a capela e o cemitério em que costumavam ser enterrados os escravizados, ocorreu após pressão de entidades ligadas ao movimento negro
Em nota replicada pelo ‘g1’, a Prefeitura de São Paulo diz que a mudança foi tomada devido a 'preocupações quanto à adequação das lanternas Suzuranto ao contexto histórico da região'
'As lanternas, que remetem à imigração japonesa, foram consideradas inadequadas para o local, uma vez que o Beco dos Aflitos abriga a Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, um marco histórico da época da escravidão no Brasil', diz a administração
'A decisão buscou equilibrar o respeito às diferentes camadas históricas e culturais presentes no bairro, garantindo que a memória de cada grupo seja adequadamente representada.'
As lanternas Suzuranto permanecem no restante do bairro, preservando também, portanto, a herança da imigração japonesa