Recife

"Comecei a entender como lidar com os meus medos", diz Tamara Klink após cruzar Atlântico

Com a água salgada correndo nas veias, desistir é a última palavra que preenche o vocabulário da velejadora

Ana Carolina Guerra/Diário de Pernambuco
postado em 09/11/2021 11:23
 (crédito: arquivo pessoal )
(crédito: arquivo pessoal )

“Não foi coragem. Coragem seria adiar o sonho e a descoberta de si”, essas palavras decisivas são de Tamara Klink, que aos 24 anos atravessou (sozinha) o Oceano Atlântico em um barco repleto de significados, aportando no Brasil no dia 1° de novembro,após três meses de viagem . Batizado de "Sardinha" por ser pequeno -medindo aproximadamente 8 metros-, o veleiro foi construído em 1984, ano em que o seu pai, Amyr Klink, cruzou o mesmo oceano em um barco a remo.

Com a água salgada correndo nas veias, desistir é a última palavra que preenche o vocabulário da velejadora. Na verdade, o vocábulo não chega nem a ser mencionado. Sem recursos para comprar o Sardinha e sem o apoio financeiro do pai, Tamara recebeu ajuda de um admirador e amigo que conheceu através do YouTube. 

“Quando eu comprei o barco eu não tinha dinheiro nenhum, quem tornou possível a compra do Sardinha foi um amigo que eu conheci pelo YouTube. Eu estava no limite dos recursos. Tive que ir atrás de empresas para ajudar a financiar o projeto, o que não é uma coisa fácil em nenhum lugar do mundo”, contou.

Para além do porto que pretendia ancorar, o sexismo foi um obstáculo presente no cais quando a velejadora decidiu que navegar seria um desejo. Em contrapartida, recebeu apoio e admiração de outras mulheres.

“Eu fui em muitas empresas e várias vezes fui recebida com descrédito ou dúvida. Eu não seguia o estereótipo de ‘homem do mar’ porque, para começar, eu não era nem homem. Eu insisti e consegui encontrar apoio e confiança de algumas pessoas, como a Luiza Trajano (Magazine Luiza). Ela estava cuidando do projeto das vacinas e eu cheguei com o meu pequeno projeto de barco. Foi quando ela falou que gostou da ideia”, relata a jovem.

Formada em arquitetura com especialização em arquitetura naval, Tamara iniciou um trajeto que teve início na França passando por Lisboa, Ilhas Canárias, Cabo Verde e o seu destino final, o Recife. Se engana quem pensa que esse foi o primeiro desafio da jovem. Em 2020, ela fez a sua primeira travessia em solitário pelo Mar do Norte, entre a cidade de Ålesund, na Noruega e Dunquerque, na França.

A decisão de voltar para o Brasil -através do mar- foi mais um desafio e autoconhecimento que Tamara estava disposta a conquistar. O processo de amadurecimento foi determinado através da experiência obtida um ano antes.

  • atizado de 'Sardinha' por ser pequeno -medindo aproximadamente 8 metros-, o veleiro foi construído em 1984, ano em que o seu pai, Amyr Klink, cruzou o mesmo oceano em um barco a remo
    atizado de "Sardinha" por ser pequeno -medindo aproximadamente 8 metros-, o veleiro foi construído em 1984, ano em que o seu pai, Amyr Klink, cruzou o mesmo oceano em um barco a remo arquivo pessoal
  • A velejadora Tamara Klink, de 24 anos, chegou ao Recife após atravessar o Oceano Atlântico, sozinha, em um barco de oito metros
    A velejadora Tamara Klink, de 24 anos, chegou ao Recife após atravessar o Oceano Atlântico, sozinha, em um barco de oito metros arquivo pessoal
  • A velejadora Tamara Klink, de 24 anos, chegou ao Recife após atravessar o Oceano Atlântico, sozinha, em um barco de oito metros
    A velejadora Tamara Klink, de 24 anos, chegou ao Recife após atravessar o Oceano Atlântico, sozinha, em um barco de oito metros arquivo pessoal

“Eu comecei a entender como lidar com os meus medos, comecei a conhecer bem o barco, passei por vários perigos e soube solucioná-los. Fui criando confiança e autonomia para começar a pensar em ir mais longe. Eu estava na França e comecei a ficar triste pelo fim da viagem e pensei: 'bom, o único lugar que eu gostaria de voltar é para a minha casa no Brasil’. Foi assim que eu comecei a planejar. Nasceu de uma travessia menor. Eu sabia que a primeira viagem seria uma escola”.

