Caso Dom Philips

"Falta de vontade política", diz coordenador do CTI sobre buscas por jornalista

Em entrevista ao Correio, Jaime Siqueira, coordenador executivo do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) comentou sobre a situação na região após os desaparecimentos e disse que "Bruno e Dom dificilmente podem escapar com vida"

Tainá Andrade
postado em 07/06/2022 23:33 / atualizado em 07/06/2022 23:47
 (crédito: Edson Bueno)
(crédito: Edson Bueno)

Jaime Siqueira, coordenador executivo do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), expôs, com exclusividade ao Correio, como tem sido a atuação das equipes de vigilância contra os crimes cometidos na região do Vale do Javari, a mesma onde ocorreu o desaparecimento do indigenista Bruno Araújo e do jornalista Dom Philips.

Há 20 anos, o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) atua desenvolvendo projetos que buscam contrapor os modelos de exploração da região do Vale do Javari, na Amazônia. As equipes locais combatem atividades como a pesca e caça ilegal, exploração madeireira e narcotráfico. Segundo os agentes, após a eleição de Jair Bolsonaro (PL), em 2018, os riscos de segurança pessoal, natural ao trabalho, ficaram quase insustentável. 

O centro trabalha em parceria com a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA), a mesma para a qual o indigenista Bruno Araújo trabalhava voluntariamente e que tem tomado a frente para defender a celeridade nas buscas dos recentes desaparecidos. O coordenador executivo e antropólogo, Jaime Siqueira, concedeu entrevista ao Correio para explicar sobre a situação do trabalho na região.

“Situações como essa (os dois desaparecimentos) são frequentes e estamos tomando providências há algum tempo para garantir a segurança de nossas equipes em campo”, detalhou. Ele acredita que há duas razões para a falta de informações do governo federal sobre o caso do indigenista e do jornalista britânico: a falta de vontade política que culmina na falta de empenho das autoridades em desvendar o caso e a dificuldade logística do local. Infelizmente, pela experiência, Siqueira não acredita que a situação acabará bem.

Confira a entrevista na íntegra:

Como os trabalhos na região do Vale do Javari estão ocorrendo durante o atual governo? 


Trabalhamos apoiando expedições de proteção territorial realizada em parceria com os indígenas, fortalecendo suas organizações com o manejo de quelônios e pirarucu. Discutimos a elaboração de um plano de gestão territorial e ambiental para o Javari, que estamos tentando implementar. No entanto, o desmonte das instâncias de fiscalização e o aparelhamento da Funai têm dificultado essas ações.

Como você se sente ao atuar em confrontos diretos com ações criminosas?

A sensação é de total insegurança, não apenas pela ausência do Estado, o que, de certa forma, sempre é uma tônica nessas regiões mais isoladas. Agora ainda existe um incentivo do atual governo para a invasão de áreas protegidas, gerando e aumentando uma sensação de impunidade.

Quais são as maiores dificuldades que as equipes estão passando no local?

O Estado está ausente na região no que se refere às ações de fiscalização do território e assistência básica à saúde. No entanto, tentam dificultar justamente as atividades que minimizem a ausência do poder público. Colocam uma série de restrições para os trabalhos que realizamos, bem como de outros parceiros da Univaja. Obviamente, os povos isolados precisam de proteção especial, mas o que observamos é que a Funai de hoje não está preocupada com a real situação desses povos.

O que aconteceu com o indigenista, Bruno Araújo, e com o jornalista, Dom Philips, tem ocorrido com frequência? Como vocês têm lidado com a situação?

Situações como essa são frequentes e estamos tomando providências há algum tempo para garantir a segurança de nossas equipes em campo. Normalmente são soluções paliativas, mas são as que conseguimos implementar, como a realização de viagens sempre acompanhadas por mais pessoas, aviso sempre que possível das datas, horários de saída e chegada das equipes em viagem, uso de celular satelital para informes frequentes sobre os percursos, informes frequentes junto ao MPF sobre situações de ilícitos e ameaças, articulação frequente e trabalho conjunto com a Univaja, entre outras.

Como está o clima em relação ao desaparecimento na região? Qual é o comentário, na região, do que pode ter ocorrido?


Não temos maiores informações, mas pelas conversas na região e experiência que temos, Bruno e Dom dificilmente podem escapar com vida. Aparentemente, pode ter sido uma emboscada feita por pessoas que praticam a pesca ilegal na terra indígena, conforme ameaças recebidas por eles mesmos, recentemente, de grupos desses pescadores. Aparentemente, prenderam um suspeito (na segunda-feira, 6 de junho) que pode ter cometido os crimes, mas obviamente isso ainda precisa de confirmação.

A que vocês atribuem a falta de celeridade na operação e à falta de notícias detalhadas sobre o caso?

Basicamente a dois fatores: primeiro pela falta de empenho das autoridades em desvendar o caso. O número de equipamentos, a logística e o pessoal disponível na região é ridículo. Segundo, a falta de vontade política em resolver a questão, afinal, segundo o presidente, o Bruno e o Dom não deveriam estar lá. Só estavam porque o Estado não está, simples assim. As logísticas na região, de fato, são complicadas e as distâncias enormes. Mesmo com muitas forças e autoridades mobilizadas já seria como procurar uma agulha no palheiro, quem dirá com esse aparato quase simbólico que mobilizaram.

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