AMAZÔNIA

Produção sustentável em terras indígenas de RO

Em Rondônia, povos nativos adotam alternativas de plantio e de conservação orientados por entidades, como WWF-Brasil e Pacto das Águas

A Terra Indígena Sete de Setembro abriga vários povos, como Paiter Suruí e Uru-Eu-Wau-Wau, que plantam e preservam o bioma da região -  (crédito: Jacqueline Lisboa / WWF - Brasil)
A Terra Indígena Sete de Setembro abriga vários povos, como Paiter Suruí e Uru-Eu-Wau-Wau, que plantam e preservam o bioma da região - (crédito: Jacqueline Lisboa / WWF - Brasil)

Aldeia Lapetanha (RO) — A estrada de terra vermelha corta a floresta até desaparecer entre árvores centenárias. À medida que a trilha avança rumo à Aldeia Lapetanha, território do povo Paiter Suruí, na Terra Indígena Sete de Setembro, o verde expressivo da Amazônia se abre em clareiras controladas, onde brotam pés de café, cacau e banana cultivados de forma sustentável. A cena revela a síntese do que o povo Paiter chama de "soluções baseadas na natureza" — iniciativas que unem tradição, ciência e manejo responsável da floresta.

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Às vésperas da 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, povos indígenas de Rondônia vêm mostrando que é possível conciliar desenvolvimento e conservação ambiental. No coração da Amazônia, os povos Paiter Suruí e os Uru-Eu-Wau-Wau transformaram seus territórios em laboratórios vivos de sustentabilidade, resistência e inovação.

Líder do povo Paiter Suruí, o cacique Almir Suruí, 50 anos, fala com a serenidade de quem carrega meio século de história de resistência e reconstrução e relembra a chegada de integrantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas em 1969. "O Paiter Suruí, que é meu povo, fez 56 anos de contato com os não indígenas. Éramos em torno de 5 mil indígenas, hoje, somos cerca de 1.650, em 40 aldeias, num território de 248 mil hectares", recorda.

Almir foi um dos primeiros líderes a desenvolver um programa de gestão territorial de longo prazo, o Plano 50 Anos do Povo Paiter Suruí, concluído em 2000. "Sem planejamento, seríamos dominados pelo interesse econômico. Nós não somos contra o desenvolvimento, somos contra o impacto que ele causa quando é feito a qualquer custo", explica.

O programa levou os Suruí a criarem alternativas sustentáveis de renda e conservação. "Em 2010, tivemos o primeiro projeto indígena de carbono certificado no mundo. Mostramos que é possível fazer gestão do território com responsabilidade, respeitando a vida e fortalecendo as comunidades", diz Almir, que já recebeu o Prêmio Herói da Floresta, da ONU, Prêmio de Liderança da Bianca Jagger Human Rights Foundation e, em 2022, o Prêmio United Earth Amazônia — Nobel Verde.

Além da conservação, a aldeia diversificou sua produção: cacau, banana, café especial, turismo e artesanato, que são fontes de renda e cultura dos habitantes locais. "Precisamos consumir produtos de origem, sem agrotóxicos. Essa é a mudança que espero para o mundo. E é isso que espero que discutam na COP30", completa o cacique.

A jornada pela Terra Indígena Sete de Setembro revela que as respostas para a crise climática talvez já estejam sendo praticadas há gerações — nas aldeias, nos roçados e nas margens dos rios. Com o Plano 50 anos, os nativos adotaram, por exemplo, monitoramento com drones, plantio de café regenerativo e resistência política, em com isso, os povos da floresta mostram que preservar não é voltar ao passado, mas planejar o futuro.

"Floresta não é inimiga do agro, é a força do agro. O meio ambiente não é inimigo do desenvolvimento, é a base dele. Se todos entenderem isso, o diálogo será possível. E só com diálogo vamos vencer as mudanças climáticas", destaca Almir Suruí.

Tecnologia como aliada

A cerca de 300 quilômetros dali, o território do povo Uru-Eu-Wau-Wau é uma das maiores áreas protegidas de Rondônia, com 1,8 milhão de hectares, e também faz parte da Terra Indígena Sete de Setembro. A área é uma das mais pressionadas por madeireiros e invasores, e, portanto, tem buscado ajuda da tecnologia para se defender e monitorar queimadas.

