SAÚDE

Audiência do Ministério da Saúde reforça posicionamento antiaborto do governo

Em evento, nesta terça-feira (28/6), agentes de saúde do governo federal e representantes da sociedade civil discutiram sobre o manual antiaborto publicado este mês pela pasta

Isadora Albernaz*
postado em 28/06/2022 18:56 / atualizado em 28/06/2022 18:57
 (crédito: MS/Divulgação)
(crédito: MS/Divulgação)

O Ministério da Saúde promoveu, nesta terça-feira (28/6), audiência pública para discutir uma cartilha antiaborto publicada pelo governo na qual diz que "todo aborto é crime". O documento, intitulado Atenção Técnica para a Prevenção, Avaliação e a Conduta nos Casos de Abortamento, pretende ser um guia de orientação para profissionais da saúde. Os discursos dos agentes e gestores de saúde presentes no evento reafirmaram a posição antiaborto do governo federal.

Para o secretário de Atenção Primária à Saúde (SAPS), Raphael Câmara Parente, que presidiu a audiência, o aborto não configura um grave problema de saúde pública, como o documento anterior da pasta afirmava. Enquanto analisava os dados de óbito por aborto no país, ele questionou: “E do outro lado, seria o quê? Matar centenas de milhares, ou até milhões, de bebês, para evitar isso? (o número de óbitos)”.

O secretário da SAPS não escondeu seu posicionamento contrário ao aborto, afirmando não querer fazer parte “dessa sociedade que acha normal matar bebês de sete, oito, nove meses na barriga”. Apesar da recomendação técnica do Ministério da Saúde para que o procedimento do aborto não seja realizado após 22 semanas de gestação, não existe especificação na lei brasileira que determine o limite do prazo do procedimento abortivo.

Juíza de Santa Catarina

Além dos representantes do Ministério da Saúde, participaram da audiência entidades com posicionamentos diversos em relação ao tema. Segundo a jornalista Andréia Sadi, do G1, na lista de convidados a participar da sessão estava a juíza Joana Zimmer, que ficou conhecida nas últimas semanas após impedir o aborto legal da menina de 11 anos estuprada em Santa Catarina (SC). Zimmer não participou da audiência realizada hoje.

Apesar de a juíza não ter comparecido, o caso da menina catarinense foi lembrado no evento pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE). Enquanto segurava a réplica de um feto, o parlamentar se posicionou contrário ao aborto. Após a polêmica, a criança conseguiu realizar o aborto, em legalidade com o Código brasileiro, na última quarta-feira (22), informou o Ministério Público Federal (MPF).

Em seu discurso, o professor Osmar Ribeiro Colas, representante da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), demonstrou a insatisfação da Federação, que, de acordo com ele, não foi convidada a participar da elaboração do novo manual.

A deputada estadual Janaina Paschoal (PRTB-SP), que é contra a legalização do aborto, afirmou concordar com o Ministério da Saúde a respeito da necessidade de se estabelecer um prazo limite para a interrupção da gravidez e com a obrigatoriedade de denúncia em casos de aborto feitos em decorrência de estupro.

Entretanto, a jurista afirmou que os membros do Ministério da Saúde deveriam “fugir” da discussão se o aborto é crime ou não. “É um ‘vespeiro’ que não tem por que o ministério adentrar, porque, ao fazer, abre margem para críticas que têm respaldo jurídico e acaba desviando o foco do que é importante: a orientação do profissional que está na ponta diante de um caso concreto”, argumentou ela.

Em referência aos posicionamentos contrários ao guia antiborto do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto, secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), afirmou que “muitas pessoas estão preocupadas em destruir a imagem do governo por conta de suas agendas políticas e ideológicas”.

“Uma série de acusações infundadas, distorções e ataques pessoais, com grande apoio de ‘certos elementos de imprensa’ foram desferidos contra integrantes do governo”, declarou ele.

Manual: “Além de estar obsoleto, estava errado”

O primeiro manual de aborto brasileiro foi publicado em 2005. Após isso, o governo federal alterou duas vezes o documento. A última edição é a versão de 2022, discutida na sessão pública que ocorreu nesta terça. De acordo com o secretário de Atenção Primária à Saúde (SAPS), Raphael Câmara Parente, a decisão de alterar o segundo guia, datado de 2011, não foi uma escolha ideológica, mas surgiu da necessidade de incluir mudanças da medicina e da legislação do país. “Além de estar obsoleto, estava errado”, argumentou ele a respeito do documento anterior.

Publicado em junho deste ano, o manual formulado pelo ministério é alvo de críticas por parte de organizações que defendem a legalização do procedimento. Em meio à polêmica, artistas brasileiras, como as atrizes Camila Pitanga e Dira Paes, participaram de uma corrente que chamava atenção para a audiência pública de hoje.

Em casos de estupro, o documentou passou por mudanças no que diz respeito ao sigilo profissional e a possibilidade de notificação de crimes por profissionais de saúde. Segundo Lana de Lourdes, diretora do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (Dapes), as mudanças têm por objetivo “avançar no combate aos crimes sexuais e garantir aos servidores da saúde, segurança jurídica para a atuação plena”.

A lei brasileira atual prevê que, para a interrupção da gravidez nesses casos, basta a palavra da mulher, portanto, não é necessária a confirmação de boletim de ocorrência ou autorização judicial. Além disso, o guia reforça o direito da gestante de optar pela entrega legal ou voluntária do bebê, mesmo que não seja apontada violência sexual.

A audiência foi dividida em três blocos, no primeiro, representantes do Ministério da Saúde fizeram uma explanação técnica a respeito do assunto. Depois, os representantes das entidades presentes foram ouvidos e, por fim, os participantes da sessão responderam aos questionamentos do público, que puderam enviar perguntas sobre o tema.

  • Daniela Ribeiro, secretária de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde (Saps/MS) MS/Divulgação
  • Lana de Lourdes, ginecologista, obstetra e diretora do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (Dapes) MS/Divulgação
  • Audiência Pública - Manual para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento nesta terça-feira (28/6) MS/Divulgação
  • Hélio Angotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde MS/Divulgação
  • Audiência Pública sobre o Manual para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento nesta terça-feira (28/6) MS/Divulgação

*Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro

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