A crença de que beber água gelada, especialmente após as refeições, é prejudicial à digestão está profundamente enraizada na cultura popular e em algumas medicinas tradicionais. No entanto, é crucial e inegociável afirmar desde o início: para a grande maioria das pessoas saudáveis, a ciência fisiológica moderna não encontrou evidências significativas para sustentar essa alegação.
Este artigo irá explorar, de forma segura e baseada em evidências, o que realmente acontece no nosso corpo quando consumimos líquidos frios, desmistificando as preocupações mais comuns e esclarecendo quais fatores realmente impactam uma boa digestão.
O mito da “gordura solidificada”: o que realmente acontece no estômago?

A alegação mais comum é que a água gelada pode “solidificar” ou “endurecer” as gorduras dos alimentos no estômago, dificultando sua quebra. Esta ideia, no entanto, ignora um fato fundamental da biologia humana: a homeostase, ou a capacidade do corpo de manter um ambiente interno estável.
O nosso corpo mantém uma temperatura interna constante de aproximadamente 37°C. Qualquer alimento ou líquido que ingerimos, independentemente de sua temperatura inicial, é rapidamente aquecido a essa temperatura pelo ambiente do estômago e pelo fluxo sanguíneo. É fisiologicamente impossível que as gorduras se solidifiquem nesse ambiente quente. O processo de emulsificação e digestão de gorduras ocorre normalmente, independentemente da temperatura da água consumida.
A temperatura da água pode retardar o processo digestivo?
Outra preocupação comum é que a água fria possa retardar o esvaziamento gástrico, ou seja, o tempo que o alimento leva para passar do estômago para o intestino. Algumas pesquisas, muitas delas mais antigas e de pequena escala, sugeriram que líquidos muito frios poderiam, de fato, causar uma leve e temporária diminuição na motilidade do estômago.
No entanto, estudos mais abrangentes e recentes não encontraram um efeito clinicamente significativo. Para um sistema digestivo saudável, a diferença no tempo de esvaziamento gástrico entre o consumo de água fria e morna é mínima e não impacta a eficiência geral da digestão.
E as enzimas digestivas? Elas são afetadas pela água fria?
As enzimas digestivas, como a pepsina no estômago, são proteínas que funcionam em uma faixa de temperatura ótima, que é a temperatura normal do corpo. A preocupação de que a água fria possa “desativar” essas enzimas é infundada pela mesma razão do mito da gordura: o corpo regula sua temperatura interna de forma muito eficiente.
O breve contato com o líquido frio não é suficiente para alterar a temperatura geral do ambiente estomacal a ponto de inibir a ação enzimática. O corpo rapidamente restaura o equilíbrio térmico, garantindo que a digestão prossiga sem interrupções.
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De onde vem a crença de que a água morna é melhor para a digestão?
A preferência por bebidas mornas ou em temperatura ambiente para a digestão tem suas raízes principalmente em sistemas de medicina tradicional, como a Medicina Tradicional Chinesa e a Ayurveda. Nessas filosofias, os alimentos e as bebidas são classificados por suas propriedades energéticas (quente, frio, morno), e acredita-se que o consumo de líquidos frios pode “apagar o fogo digestivo”.
Embora essa seja uma perspectiva cultural e tradicional valiosa para muitas pessoas, ela não se alinha com o entendimento da fisiologia digestiva moderna. Cientificamente, os pilares de uma boa digestão são outros.
Os pilares de uma boa digestão
- Mastigação adequada: O processo digestivo começa na boca.
- Consumo de fibras: Essenciais para a motilidade e a saúde do microbioma.
- Hidratação ao longo do dia: Manter-se hidratado é crucial, independentemente da temperatura da água.
- Moderação: Evitar refeições excessivamente grandes ou gordurosas.
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A temperatura da água é mais importante do que a quantidade?
A quantidade e o momento da ingestão de líquidos são muito mais importantes do que a temperatura. Beber grandes volumes de qualquer líquido durante a refeição pode diluir os sucos gástricos e potencialmente dificultar a digestão. A recomendação geral de especialistas é beber pequenos goles de água durante a refeição, se necessário, e focar na hidratação entre as refeições.
Conforme aponta a Mayo Clinic, a água é vital para a digestão, ajudando a quebrar os alimentos e a amolecer as fezes para prevenir a constipação. A melhor temperatura da água é aquela que incentiva você a beber o suficiente para se manter bem hidratado ao longo do dia. Se você sofre de problemas digestivos persistentes, a causa certamente não é a água gelada. Nesses casos, a consulta com um médico gastroenterologista é indispensável para um diagnóstico correto.










