O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, ontem, o julgamento do marco temporal para a demarcação das terras indígenas. Até agora, o resultado caminha para o empate em 2 x 2 por conta da indicação do voto do ministro André Mendonça, cuja manifestação segue no sentido da legalidade de se estabelecer a data da promulgação da Constituição de 1988 para a definição dos territórios das populações nativas. Ele deve se juntar a Nunes Marques a favor do marco, enquanto Alexandre de Moraes e Edson Fachin, relator do tema, ficaram contra.
Apesar de Mendonça ainda não ter concluído a leitura do voto — deverá fazê-lo hoje —, a expectativa na Corte é sobre a posição do ministro Cristiano Zanin, que vem na sequência. Ele está sendo duramente criticado por setores do governo e da esquerda por, em poucas semanas no STF, ter proferido decisões consideradas conservadoras, como no caso em que foi contra a equiparação da homofobia ao crime de injúria racial e a posição que adotou contrariamente à descriminalização do porte e posse de maconha para uso pessoal.
Caso se alinhe novamente à linha conservadora, pela criação do marco temporal, Zanin reacenderá as críticas da esquerda e de personagens do primeiro time do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que esperavam dele decisões de matiz mais progressista. Caso seja contrário, entrará na mira da direita, sobretudo dos bolsonaristas — que para irritação dos petistas têm feito elogios ao ministro.
No voto que proferiu parcialmente ontem, Mendonça lembrou que os constituintes de 1988 pretenderam criar uma estabilidade sobre a demarcação, a fim de reduzir os conflitos com indígenas por território. "Não se trata de negar as atrocidades cometidas, mas, antes, de compreender que o olhar do passado deve ter como perspectiva a possibilidade de uma reconstrução do presente e do futuro. Entendo eu que essa solução é encontrada a partir da leitura que faço do que foi o texto e a intenção do constituinte originário, de trazer uma força estabilizadora a partir da sua promulgação", argumentou.
A questão afeta quase 1 milhão de integrantes de comunidades originárias. Se o Supremo validar a tese, o marco temporal passará a prever que os povos indígenas só têm direito a permanecer nas terras que já ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988 — data da promulgação da Constituição. O argumento foi usado pela primeira vez em 2009, no julgamento da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.
As nações nativas ponderam que a questão envolve o direito à moradia de comunidades que, historicamente, sofreram com violências, êxodos, genocídios e deterioração cultural. Para os povos, o marco tem potencial para aumentar os conflitos de terras, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.
Já entidades ligadas ao agronegócio defendem a aprovação do marco, pois dessa forma o país terá mais segurança jurídica por meio de uma regra definida para resolver disputas judiciais sobre áreas tidas como próximas ou ocupadas pelas comunidades indígenas. Caso a tese do marco temporal seja aprovado no STF, pode representar o avanço de lavouras, pastos e na produção de alimentos, uma vez que as reservas têm normas mais rígidas de utilização.
Do lado de fora do STF, os indígenas faziam cerimônias e protestos contra o marco. O coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá, acredita que o STF fechará questão contrariamente, mas considera preocupantes teses que os ministros vêm expondo nos votos.
"O que está em discussão são essas novas teorias. Como o voto do ministro Alexandre de Moraes sobre indenização e remoção de comunidades originárias para áreas semelhantes no território tradicional", lamentou.
Apesar disso, os representantes dos povos originários se mantêm otimistas. "Os ministros são gente de bem, que querem paz. (Sabem) que respeitemos a terra do branco e os brancos, a terra indígena", afirmou Megaron Kaiapó, líder indígena de Mato Grosso.
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