Questão de gênero

'Sem igualdade não há democracia', alerta Cármen Lúcia

Mobilizações marcam o Dia de Eliminação da Violência contra a Mulher. Hoje, haverá sessão solene do Congresso

A presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministra Carmen Lúcia, advertiu, ontem, que a democracia brasileira não atingirá a sua plenitude enquanto agressões de gênero persistirem. O alerta foi feito em debate, promovido pelo TSE, para marcar o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.

"Não há democracia com desigualdade, discriminação e violência", destacou Carmém Lúcia, no encontro, que teve o tema "Democracia: Substantivo Feminino". Mulheres, representantes da política, da cultura, do movimento indígena, do empresariado e da sociedade civil trouxeram para o debate o seu ponto de vista sobre o tema. O evento teve como propósito conhecer diferentes trajetórias para pensar soluções concretas diante da desigualdade entre homens e mulheres no Brasil.

Na abertura do evento, Carmén Lucia lembrou que o Brasil convive com um cenário de violência que atinge, de maneira desproporcional, as mulheres e, entre elas, as mulheres negras. A ministra destacou que a Constituição de 1988 assegura igualdade, mas que essa igualdade "está longe de uma pacificação". No discurso, ela convocou as mulheres a reagirem: "Juntas somos mais. Mais pelo bem do Brasil, mais por uma democracia que seja forte, porque não há democracia com desigualdade, discriminação e violência", afirmou, defendendo que o Estado abra espaço para a escuta ativa das mulheres.

A ministra citou que o evento marca o início dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, iniciados no país em 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. "Hoje é dia da sociedade civil falar", disse, conclamando união para transformar práticas e instituições. "Eu tenho lutado, a minha vida inteira, pela igualação. Porque a igualdade não está estratificada. Há os que são muito mais iguais que outros, e há os que não são iguais de jeito nenhum. Nós não queremos uma sociedade só de mulheres. Queremos uma sociedade de homens e mulheres com direitos iguais", completou.

A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, que participou da primeira mesa, foi direta ao falar sobre a dificuldade enfrentada por mulheres, inclusive aquelas já eleitas, no momento de financiar suas campanhas. "É muito duro ver mulheres potentes, que já se elegeram, chegarem no momento do financiamento da campanha e terem que ficar rastejando, mendigando pelo efetivo financiamento", afirmou. Segundo ela, além da falta de critérios claros, há uma insegurança permanente: "A cada processo eleitoral são novas regras, novos critérios".

Macaé insistiu que, sem financiamento público, mulheres de origem popular simplesmente não conseguem se eleger. "Nós somos mulheres trabalhadoras do povo, professoras, assistentes sociais. Não temos grana para fazer uma campanha política se não tiver financiamento público", disse, olhando para outras participantes que compartilharam a mesma trajetória.

A deputada Soraya Santos (PL-RJ) reforçou o peso das decisões judiciais que, desde 2018, obrigaram partidos a destinar recursos e tempo de TV às candidaturas femininas. Segundo ela, sem essa intervenção, o avanço registrado no Parlamento jamais teria ocorrido.

Soraya apresentou um dado que surpreendeu parte do público: apesar de representarem apenas 18% da Câmara, as deputadas, hoje, são responsáveis por 48% de toda a produção legislativa.

Outras vozes

Não apenas políticas participaram do evento. A empresária Luiza Trajano, as atrizes Maria Ribeiro e Denise Fraga, a cantora Fafá de Belém, a presidente da Rede Sarah, Lúcia Braga, a jornalista Basília Rodrigues e a líder indígena Thaís Pitaguary foram outras convidadas. Trajano trouxe relatos acumulados de atuação no grupo Mulheres do Brasil das campanhas internas do Magazine Luiza contra violência doméstica. Reforçou que a agressão psicológica, silenciosa e reincidente, é uma das mais perversas e destacou a importância das rondas especializadas como ferramenta prática de proteção. "Quando a ronda funciona dia e noite, a mulher sabe que não está sozinha", afirmou, criticando o fechamento precoce de delegacias da mulher e a limitação de atendimentos apenas às vítimas com medida protetiva.

Já Fafá de Belém ofereceu uma das falas mais importantes do dia ao descrever a realidade de meninas do Marajó submetidas há décadas a abusos normalizados como "cultura". Relatou perseguições, aliciamentos e omissão das autoridades locais. "Meninas vão para as balsas para fugir da tortura do pai, e o Estado, onde está?", questionou a cantora.

 


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