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Demência: estudo sugere um novo tipo da doença

Pesquisa com cérebros e exames clínicos indica que quase todos os portadores da cópia dupla de um gene chamado Apoe4 desenvolverão Alzheimer. Para cientistas, é uma forma específica da doença

Juan Fortea:
Juan Fortea: "Nós propomos uma reconceitualização do Alzheimer" - (crédito: Karla Islas Pieck/Institut de Recerca Sant Pau/Divulgação )

Há mais de 30 anos, pesquisadores identificaram variantes do gene Apoe como fatores de risco para o Alzheimer. Agora, uma equipe espanhola sugere que portadores de duas cópias da versão Apoe4 são, na verdade, pacientes de um tipo diferente da enfermidade neurodegenerativa, de origem genética. A descoberta, publicada na revista Nature Medicine, tem implicações para diagnósticos e buscas de tratamentos para a doença, afirmaram, em uma coletiva de imprensa on-line.

Segundo Juan Fortea, diretor de pesquisa em neurologia e saúde mental do Instituto de Pesquisa Sant Pau, em Barcelona, entre 2% e 3% da população mundial carrega, no DNA, duas cópias do Apoe4. Fortea, líder do estudo, explica que, embora as manifestações clínicas sejam semelhantes, o Alzheimer não é uma doença única. Uma versão que vem sendo estudada há mais de uma década, por exemplo, é a de início precoce, conhecida como Daip. Nesse caso, os sintomas surgem antes dos 65 anos e há uma forte relação genética e hereditária.

Para a equipe, o resultado do estudo indica que os homozigotos Apoe4 — dupla cópia do gene — podem representar um grupo geneticamente determinado da doença. "Nós propomos uma reconceitualização do Alzheimer. Até agora, variantes do Apoe são consideradas fatores de risco. Mas nossa sugestão é que o caso dos homozigotos seja inserido na crescente família da doença de Alzheimer geneticamente determinada", defende.

Teste

Uma das implicações da descoberta é que o teste da duplicidade do Apoe4 deve ser considerado quando pessoas de meia-idade surgem com sintomas de demência, acredita Paul Matthews, líder do Instituto de Pesquisa Demência do Reino Unido, no Imperial College London. "Pessoas com os homozigotos do Apoe4 desenvolvem geralmente os sintomas na mesma época, têm taxa de progressão semelhante e biomarcadores fáceis de identificar à medida que a doença evolui, diz Matthews, que não participou do estudo. "Por isso, é uma população atraente para ensaios clínicos de novos tratamentos para a doença."

A descoberta do grupo catalão baseia-se em dados de 3.297 cérebros doados à ciência para o Centro Nacional de Alzheimer dos Estados Unidos. Dessas amostras, 273 eram de pacientes com duplo Apoe4. Os pesquisadores também avaliaram exames clínicos e biomarcadores de mais de 10 mil de pessoas com demência — incluindo 519 homozigotos do gene —, de cinco grandes estudos europeus.

Os resultados confirmam que praticamente todas as pessoas com a variante dupla tinham Alzheimer e apresentavam mais marcadores da doença no organismo aos 55 anos, comparado a indivíduos com a versão Apoe3 do gene. Aos 65, 95% com homozigoto Apoe4 apresentavam níveis anormais da proteína beta-amiloide no cérebro, uma conhecida patologia inicial da doença.

Benefício

"Os dados mostram, claramente, que ter duas cópias do gene Apoe4 não só aumenta a risco, mas também antecipa o aparecimento da doença de Alzheimer, reforçando a necessidade de ações preventivas e estratégias específicas", assinala Victor Montal, coautor do estudo e especialista na análise de imagens de doenças neurodegenerativas. "Está claro que se trata de uma forma genética da doença."

Reisa Sperling, diretora do Centro de Pesquisa e Tratamento de Alzheimer no Brigham and Women's Hospital, nos Estados Unidos, e coautora do estudo, acredita que a descoberta poderá beneficiar os portadores da cópia dupla da variante, antes que os sintomas clínicos, como esquecimento, se manifestem. Como esses pacientes têm um acúmulo maior de proteína amiloide no cérebro, ao serem identificados por um exame genético, teriam a chance de se tratar mais precocemente. "Esse, para mim, é o aspecto mais importante do nosso estudo."

Atualmente, existem duas drogas aprovadas para o Alzheimer leve no mercado internacional, que atuam retardando os sintomas da doença. Porém, somente nos Estados Unidos, que lideram, em número, as pesquisas sobre a doença, há pelo menos 500 ensaios clínicos atualmente, conforme o Instituto Nacional de Envelhecimento do país.

 

Palavra de especialista // Otávio Castello, médico geriatra, professor de psiquiatria e psicologia médica da Universidade de Brasília (UnB)

 

Aconselhamento genético

O estudo traz uma mudança de paradigma em relação ao alelo Apoe4. Cada um de nós tem dois alelos — um que recebeu do pai, um que recebeu da mãe. O que a gente já sabia era que um Apoe4 aumenta um pouco o risco de ter doença de Alzheimer, e dois elevam ainda mais. Mas não estávamos falando de causa. O que esse estudo indica é que aquilo que vimos tratando como fator de risco pode ser determinante para ter a doença. É importante lembrar que a genética não é modificável. Porém, ela responde por menos de 10% dos fatores de risco de desenvolver a doença, então a pessoa pode controlar os demais, como tratar hipertensão, diabetes, depressão, vai empurrando mais para frente o início do Alzheimer. Se a pessoa resolve fazer um teste para descobrir se tem o risco genético da doença, é um processo que precisa ser conduzido por um médico especialista, sendo que ainda não há tratamento nem cura para Alzheimer. A pessoa precisa estar preparada para lidar com a informação. Lembrando que essa testagem não é disponível em laboratórios, o plano de saúde não cobre e a maioria é feita no exterior. É um processo que tem de ser conduzido por um especialista na área. Não é o geriatra, o psiquiatra ou o neurologista, mas o geneticista médico. 

 

Aconselhamento genético

O estudo traz uma mudança de paradigma em relação ao alelo Apoe4. Cada um de nós tem dois alelos — um que recebeu do pai, um que recebeu da mãe. O que a gente já sabia era que um Apoe4 aumenta um pouco risco de ter doença de Alzheimer, e dois elevam ainda mais. Mas não estávamos falando de causa. O que esse estudo indica é que aquilo que vimos tratando como fator de risco pode ser determinante para ter a doença. É importante lembrar que a genética não é modificável. Porém, ela responde por menos de 10% dos fatores de risco de desenvolver a doença, então a pessoa pode controlar os demais, como tratar hipertensão, diabetes, depressão, vai empurrando mais para frente o início do Alzheimer. Se a pessoa resolve fazer um teste para descobrir se tem o risco genético da doença, é um processo que precisa ser conduzido por um médico especialista, sendo que ainda não há tratamento nem cura para Alzheimer. A pessoa precisa estar preparada para lidar com a informação. Lembrando que essa testagem não é disponível em laboratórios, o plano de saúde não cobre e a maioria é feita no exterior. É um processo que tem de ser conduzido por um especialista na área. Não é o geriatra, o psiquiatra ou o neurologista, mas o geneticista médico.

Otávio Castello, médico geriatra, professor de psiquiatria e psicologia médica da Universidade de Brasília (UnB)

 

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postado em 07/05/2024 04:33 / atualizado em 07/05/2024 09:25
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