
A Coalizão Nacional de Mulheres, formada por lideranças feministas progressistas, considera a escolha de mais um homem para integrar o Supremo Tribunal Federal uma nova demonstração de que o governo Lula tem ignorado as pautas de gênero e raça que o ajudaram a voltar ao poder. “Hoje, especialmente, está sendo um dia difícil. A notícia em torno da escolha do Messias nos deixou devastadas”, afirmou Adriana Cecílio, advogada, professora de Direito Constitucional e diretora nacional da Coalizão.
Segundo ela, o sentimento no grupo é de frustração e descrença. “A impressão que temos é a de que o presidente está cercado por homens que lhe dizem o que ele quer ouvir. Falta uma escuta ativa da base, das pessoas que efetivamente foram às ruas em 2022 para elegê-lo.”
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O STF é composto por 11 ministros, dos quais somente uma é mulher: Cármen Lúcia. Anteriormente, Rosa Weber, também ocupou espaço como ministra, mas ao se aposentar, foi substituída por um homem — o ministro Flávio Dino. Desde a criação da Corte, em 1891, o número de mulheres que ocuparam uma cadeira é reduzido: apenas três ministras em toda a história: Ellen Gracie, Cármen Lúcia e Rosa Weber. Nenhuma delas, porém, era mulher negra, o que evidencia a ausência histórica de representatividade racial e de gênero na mais alta instância do Judiciário brasileiro.
“Não queremos ser nomeadas por sermos mulheres. Queremos não deixar de ser por isso”
A crítica central da coalizão recai sobre a incoerência entre o discurso progressista do governo e suas decisões práticas. Para Adriana Cecilio, o problema não é somente simbólico: é democrático. “Ter um Supremo com nove homens e apenas uma mulher é um déficit de legitimidade. As decisões precisam refletir a pluralidade da sociedade, e isso só acontece com pessoas de origens, raças e experiências diferentes”, afirma.
Ela rebate a narrativa de que o governo não deve “nomear mulheres só por serem mulheres”. “Nós não queremos que as mulheres sejam nomeadas por serem mulheres. Queremos que elas não deixem de ser nomeadas por isso”, destaca.
Segundo a advogada, há juristas com currículos robustos e trajetória notável que sequer são consideradas. “Os homens são indicados por serem próximos, amigos, parte de um círculo. As mulheres, por mais competentes que sejam, ficam de fora. Essa é a realidade.”
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O afastamento de Lula
Para a Coalizão, a ruptura com o governo Lula não começou agora. O estopim, segundo Adriana, foi a nomeação de Flávio Dino — homem, branco e amigo do presidente — para a vaga deixada por uma mulher, a ministra Rosa Weber.
“Aquela decisão foi a grande fratura entre o governo e os movimentos feministas”, avalia. “Ele teve a chance de ampliar a presença feminina no Supremo e simplesmente ignorou. Se repetir o erro agora, ficará claro que não há preocupação com a base que o elegeu.”
Adriana reforça que a Coalizão seguirá atuando “com a força da sensibilidade”, conceito que define o modo de agir do grupo. “A sensibilidade é o grande poder que podemos usar para transformar o mundo”, diz. Foi com essa perspectiva que a organização entregou recentemente uma carta ao presidente Lula e à primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja. O texto apelava à memória da mãe do presidente e à importância simbólica de uma mulher forte no Supremo.
A Coalizão promete seguir mobilizada, mas o tom agora é de cobrança. “Ele deveria ter a sensibilidade de ouvir aquelas que o colocaram no poder”, afirma. Para Adriana, o governo subestima o impacto de suas decisões. “Essas escolhas podem não ter efeito imediato, porque hoje não há outra opção política além dele. Mas uma hora essa falta de credibilidade chega.”
- Leia também: Messias amplia favoritismo para vaga no STF
E conclui: “Nós queremos coerência. Queremos que o discurso progressista se traduza em prática. Porque quando um presidente deixa de ouvir as mulheres, ele enfraquece não só o feminismo, enfraquece a própria democracia.”

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