questão indígena

Judicialização à vista para marco temporal

Governo prepara recurso ao Supremo, que, em setembro, decidiu que a demarcação de terras não pode estar atrelada à data da promulgação da Constituição. Ruralistas articulam PEC para pôr fim à queda de braço entre Congresso e Judiciário

Representantes dos indígenas acompanham o julgamento do marco. Decisões em sentidos contrários trazem insegurança, diz constitucionalista -  (crédito: Carlos Alves Moura/SCO/STF)
Representantes dos indígenas acompanham o julgamento do marco. Decisões em sentidos contrários trazem insegurança, diz constitucionalista - (crédito: Carlos Alves Moura/SCO/STF)
postado em 16/12/2023 03:55

A derrubada do veto presidencial ao marco temporal para a demarcação das terras indígenas, na sessão conjunta do Congresso de quinta-feira, por deputados e senadores, será levada ao Supremo Tribunal Federal (STF). Foi o que adiantaram, ontem, ao Correio, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) — que pretendem protocolar ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) contestando a decisão dos parlamentares.

O STF rejeitou, em 21 de setembro, a tese do marco temporal por 9 x 2. O Plenário da Corte decidiu que a data da promulgação da Constituição (5/10/1988) não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra pelos povos originários. O julgamento se arrastava desde 2021.

A reação do Congresso à decisão do STF veio por meio de um projeto relatado pelo senador Marcos Rogério (PL-RO). Os parlamentares argumentaram que o Supremo se imiscuíra em um assunto cuja solução deveria vir do Legislativo.

"O Ministério dos Povos Indígenas vai acionar a Advocacia Geral da União (AGU) para ingressar no STF com uma ADI, a fim de garantir que a decisão já tomada pela alta corte seja preservada, assim como os direitos dos povos originários. Essa decisão [do Congresso] vai totalmente na contramão dos acordos climáticos que o Brasil vem construindo desde o início deste ano para o enfrentamento à emergência climática que também coloca em risco os direitos dos povos indígenas e de seus territórios", frisa nota emitida pelo MPI.

O governo, porém, pretende digerir a derrota durante o recesso do Judiciário para traçar a melhor estratégia — que pode ser a de terceirizar o recurso ao STF. Há a possibilidade de o MPI não patrocinar a ADI, deixando-a a cargo de algum partido da base aliada ou de uma instituição ligada à causa indígena.

Insegurança

A tendência é que o STF julgue novamente inconstitucional o marco temporal. Por conta disso, a bancada ruralista na Câmara prevê a retomada da batalha jurídica em torno do assunto. Com a judicialização no horizonte, a oposição ao governo estuda colocar em tramitação uma proposta de emenda à Constituição apresentada pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RR). Segundo fontes da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), haveria votos suficientes para a aprovação dessa PEC — o que encerraria a queda de braço entre o Congresso e o Supremo.

Segundo constitucionalista Vera Chemim, a derrubada do veto pelos congressistas gera "grave insegurança jurídica" — uma vez que há duas soluções que vão em sentidos opostos. "Com a decisão do Congresso de promulgar aquele projeto, vai virar lei. O que prevalece, então, é a tese do marco temporal — de que só são terras indígenas as que eram ou estavam em processo de delimitação. Isso é o que diz a Constituição", explica, confirmando que, momentaneamente, a decisão que fica valendo é a do Congresso.

Porém, assim que o processo for judicializado, a palavra final volta ao Supremo. "Na prática, essa situação está completamente confusa e gerando uma grave insegurança jurídica, sem falar na instabilidade constitucional - em razão do conflito entre os dois poderes", salienta Vera.

Os próximos passos serão encaminhar a promulgação do texto aprovado pelos deputados e senadores ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva — que tem 48 horas para promulgá-lo. Caso não o faça, o presidente ou o vice-presidente do Senado serão os encarregados da publicação para que possa ter validade. (Colaborou Fabio Grecchi)

 

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