"Começamos, em 2019, o treinamento para usar drones e, hoje, somos referência nisso, temos 30 pessoas — 15 homens e 15 mulheres — que monitoram a floresta e produzem relatórios técnicos. Coletamos dados, tiramos fotos com coordenadas geográficas e enviamos tudo ao Ministério Público Federal, à Polícia Federal, à Funai e ao Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis)", conta Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau, 25 anos, fotógrafo e ativista, lidera a Associação dos Povos Indígenas Uru-Eu-Wau-Wau e coordena o monitoramento do território com drones e satélites. Ele é protagonista do premiado documentário O Território, vencedor de um Emmy Internacional e indicado ao pré-Oscar.

Com apoio da Associação Kanindé e do WWF-Brasil, o grupo mantém uma central de audiovisual dentro da aldeia. "Temos um centro para edição de vídeo, podcast e reuniões. A tecnologia nos fortalece culturalmente e protege o território", afirma o jovem líder.

O trabalho é essencial para conter grileiros e incêndios, que são monitorados por satélite. Hoje, 15 brigadistas atuam na região com apoio de uma viatura e equipamentos básicos na contenção de incêndios. "O desafio é a acessibilidade. Mas o compromisso é proteger. Essa floresta é nossa casa e também o pulmão do planeta", reforça Bitaté.

Conforme dados do Relatório Planeta Vivo, houve queda de 62,5% nas taxas de desmatamento em Rondônia em 2024. Ainda assim, o estado está em terceiro lugar entre as demais estados da Amazônia Legal.

A ativista Ivaneide Bandeira Cardozo, a Neidinha Suruí, que há 40 anos defende os povos da floresta, alerta que os desafios vão além dos crimes ambientais. "Hoje, o Congresso é inimigo do meio ambiente. Em Rondônia, praticamente todos os deputados legislam contra os povos indígenas. O governo estadual chegou a propor o fim de 10 unidades de conservação. Os invasores expulsaram extrativistas, queimaram casas e desmataram 70% da Reserva Extrativista de Jaci Paraná", denuncia.

Segundo ela, a pressão política é um dos maiores entraves à proteção da Amazônia. "O Ministério Público e a sociedade civil tiveram de agir para barrar esses retrocessos. O Tribunal de Justiça declarou inconstitucional o ato do governo, mas os invasores continuam lá", lamenta.

Regenerar com plantio do café

Na Aldeia Lapetanha, Celeste Suruí, 23 anos, produtora e especialista em café, mostra com orgulho os grãos colhidos em meio à mata. "Vimos que o café não era só uma planta. Era uma forma de regenerar a floresta", diz.

O cultivo sustentável, segundo ela, é também um ato político e climático. "As mudanças do clima afetam a quantidade e a qualidade da plantação. Para minimizar isso, não adianta só nós, povos indígenas, fazermos nossa parte. Depende de todos. Juntos somos mais fortes", completa Celeste, a primeira barista indígena no país, enquanto mostra a plantação em meio a árvores nativas.

A iniciativa indígena conta com o apoio técnico do WWF-Brasil, que fomentam cadeias produtivas sustentáveis, como a de castanha, borracha, farinha e açaí em comunidades da Amazônia.

"O nosso trabalho é apoiar os povos para estruturarem essas cadeias de sociobiodiversidade, garantindo renda com a floresta em pé", explica Domingos Sávio Gomes Rêgo, vice-presidente do Pacto das Águas. "Trabalhamos com 12 territórios e mais de 6 mil pessoas. O foco é conservar e gerar qualidade de vida. Sustentabilidade é isso: floresta viva e povo protegido."

De acordo com o projeto Pacto da Floresta, realizado entre 2018 e 2024, já são 490 toneladas anuais de castanha-do-brasil produzidas em Rondônia, beneficiando 2,6 mil pessoas em 70 aldeias e 11 povos indígenas.

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Para Tatiana Oliveira, líder de estratégia internacional do WWF-Brasil, as soluções locais encontradas pelos povos da Amazônia se conectam com os desafios globais. "Hoje, a agenda climática deixou de ser exclusiva de ambientalistas. É uma pauta unificadora", afirma.

Segundo ela, movimentos sociais, sindicais e de mulheres têm incorporado a discussão sobre o clima como tema central. "Quando unimos a agenda de biodiversidade com a de qualidade de vida, o clima se torna uma pauta aglutinadora. O WWF busca justamente fazer essa ponte entre o local e o global", destaca Tatiana Oliveira.

*A repórter viajou a convite do WWF-Brasil

 

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postado em 13/10/2025 03:59 / atualizado em 20/10/2025 15:19
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