Depois de percorrer 4.200 milhas na travessia entre França e Brasil, Tamara garante que as calmarias podem ser tão perigosas quanto as tempestades.

“Foi uma viagem em que eu saí da França muito apreensiva no começo. É um desafio maior passar mais tempo sem ver terras, gente, sem ter apoio nenhum de outros barcos e portos. Tive que prever possíveis acidentes que eu poderia sofrer. Peguei momentos de muita calmaria, onde o barco ficava parado. Era muito aflitivo ficar parado. A gente acha que perigo no mar são as tempestades, mas as calmarias podem ser tão perigosas quanto as tempestades porque elas exigem mais do nosso emocional, da nossa resiliência, da nossa gestão de frustração. Quando não tem vento, o veleiro fica à deriva porque ele depende do vento para avançar”, relata.

Durante a viagem, a rotina da velejadora paulista tinha características únicas. A interação de Tamara era feita exclusivamente através de um celular que funcionava via satélite, por onde se comunicava com a equipe e a família, e contava os principais acontecimentos do percurso. Através dos relatos da jovem, a mãe, Marina Bandeira Klink, compartilhava notícias da velejadora para os mais de 60 mil seguidores. Hoje, eles já somam mais de 90 mil.

“Passei por momentos em que os meus equipamentos quebraram, por regiões onde eu sabia que existiam áreas com casos de pirataria, fiquei apreensiva também com os ataques de Orcas e fui para Las Palmas bem na época da erupção do vulcão. Eu dormia pouco, umas três, quatro horas por dia divididas em pedaços de vinte, quinze ou até cinco minutos para poder prestar atenção no mar. Já em outros momentos eu me sentia acompanhada, quando eu recebia mensagens de incentivo às vezes transmitidas por pessoas que me ajudaram. Eu não sabia que tinha milhares de pessoas vendo o mapa e me acompanhando todos os dias e até lendo os diários que eu escrevia e enviava do mar”.

As mensagens enviadas via SMS não eram a única forma de escrita utilizada por Tamara. A velejadora estava acompanhada do diário, que foi preenchido por anotações e poemas feitos por ela.

“Era um exercício de reforço da minha confiança porque às vezes eu passava por situações que para mim eram muito difíceis e dolorosas, e quando eu escrevia acabava transformando a minha realidade a partir das palavras. Mas eu entendo que nunca vou conseguir transmitir o que significa a dor e a saudade. Nem consigo descrever com precisão o som que fazem os golfinhos quando eles nadam embaixo do barco”, explica.

Tamara Klink se tornou a brasileira mais jovem a cruzar o Oceano Atlântico (repito: sozinha) em um veleiro e carrega com ela um cardume de admiradores, de idades e experiências diversas. Entre tantos seguidores, a velejadora se tornou uma inspiração principalmente para meninas e mulheres.

“Eu demorei para conseguir encontrar referências de outras mulheres e meninas que amavam os seus caminhos. Não foi algo que foi apresentado para mim, eu precisei buscar. Demorei para encontrar esse meu lugar porque eu tinha uma forte referência do meu pai em casa, mas perto dele eu me sentia fraca, pequena. Foi quando eu percebi que precisava ir atrás do meu espaço e decidir que faria as minhas viagens diferentes, do meu jeito e passei a escrever sobre isso porque também é uma maneira de cura e conhecimento interno. Eu gosto de ver que os textos que a gente publica e as pessoas podem ler têm uma vida própria das palavras. Nunca tive medo de expor o que eu sentia. Às vezes trechos que eu escrevo e não dou valor, quando são repostados por outras pessoas ganham força através de uma interpretação nova”, conclui.

Agora, os novos planos de Tamara se concentram em lançar os livros “Mil Milhas”, que relata a sua travessia pelo Mar do Norte, em 2020; e “Um mundo em poucas linhas”, reunindo poemas, textos e desenhos feitos por ela durante as viagens. Como ela mesma diz, “essas experiências fazem parte do processo de crescer”.

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